As funções continuarão tomadas pelo TSJ enquanto permanecer a situação de desacato e de invalidade das atuações da Assembleia Nacional
O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela assumiu
as competências do Parlamento, de ampla maioria opositora e o qual
considera em desacato, uma decisão que, segundo analistas, representa
mais um passo rumo a um modelo autoritário.
“Adverte-se que, enquanto persistir a situação de desacato e de
invalidade das atuações da Assembleia Nacional, esta Sala Constitucional
garantirá que as competências parlamentares sejam exercidas diretamente
por esta sala ou pelo órgão de que ela disponha para velar pelo Estado
de Direito”, assinala a decisão do TSJ publicada na noite de
quarta-feira.
O TSJ, acusado pela oposição de servir ao governo de Nicolás Maduro,
declarou o Legislativo em desacato no início de 2016, devido à
juramentação de três deputados opositores cuja eleição foi suspensa por
suposta fraude. Por isso, cancelou todas as decisões parlamentares.
Embora a câmara tenha desvinculado estes deputados posteriormente, o Tribunal considera que o ato não foi formalizado.
“Nesta semana avançamos lamentavelmente rumo a um modelo autoritário
na política venezuelana. A democracia está em perigo”, disse nesta
quinta-feira à AFP o analista Carlos Romero.
“Estamos diante de um uso indiscriminado e ilegal das atribuições do TSJ para acabar com o Poder Legislativo”, acrescentou.
– Deputados sem imunidade –
Após a divulgação da nova decisão do TSJ, o opositor Henry Ramos
Allup afirmou que os parlamentares “devemos seguir cumprindo nossos
deveres (…) e continuar exercendo a qualquer preço nossas funções,
porque para nós uma pessoa não nos deu um título de deputados, nós fomos
eleitos”.
O Parlamento venezuelano, por sua vez, acusou nesta quinta-feira Maduro de dar um “golpe de Estado”.
“Na Venezuela Nicolás Maduro deu um golpe de Estado”, afirmou o
presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, em uma declaração na
qual anunciou que o Legislativo desconhece a decisão do TSJ,
classificando-a de “lixo”.
Além disso, apelou para que os militares quebrem o silêncio diante da ruptura constitucional.
“A Força Armada venezuelana não pode seguir calada diante da ruptura
da Constituição. Sabemos que a imensa maioria dos oficiais (…) é
contrária ao caos que ocorre na Venezuela”, afirmou Borges.
Já o legislador Diosdado Cabello, um dos principais dirigentes do
chavismo, comemorou a decisão. “Não podemos estar com a Assembleia
Nacional ausente porque eles querem”, disse.
Alegando o desacato, o TSJ já havia retirado a imunidade dos
deputados, o que abriu a possibilidade de processá-los, inclusive ante
tribunais militares.
A retirada dos foros parlamentares ocorreu enquanto o Conselho
Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) se reunia para
debater a grave crise política e econômica do país petrolífero.
O encontro em Washington terminou sem acordo, mas 20 países assinaram
uma declaração conjunta na qual expressaram “preocupação pela difícil
situação política, econômica, social e humanitária” da Venezuela.
Uma semana antes deste encontro, o bloco opositor aprovou um acordo
no qual pediu à OEA que aplique a Carta Democrática Interamericana, que
prevê sanções em caso de alterações ou ruptura do marco constitucional, o
que foi classificado por Maduro como “traição à pátria”, um crime
punido com penas de até 30 anos de prisão.
Pressão internacional
Para analistas como Benigno Alarcón, a escalada no choque de poderes da Venezuela é uma resposta às recentes ações da OEA.
“O governo está tentando aumentar a pressão sobre os parlamentares e a
comunidade internacional, dizendo que está disposto a represálias e a
prender líderes opositores que estejam buscando ajuda no exterior”,
declarou Alarcón à AFP.
A sentença mediante a qual o TSJ adota as funções do Parlamento
também tem um fundo econômico. Ocorreu em resposta a um recurso de
interpretação sobre a criação de empresas mistas no setor petrolífero.
Segundo a Constituição, o governo não pode assinar contratos de
interesse público com Estados ou empresas públicas e privadas
estrangeiras “sem a aprovação da Assembleia Nacional”.
Mas, ao declarar “omissão legislativa”, o TSJ indicou que não existe
“impedimento algum” para que o Executivo forme companhias sem passar
pelos deputados.
Esta questão é chave para o governo, que busca financiamento para
paliar um déficit fiscal que o Banco Mundial estimou em 11,5% do PIB em
2016.
Maduro também tenta atrair investimentos estrangeiros para os setores
petrolífero e minerador, e enfrentar, assim, a grave crise econômica,
refletida em escassez de todo tipo de bens básicos e na inflação mais
alta do mundo, projetada em 1.660% pelo FMI para 2017.
As gestões na OEA são promovidas por seu secretário-geral, Luis
Almagro, que exige a convocação de eleições gerais em um curto prazo e a
libertação de uma centena de opositores presos.
As eleições presidenciais estão previstas para dezembro de 2018,
enquanto as regiões deveriam ter ocorrido no fim do ano passado, mas o
poder eleitoral as adiou para 2017 e ainda não fixou uma data.
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