Fabio Schvartsman assumirá a presidência da Vale aos 63 anos; ele é visto como um "nome técnico, que vem para arrumar a casa"
No dia 24 de fevereiro, quando comentou os resultados anuais da mineradora Vale, Murilo Ferreira afirmou que a idade foi um dos motivos que o levou a deixar a presidência da companhia. “Temos como visão que devemos ter limite de idade de 65 anos [para a diretoria]. Vou fazer 64 anos agora em junho e 65 no ano que vem”. Ferreira anunciou que deixaria o cargo em maio. Como era de se esperar, as semanas seguintes foram repletas de insinuações sobre seu substituto. A decisão, tomada com base numa lista elaborada pela empresa de recrutamento Spencer Stuart, foi bem técnica.
Para seu lugar foi anunciada nesta segunda-feira a escolha de Fabio
Schvartsman, presidente da fabricante de celulose Klabin. O escolhido
trabalhou por 22 anos no Grupo Ultra, passou pelo GP e assumiu o comando
da Klabin em 2011. Em sua gestão, o faturamento da companhia dobrou,
para 7,1 bilhões de reais. Schvartsman é tido como mais duro e direto do
que Ferreira, o que deve marcar uma mudança no dia-a-dia da companhia.
Mas o que tem levantado dúvidas no mercado é outra questão. Ferreira,
de saída, tem 63 anos. Schvartsman, que assumirá em pouco mais de um
mês, também. A regra dos 65 anos de idade limite não está escrita no
estatuto da Vale, mas, se o bom senso predominar, o novo presidente terá
vida curta na companhia. Qual a lógica?
Embora os mandatos de presidente da Vale durem apenas dois anos, é
comum que os executivos fiquem mais tempo na cadeira. Ferreira ficou
seis anos. Seu antecessor, Roger Agnelli, dez. É natural que assim seja
na indústria de minérios, onde os ciclos são longos e os projetos
demoram muito a sair do papel. O S11D, maior projeto de minério da
história da companhia, no Pará, começou a ser estudado em 2000, e só
saiu do papel em 2012. A licença de operação saiu em dezembro do ano
passado. Foi o grande projeto de Murilo Ferreira. “O mercado de
mineração não é de longo, mas de longuíssimo prazo”, diz José Renato
Lima, professor da USP e especialista em mineração.
As circunstâncias levaram analistas, consultores e investidores a
concluir que o novo presidente deve de fato chegar à Vale para uma
passagem curta. Segundo o relatório do banco BTG Pactual, a escolha tem a
vantagem de minimizar “as preocupações dos investidores em relação à
interferência política”. “Ele não é um político, mas é uma pessoa muito
bem relacionada. É um nome técnico, que vem para arrumar a casa”, diz
outro analista.
O maior desafio de Schvartsman deve ser mesmo conduzir a
reorganização societária anunciada pela Vale em fevereiro, que prevê a
unificação das ações num único grupo de ordinárias e a listagem da
companhia no mais alto segmento de governança da BM&FBovespa, o Novo
Mercado. No fim do processo, em 2020, a Vale será uma empresa sem
controle definido – e com menos influência do governo.
“A Vale precisa, neste momento, de um presidente de cabelos brancos”,
diz Marco Saravalle, analista da XP Investimentos. Para concluir a
reestruturação é preciso garantir que os acionistas preferenciais
aceitem mudar seus papéis. “A Vale precisa de um nome que consiga
dialogar com os acionistas e consiga convencê-los do valor da mudança”,
afirma Saravalle.
No comando da Klabin, Schvartsman conduziu a companhia para o nível 2
de governança da BM&FBovespa e emitiu ações para o financiamento do
Projeto Puma, em Ortigueira (PR), o maior já realizado pela companhia,
com 8,5 bilhões de reais de orçamento.
Ao mesmo tempo Schvartsman também tem bagagem no mercado global de
commodities. China e Europa são os principais consumidores de celulose.
No ano passado, o preço da celulose enfrentou turbulências parecidas com
o preço do minério de ferro nos últimos anos. A inauguração de grandes
fábricas de celulose e a desaceleração da demanda na China colocaram a
comodity em seu menor patamar em 20 anos.
Joga a favor de Schvartsman também o fato de pegar a empresa num
momento relativamente tranquilo para o minério, o que permite que o foco
esteja nas questões internas. Depois de chegar a 180 dólares em 2011, o
preço do minério caiu para baixo dos 50 dólares no fim de 2015, mas
voltou para 80 dólares no início deste ano. A subida, aliada a um forte
programa de vendas de ativos e cortes de custos ajudou a Vale a fechar
2016 no azul. A receita aumentou 21% em 2016, totalizando 94,6 bilhões
de reais, com isso a companhia saiu de um prejuízo de 44,2 bilhões de
reais em 2015 para um lucro de 13,3 bilhões em 2016.
A grande questão é se dois anos são suficientes para as mudanças
societárias numa empresa do porte da Vale. “Criar uma corporação não é
só pulverizar o capital na bolsa. Essa é a parte fácil”, diz a
consultora Betania Tanure. “O mais difícil é mudar a cultura, e, para
isso, dois anos pode ser pouco tempo até para companhias muito menos
complexas”.
Outra dúvida que se impõe é o que Schvarstman conseguirá fazer em
relação à Samarco, mineradora controlada pela Vale e pela
anglo-australiana BHP Billiton, parada desde o rompimento da barragem em
Mariana (MG), em novembro de 2015. A previsão mais otimista é que a
operação seja retomada apenas em 2018. Todos os custos da companhia são
pagos com um aporte de 230 milhões de dólares que a Vale e a BHP fizeram
no fim de 2016. O problema é que este dinheiro deve durar apenas até
junho.
Se conseguir desatar os vários nós da Vale, e ainda dar um jeito na
Samarco, Schvarstman ganha força para continuar para além de 2019. Neste
caso, o limite de idade cobrado por Ferreira pode ficar em segundo
plano frente a satisfação dos acionistas.
*Com reportagem de Isabel Seta
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