quarta-feira, 20 de abril de 2016

Todas marcas com propósito se parecem, cada marca sem propósito é despropositada a sua maneira


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Felipe Schmitt-Fleischer

Uma recente edição da Advertising Age alertou para uma mudança na temática das campanhas de grandes marcas. O exemplo foi a Coca-Cola, aonde a nova linha de comunicação da companhia tem foco mais em produto (assinando “Taste the Feeling”) e menos no conceito (o anterior “Open the Happiness”). Outras marcas vão na mesma direção: mostram o que seu produto faz pelas pessoas em detrimento do que a marca defende. Claro que algumas marcas seguem ainda no discurso do propósito como ponto central de suas campanhas (caso do biscoito Oreo com sua nova manchete “Open Up With Oreo”). No entanto, o artigo apontou uma tendência de enfraquecimento de campanhas voltadas para ideal e propósito de marca.

Toda esta discussão pode lembrar o clássico livro de John Gray chamado Cachorros de Palha, aonde ele dá um chute no estômago das pretensões humanas. Para ele, primeiro através da religião e depois do humanismo construímos uma (falsa) ideia de que nós, seres humanos, somos especiais e através do progresso e da ciência temos um propósito no mundo. Para Gray, uma grande bobagem, permeada com barbárie, mortes e destruição. Conforme o título, não passamos daqueles cachorros de palha utilizados em cerimônias chinesas. Assim que passado o ritual, toda reverência que mereciam desaparece, não sendo mais necessários são pisoteados e jogados fora pelo planeta. O ser humano não precisa de propósitos. Nenhum outro animal, dos quais pouco nos diferenciamos, os tem. Não bastaria o propósito da vida ser apenas ver e contemplar, sem maiores pretensões? 

E as marcas, será que elas precisam de fato de propósitos? A partir do pressuposto de Gray, parece que a resposta é negativa. Seriam elas também meros cachorros de palha? Uma abordagem mais pragmática, direta e sincera voltada ao produto bastaria. Afinal a marca está aqui apenas para matar a sua sede, não para torna-lo mais feliz.No entanto, os propósitos das marcas surgiram para humanizar o branding e conquistar mais pessoas. Em um tempo aonde faltam grandes líderes com ideais arrebatadores, as marcas ocuparam esse vácuo. Substituímos Nelson Mandela pelo xampu Dove. Para aumentar a polêmica foi publicado um estudo chamado “The Business Case for Purpose”, por um time da Harvard Business Review Analytics e do instituto EY’s Beacon. Esta pesquisa reforça as observações que Jim Stengel já havia feito anteriormente. Companhias com propósitos além do lucro têm a tendência de fazer mais dinheiro para seus acionistas.

Agora, qual a profundidade destes propósitos? Rasos ou intensos? Vernizes sobre estruturas voltadas ao lucro crescente ou mandatórios nas decisões estratégicas, inclusive aquelas que envolvem ganhar menos dinheiro? Certa vez, durante uma entrevista, questionaram o empreendedor e alpinista Yvon Chouinard, fundador da marca Patagonia, se ele via algum paralelo seu com Steve Jobs da Apple (vídeo abaixo). A resposta foi direta: “Definitivamente não!” Ele completou se distanciando totalmente da comparação dizendo como poderia se comparar a uma empresa que faz um produto como o iPhone? Um telefone praticamente impossível de consertar, pois o que querem na verdade é que você compre um novo no ano seguinte. A Apple segue o mesmo “propósito” de muitas outras marcas, fazer você chegar logo na flagship store mais próxima para movimentar o consumo sem limites.

John Izzo defende que ter um propósito na vida é um dos 5 segredos que deveríamos descobrir antes de morrer. A vida se torna mais plena, rica e significativa. Talvez para as marcas o caminho seja o mesmo. Para algumas, os supostos “propósitos” nascem por crise de identidade (e consciência), em outras por necessidade de mimetismo da categoria (se o concorrente faz, digo eu também!). Por fim em poucas, por formação, história e crenças profundas. Umas autênticas. Outras nem um pouco. Para estas qualquer balanço na tendência pode significar a adoção de uma outra abordagem, mais embalada para momento atual. Para as convictas, o propósito precede o cenário, assim permanece. 

São semelhantes na força de suas crenças. Agora olhe para as suas marcas preferidas e pergunte: qual é mesmo o propósito do seus propósitos? Invariavelmente, todas marcas com propósito se parecem, mas cada marca sem propósito é despropositada a sua maneira.


 

Felipe Schmitt-Fleischer

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