Uma recente edição da Advertising Age alertou para uma
mudança na temática das campanhas de grandes marcas. O exemplo foi a
Coca-Cola, aonde a nova linha de comunicação da companhia tem foco mais
em produto (assinando “Taste the Feeling”) e menos no conceito (o anterior “Open the Happiness”).
Outras marcas vão na mesma direção: mostram o que seu produto faz pelas
pessoas em detrimento do que a marca defende. Claro que algumas marcas
seguem ainda no discurso do propósito como ponto central de suas
campanhas (caso do biscoito Oreo com sua nova manchete “Open Up With Oreo”). No entanto, o artigo apontou uma tendência de enfraquecimento de campanhas voltadas para ideal e propósito de marca.
Toda esta discussão pode lembrar o clássico livro de John Gray
chamado Cachorros de Palha, aonde ele dá um chute no estômago das
pretensões humanas. Para ele, primeiro através da religião e depois do
humanismo construímos uma (falsa) ideia de que nós, seres humanos, somos
especiais e através do progresso e da ciência temos um propósito no
mundo. Para Gray, uma grande bobagem, permeada com barbárie, mortes e
destruição. Conforme o título, não passamos daqueles cachorros de palha
utilizados em cerimônias chinesas. Assim que passado o ritual, toda
reverência que mereciam desaparece, não sendo mais necessários são
pisoteados e jogados fora pelo planeta. O ser humano não precisa de
propósitos. Nenhum outro animal, dos quais pouco nos diferenciamos, os
tem. Não bastaria o propósito da vida ser apenas ver e contemplar, sem maiores pretensões?
E as marcas, será que elas precisam de fato de propósitos? A
partir do pressuposto de Gray, parece que a resposta é negativa. Seriam
elas também meros cachorros de palha? Uma abordagem mais pragmática,
direta e sincera voltada ao produto bastaria. Afinal a marca está aqui
apenas para matar a sua sede, não para torna-lo mais feliz.No entanto,
os propósitos das marcas surgiram para humanizar o branding e
conquistar mais pessoas. Em um tempo aonde faltam grandes líderes com
ideais arrebatadores, as marcas ocuparam esse vácuo. Substituímos Nelson
Mandela pelo xampu Dove. Para aumentar a polêmica foi publicado um
estudo chamado “The Business Case for Purpose”,
por um time da Harvard Business Review Analytics e do instituto EY’s
Beacon. Esta pesquisa reforça as observações que Jim Stengel já havia
feito anteriormente. Companhias com propósitos além do lucro têm a tendência de fazer mais dinheiro para seus acionistas.
Agora, qual a profundidade destes propósitos? Rasos ou intensos?
Vernizes sobre estruturas voltadas ao lucro crescente ou mandatórios nas
decisões estratégicas, inclusive aquelas que envolvem ganhar menos
dinheiro? Certa vez, durante uma entrevista, questionaram o empreendedor
e alpinista Yvon Chouinard, fundador da marca Patagonia, se ele via
algum paralelo seu com Steve Jobs da Apple (vídeo abaixo). A resposta
foi direta: “Definitivamente não!” Ele completou se distanciando
totalmente da comparação dizendo como poderia se comparar a uma empresa
que faz um produto como o iPhone? Um telefone praticamente impossível de
consertar, pois o que querem na verdade é que você compre um novo no
ano seguinte. A Apple segue o mesmo “propósito” de muitas outras marcas, fazer você chegar logo na flagship store mais próxima para movimentar o consumo sem limites.
John Izzo defende que ter um propósito na vida é um dos 5 segredos
que deveríamos descobrir antes de morrer. A vida se torna mais plena,
rica e significativa. Talvez para as marcas o caminho seja o mesmo. Para
algumas, os supostos “propósitos” nascem por crise de identidade (e
consciência), em outras por necessidade de mimetismo da categoria (se o
concorrente faz, digo eu também!). Por fim em poucas, por formação,
história e crenças profundas. Umas autênticas. Outras nem um pouco. Para
estas qualquer balanço na tendência pode significar a adoção de uma
outra abordagem, mais embalada para momento atual. Para as convictas, o
propósito precede o cenário, assim permanece.
São semelhantes na força
de suas crenças. Agora olhe para as suas marcas preferidas e pergunte: qual é mesmo o propósito do seus propósitos? Invariavelmente, todas marcas com propósito se parecem, mas cada marca sem propósito é despropositada a sua maneira.
Felipe Schmitt-Fleischer
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