"Caro
Cliente,
Seu
banco pode ter modificado recentemente as regras que determinam como transações
internacionais são processadas em nosso site, e outros sites operados por
comerciantes internacionais. Por causa disso, seu banco poderá aplicar taxas
bancárias ou impostos adicionais em suas futuras transações ou elas poderão ser
recusadas. Nós nos desculpamos por qualquer inconveniência causada por essa
mudança que alguns bancos implementaram, e agradecemos por sua paciência
enquanto determinamos opções adicionais para suas futuras transações."
Enviado
por uma gigante global de jogos eletrônicos, o comunicado acima tenta explicar
aos clientes brasileiros por que, desde o começo de setembro, algumas de suas
compras de games com cartão acabaram sendo canceladas. Os cancelamentos foram
resultado de uma mudança de política de alguns dos principais emissores de
cartões do país, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander.
Essas
instituições passaram a não autorizar as compras em reais de brasileiros em
lojas, físicas ou de comércio eletrônico, com sede no exterior. Uma mudança que
dificulta a vida dos brasileiros, ao mesmo tempo em que empresas locais de
cartão tentam permitir, de olho nos turistas da Copa do Mundo, que compras de
estrangeiros no Brasil possam ser pagas nas moedas de seus países de origem. Só
escaparam as lojas free shop nos aeroportos brasileiros porque são empresas
estabelecidas no país.
Segundo
maior emissor de cartões brasileiros, o Banco do Brasil estuda se adotará esse
bloqueio. Nos primeiros seis meses do ano, foram R$ 13 bilhões gastos por
brasileiros com cartões de crédito no exterior, avanço de 13% na comparação com
igual período de 2012. A maioria absoluta dessas despesas seguiu a via mais
tradicional, em que o cliente pagou em moeda estrangeira pela mercadoria, e o
valor só foi convertido em reais no fechamento da fatura.
Contudo,
em especial no comércio eletrônico, vinha ganhando popularidade uma opção que
permitia que clientes brasileiros, que tivessem cartão de crédito
internacional, fizessem suas compras no exterior em real, no lugar de na moeda
local do país de origem do varejista. Essa operação recebe o nome técnico, em
inglês, de Dynamic Currency Conversion (DCC), e também é conhecida como
"transação multimoeda". Para o cliente, o atrativo é a promessa de
travar o câmbio do dia da compra, sem ficar exposto à variação do câmbio até o
do fechamento da fatura.
O
problema é que, segundo argumentam os bancos, a operação não é tão simples.
Quem oferece a opção de pagamento em real não é o banco emissor do cartão, mas
sim a credenciadora responsável pela captura do cartão lá fora (como a PayPal,
por exemplo), junto com o lojista estrangeiro. A questão é que, embora o
cliente selecione o pagamento em real, o banco paga essa transação para o
lojista, dois dias depois da compra, em moeda estrangeira. E só vai receber o
valor da compra do cliente pouco mais de um mês depois, quando ele pagar a
fatura. A instituição financeira, portanto, fica exposta à variação cambial
desse período.
"Isso
não aconteceria se houvesse livre conversibilidade do câmbio e, a qualquer
momento, eu pudesse mudar a moeda da transação de dólar para real, por exemplo.
Isso não acontece", afirma Marcelo Noronha, presidente da Associação
Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs). "Não é
um caso só brasileiro. Um grupo de seis outros países, incluindo a Índia,
proibiram o DCC", afirma.
"Mas
eu dou uma opção ao cliente. Se o cliente volta de uma viagem ao exterior, pode
pedir o fechamento da fatura antecipado e travar o câmbio", afirma
Noronha, que também é diretor-executivo do Bradesco.
A
associação do setor de cartões lançou uma diretiva em que recomendou que seus
associados passassem a bloquear as transações em real no exterior. No texto,
conclui-se que "não é economicamente razoável impor aos emissores a
obrigação de suportar esse risco [de variação cambial] e arcar com os prejuízos
advindos dessa variação, já que o pagamento em reais de transações realizadas
no exterior é uma funcionalidade colocada à disposição dos portadores de cartão
sem a anuência dos emissores". Segundo Noronha, a diretiva surgiu como
resposta ao que a associação interpretou como a causa de muitas reclamações dos
clientes, que não entendiam por que o valor visto na compra e o da fatura eram
diferentes.
Os
bancos minimizam que foi a volatilidade do câmbio nos últimos meses que os
motivou a adotar a restrição ao DCC. "Se alguém tem capacidade de arcar
com a variação cambial é o banco, não o consumidor", afirmou Milton
Maluhy, diretor executivo da área de cartões do Itaú Unibanco, em entrevista
recente. "O normativo foi criado pelo número de reclamações de clientes
sobre o tema", diz. "Temos casos de lojas virtuais que eram 100% em
português, cobravam em reais, mas eram estrangeiras. Isso causava confusão no
cliente e estourava no banco."
Embora
parte das justificativas dos bancos para o bloqueio se apoie em regras do Banco
Central sobre o tema, a autoridade monetária afirma que "o BC não vê
restrição na regulação para que se ofereça pagamento em reais no
exterior", em resposta a um questionamento da reportagem. A norma de
câmbio sobre cartões internacionais afirma que "no caso específico de
cartão de crédito, a fatura dos gastos deve ser emitida em reais (...) devendo
a referida fatura ser paga em banco pelo valor equivalente em reais do dia do
pagamento."
"Quando
o cartão internacional chegou ao Brasil e o BC escreveu essa norma, o espírito
era impedir que os bancos ficassem expostos à variação cambial", afirma
Bruno Balduccini, sócio da área bancária do escritório Pinheiro Neto, que
presta assessoria jurídica à Abecs.
Com
cerca de 24% do mercado brasileiro de cartões, o Banco do Brasil ainda não
adotou o bloqueio ao DCC. "O Banco do Brasil está gradativamente
consultando e comunicando alguns clientes sobre o tema. Isso não quer dizer que
não vamos implantar a normativa da Abecs, nós vamos implantar, sim. Mas
adotamos uma estratégia mais paulatina", afirma Raul Moreira, diretor de
cartões do banco. A Caixa Econômica Federal, que também não bloqueou as
transações de DCC, não deu entrevista.
Por
Felipe Marques
Fonte
Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário