sábado, 23 de novembro de 2013

BANCO RESTRINGE COMPRA EM REAIS NO EXTERIOR COM CARTÃO DE CRÉDITO


"Caro Cliente,

Seu banco pode ter modificado recentemente as regras que determinam como transações internacionais são processadas em nosso site, e outros sites operados por comerciantes internacionais. Por causa disso, seu banco poderá aplicar taxas bancárias ou impostos adicionais em suas futuras transações ou elas poderão ser recusadas. Nós nos desculpamos por qualquer inconveniência causada por essa mudança que alguns bancos implementaram, e agradecemos por sua paciência enquanto determinamos opções adicionais para suas futuras transações." 

Enviado por uma gigante global de jogos eletrônicos, o comunicado acima tenta explicar aos clientes brasileiros por que, desde o começo de setembro, algumas de suas compras de games com cartão acabaram sendo canceladas. Os cancelamentos foram resultado de uma mudança de política de alguns dos principais emissores de cartões do país, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander.
 
Essas instituições passaram a não autorizar as compras em reais de brasileiros em lojas, físicas ou de comércio eletrônico, com sede no exterior. Uma mudança que dificulta a vida dos brasileiros, ao mesmo tempo em que empresas locais de cartão tentam permitir, de olho nos turistas da Copa do Mundo, que compras de estrangeiros no Brasil possam ser pagas nas moedas de seus países de origem. Só escaparam as lojas free shop nos aeroportos brasileiros porque são empresas estabelecidas no país. 

Segundo maior emissor de cartões brasileiros, o Banco do Brasil estuda se adotará esse bloqueio. Nos primeiros seis meses do ano, foram R$ 13 bilhões gastos por brasileiros com cartões de crédito no exterior, avanço de 13% na comparação com igual período de 2012. A maioria absoluta dessas despesas seguiu a via mais tradicional, em que o cliente pagou em moeda estrangeira pela mercadoria, e o valor só foi convertido em reais no fechamento da fatura. 

Contudo, em especial no comércio eletrônico, vinha ganhando popularidade uma opção que permitia que clientes brasileiros, que tivessem cartão de crédito internacional, fizessem suas compras no exterior em real, no lugar de na moeda local do país de origem do varejista. Essa operação recebe o nome técnico, em inglês, de Dynamic Currency Conversion (DCC), e também é conhecida como "transação multimoeda". Para o cliente, o atrativo é a promessa de travar o câmbio do dia da compra, sem ficar exposto à variação do câmbio até o do fechamento da fatura. 

O problema é que, segundo argumentam os bancos, a operação não é tão simples. Quem oferece a opção de pagamento em real não é o banco emissor do cartão, mas sim a credenciadora responsável pela captura do cartão lá fora (como a PayPal, por exemplo), junto com o lojista estrangeiro. A questão é que, embora o cliente selecione o pagamento em real, o banco paga essa transação para o lojista, dois dias depois da compra, em moeda estrangeira. E só vai receber o valor da compra do cliente pouco mais de um mês depois, quando ele pagar a fatura. A instituição financeira, portanto, fica exposta à variação cambial desse período. 

"Isso não aconteceria se houvesse livre conversibilidade do câmbio e, a qualquer momento, eu pudesse mudar a moeda da transação de dólar para real, por exemplo. Isso não acontece", afirma Marcelo Noronha, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs). "Não é um caso só brasileiro. Um grupo de seis outros países, incluindo a Índia, proibiram o DCC", afirma. 

"Mas eu dou uma opção ao cliente. Se o cliente volta de uma viagem ao exterior, pode pedir o fechamento da fatura antecipado e travar o câmbio", afirma Noronha, que também é diretor-executivo do Bradesco. 

A associação do setor de cartões lançou uma diretiva em que recomendou que seus associados passassem a bloquear as transações em real no exterior. No texto, conclui-se que "não é economicamente razoável impor aos emissores a obrigação de suportar esse risco [de variação cambial] e arcar com os prejuízos advindos dessa variação, já que o pagamento em reais de transações realizadas no exterior é uma funcionalidade colocada à disposição dos portadores de cartão sem a anuência dos emissores". Segundo Noronha, a diretiva surgiu como resposta ao que a associação interpretou como a causa de muitas reclamações dos clientes, que não entendiam por que o valor visto na compra e o da fatura eram diferentes. 

Os bancos minimizam que foi a volatilidade do câmbio nos últimos meses que os motivou a adotar a restrição ao DCC. "Se alguém tem capacidade de arcar com a variação cambial é o banco, não o consumidor", afirmou Milton Maluhy, diretor executivo da área de cartões do Itaú Unibanco, em entrevista recente. "O normativo foi criado pelo número de reclamações de clientes sobre o tema", diz. "Temos casos de lojas virtuais que eram 100% em português, cobravam em reais, mas eram estrangeiras. Isso causava confusão no cliente e estourava no banco." 

Embora parte das justificativas dos bancos para o bloqueio se apoie em regras do Banco Central sobre o tema, a autoridade monetária afirma que "o BC não vê restrição na regulação para que se ofereça pagamento em reais no exterior", em resposta a um questionamento da reportagem. A norma de câmbio sobre cartões internacionais afirma que "no caso específico de cartão de crédito, a fatura dos gastos deve ser emitida em reais (...) devendo a referida fatura ser paga em banco pelo valor equivalente em reais do dia do pagamento." 

"Quando o cartão internacional chegou ao Brasil e o BC escreveu essa norma, o espírito era impedir que os bancos ficassem expostos à variação cambial", afirma Bruno Balduccini, sócio da área bancária do escritório Pinheiro Neto, que presta assessoria jurídica à Abecs. 

Com cerca de 24% do mercado brasileiro de cartões, o Banco do Brasil ainda não adotou o bloqueio ao DCC. "O Banco do Brasil está gradativamente consultando e comunicando alguns clientes sobre o tema. Isso não quer dizer que não vamos implantar a normativa da Abecs, nós vamos implantar, sim. Mas adotamos uma estratégia mais paulatina", afirma Raul Moreira, diretor de cartões do banco. A Caixa Econômica Federal, que também não bloqueou as transações de DCC, não deu entrevista. 

Por Felipe Marques
Fonte Valor Econômico

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