Como a varejista de produtos odontológicos Dental Cremer deixou de ser uma divisão de negócios deficitária para se tornar independente e crescer muito
São Paulo — Em tempos de crise, boa parte das empresas busca a sobrevivência. Oportunidades
de crescimento acelerado resistem em poucos nichos, como segmentos
pulverizados em que ainda é possível consolidar a participação de
mercado. Foi nessa trilha que se formaram — e continuaram ganhando corpo
— líderes de setores como o de educação, caso da Kroton, e o de
farmácias, como a Raia Drogasil. A trajetória da Dental Cremer inclui
nesse fenômeno um setor bem menos conhecido e pouco charmoso — o de
varejo de produtos odontológicos.
Com faturamento de 530 milhões de reais em 2016, a companhia tem uma
escala bem menor em relação à das outras empresas citadas — que faturam
alguns bilhões de reais. Mas seu caso chama a atenção pelo salto. Nos
últimos cinco anos, as vendas da Dental Cremer cresceram 20 vezes. O
número de clientes subiu de 15 000 para 84 000. O portfólio aumentou de
1 800 para 38 000 itens — de folhas de ofício e cartucho para impressora
a pacotes de viagens para congressos, além de suprimentos e
equipamentos especializados.
Hoje, a companhia detém uma participação de
mercado de 30% entre mais de 1 000 concorrentes.
“Nenhuma outra empresa
do setor vende tanta coisa para tantos clientes como nós”, diz Paulo
Batista, sócio e presidente da Dental Cremer, com sede em Blumenau, em
Santa Catarina.
É curioso notar que, até 2011, a distribuidora era uma divisão quase
invisível da fabricante de produtos médicos Cremer. O faturamento de 28
milhões de reais representava apenas 6% das receitas totais da
companhia, que vende produtos como esparadrapos e luvas cirúrgicas a
redes de farmácias e hospitais. O negócio vinha dando prejuízo e era
visto como uma distração para os vendedores, que se desdobravam em
segmentos muito diferentes. Levou dois anos para que a gestora de
recursos Tarpon, desde 2009 no comando da empresa (cujo controle até
então era pulverizado), decidisse vendê-la.
Mas, antes, seria preciso torná-la mais atraente. Para isso, Batista
foi contratado e tornou-se sócio minoritário da nova empresa. Aos 27
anos, ele assumiu a presidência em novembro de 2011 como dono de 10% das
ações. “Montei o projeto de separação da empresa e coloquei a sociedade
como condição”, afirma Batista, advogado que fez carreira no mercado
financeiro e havia ajudado a gestora numa empreitada semelhante, a
criação de uma startup de etanol, mais tarde vendida ao grupo Odebrecht.
A missão de Batista foi cumprida em janeiro, quando a americana Henry
Schein — maior distribuidora de produtos médicos, odontológicos e
veterinários do mundo — completou a aquisição de mais de 90% de
participação da Dental Cremer, por um múltiplo equivalente a 15 vezes o
lucro operacional, o dobro do que pagou em outras negociações na Europa,
segundo apurou a reportagem de EXAME. O interesse se explica: o Brasil
tem a maior população de dentistas do mundo, com 289 597 profissionais
habilitados — 47% maior do que a americana, por exemplo. Procurada, a
Tarpon, que vendeu totalmente sua participação na empresa, não quis
comentar. “Procuramos por décadas uma empresa que pudesse nos ajudar a
ter uma participação relevante num mercado com alto potencial como o
brasileiro”, diz Stanley Bergman, presidente da Henry Schein, cujo valor
de mercado hoje é de 14 bilhões de dólares.
Para crescer, Batista e seus sócios na Tarpon — que tiveram menos
sorte na BRF (veja reportagem na pág. 76) — empregaram na companhia
parte da fórmula de sua atual controladora, fundada em 1932 em Nova
York. Com a lógica de fidelizar clientes, a Henry Schein cresce a uma
média de 15% ao ano desde que abriu o capital em 1995. Uma das medidas
responsáveis por seu sucesso foi investir no desenvolvimento de um
software capaz de ajudar os dentistas na gestão financeira, no controle
de estoque e na agenda de consultas. Na Dental Cremer, que copiou a
ideia, uma compra de qualquer valor dá acesso a um programa semelhante.
Mas, para usá-lo, é preciso continuar comprando pelo menos uma vez por
mês.
Com a intenção de acelerar o crescimento, a companhia brasileira
passou a fazer também algo diferente — ampliou drasticamente o portfólio
além dos produtos especializados. A ideia é vender qualquer coisa que o
dentista precise em seu consultório. Para isso, Batista estabeleceu a
seguinte regra: a cada três dentistas que telefonassem para a central de
vendas em busca de um produto, o item entraria imediatamente para a
lista de compras e passaria a fazer parte do catálogo. Em paralelo, a empresa atraiu pacientes às clínicas, distribuindo panfletos com 100 reais de desconto em consultas.
O mesmo valor podia ser trocado pelos dentistas por produtos. “Muitas
dessas ideias foram sugestões dos próprios vendedores”, diz Batista,
que também investiu em incentivos. O treinamento deles se tornou mais
técnico e, com o portfólio maior, aumentou de duas para 12 semanas. As
comissões sobre vendas agora compõem 60% dos salários, antes eram 5%. Na
outra ponta, o executivo negociou descontos com 90 dos principais
fornecedores e a exclusividade na distribuição de cinco deles, como a
fabricante de cadeiras e instrumentos de mão Gnatus, dona de 25% do
mercado de equipamentos.
A contrapartida que ele oferece é ganho de escala, potencializado
pela abertura de uma loja online em 2012. Hoje, a cesta de compras na
Dental Cremer está de 10% a 25% mais barata do que a oferecida pelas
rivais. Não demorou para a concorrência sofrer. “Algumas dentais
fecharam e muitas estão em recuperação judicial”, diz Paulo Henrique
Fraccaro, superintendente da associação da indústria de equipamentos
médicos.
A tônica na companhia continua a ser abrir novas frentes de expansão.
Em agosto, a Dental Cremer passou a prestar consultoria para construir
ou reformar clínicas odontológicas. A divisão já representa 6% das
vendas. Como ampliar o portfólio sem aumentar demais a complexidade do
negócio? Batista fechou contratos com empresas especializadas, que mantêm funcionários
de atendimento exclusivo. É o que acontece também no caso de pacotes de
viagens. As semelhanças da Dental Cremer com a nova controladora
facilitaram a ausência, pelo menos até agora, de choque cultural.
Leia também:
Como programas de incentivo podem engajar o time e otimizar custos?
Patrocinado
Os planos da multinacional incluem a expansão nas áreas de produtos odontológicos
e veterinários, com novas aquisições. Antes da Dental Cremer, a Henry
Schein já havia adquirido 50% da catarinense Speed Graph, em 2014, que
fatura 155 milhões de reais. E, em janeiro, 51% da carioca Tecnew,
distribuidora de produtos de saúde animal, com vendas de 70 milhões de
reais. “O Brasil será nossa base para expansão na América Latina e para
vender os produtos brasileiros em nossas outras operações”, diz Bergman.
Em 2015, a britânica Bunzl comprou a mineira Dental Sorria, com
receitas de 30 milhões de reais por ano. A briga pela consolidação do
mercado só começou. E está claro que a Henry Schein não vai querer ficar
para trás.
Nenhum comentário:
Postar um comentário