Em 20 anos, um filho de lavradores transformou um mercadinho de Belo Horizonte — o BH — numa das maiores redes de varejo do país
São Paulo — As crises econômicas
atingem as empresas de forma diferente. As companhias muito endividadas
costumam se enrolar ainda mais; algumas conseguem mudar rapidamente
para se adaptar ao novo cenário e perder menos dinheiro; e existem as
que crescem ocupando o espaço de concorrentes que faliram. A recessão
atual no Brasil tem um pouco de tudo isso. Mas é bem mais raro encontrar
empresas que estavam indo bem antes da crise e continuam apresentando
bons resultados sem mudar praticamente nada — especialmente no combalido
setor varejista.
É por isso que uma rede mineira de supermercados, o BH, vem chamando
tanta atenção de concorrentes e investidores. Fundado em 1996 por Pedro
Oliveira, um ex-carregador de caixas em supermercados de Belo Horizonte,
o BH fatura 5 bilhões de reais, tem 16 000 funcionários e 172 lojas. O
plano, agora, é comprar o principal competidor no estado, a rede DMA, e
tornar-se a quinta maior rede nacional, logo depois dos chilenos do
Cencosud (hoje, o BH ocupa a sétima posição). “Se vem alguém falar de
crise, eu peço para sair da sala”, diz seu Pedro, como é chamado pelos
funcionários.
Dezenas de redes regionais de supermercados surgidas nas últimas décadas no Brasil se tornaram empresas relevantes do varejo
brasileiro. É o caso do Zaffari, quinta maior rede nacional, e do grupo
Irmãos Muffato, do Paraná, que é a sexta. Muitas acabaram sendo
compradas — caso do Bompreço, no Nordeste, que foi adquirido pelo
americano Walmart em 2010, e do Sendas, no Rio de Janeiro, comprado pelo
Pão de Açúcar em 2011. O modelo de negócios do BH, porém, é diferente
dos demais.
Como surgiu bem depois dos concorrentes — grande parte dos varejistas
nacionais tem mais de 40 anos — e após a chegada ao país da maioria dos
grupos estrangeiros, o BH decidiu crescer pelas beiradas, abrindo lojas
onde havia poucos competidores. Escolheu como alvo a periferia de Belo
Horizonte e, em seguida, pequenas cidades no interior de Minas Gerais —
sempre vendendo produtos de marcas mais baratas.
Assim, foi beneficiado
pelo aumento do poder aquisitivo das classes C e D de 1996 para cá.
Nesses locais, a competição é com pequenos mercadinhos, e a vantagem
do BH é ter escala para negociar melhor com os fornecedores. Além disso,
as lojas são espaçosas e iluminadas, ao contrário do que acontece na
maioria dos mercadinhos. “A presença em locais com poucos concorrentes
permitiu criar um vínculo com o público. O BH faz mudanças em suas lojas
para se adequar melhor ao perfil de cada região”, afirma Claudio
Felisoni, diretor do Ibevar, instituto especializado em varejo.
Mais recentemente, a crise acabou dando uma ajudinha. Consumidores
espremidos pelo aumento da inflação e do desemprego passaram a comprar
nos atacarejos, como são chamadas as lojas que vendem produtos em
grandes quantidades por preços baixos no varejo. Por ser uma rede
popular, o BH compete com os atacarejos. “Alguns produtos podem ser mais
caros no BH em comparação com as grandes redes, mas ele atrai os
consumidores pela comodidade, já que há mais lojas nos bairros menos
atendidos”, diz Flávio Boan, sócio da consultoria Falconi. Além disso,
não é preciso comprar 10 quilos de açúcar ou 50 rolos de papel higiênico
para conseguir preços melhores do que nos supermercados (como acontece
nos atacarejos).
Ao detectar que mesmo consumidores de alta renda estavam comprando
marcas mais baratas, a empresa vai abrir neste ano sua primeira loja num
bairro nobre de Belo Horizonte. Além disso, comprou a rede Atacarejo
(antiga ViaBrasil) por 78 milhões de reais e transformou suas lojas em
filiais de varejo tradicional.
O faturamento do BH aumentou, em média,
22% ao ano de 2011 a 2015 (último dado disponível), enquanto o setor
cresceu 10%. Além disso, de acordo com o fundador, a empresa não tem
dívidas e mantém cerca de 200 milhões de reais em caixa.
Filho de lavradores que moravam em Paineiras, a 250 quilômetros de
Belo Horizonte, Oliveira decidiu sair de casa aos 18 anos para trabalhar
em Belo Horizonte. Havia estudado até o 8o ano do ensino fundamental e,
de cara, foi trabalhar em supermercados — primeiro como encarregado do
depósito, depois como carregador, repositor e vendedor. Em alguns anos,
virou gerente e, em seguida, supervisor de vendas do atacadista
Ferreirão. Em 1996, quando tinha 40 anos e algum dinheiro guardado, ele
decidiu usar as economias para abrir uma mercearia em um bairro da
periferia de Santa Luzia, cidade próxima a Belo Horizonte.
Usou o lucro para ampliar a loja e, em seguida, para abrir filiais em
bairros e cidades vizinhas. Em 2004, vendeu cerca de 40% da empresa
para dois sócios e, com os recursos, inaugurou mais lojas e comprou
mercadinhos que iam mal. “Meus amigos diziam que não ia dar certo vender
na periferia e minha mulher queria que eu desistisse. Mas eu não levo
em consideração o que os outros pensam”, diz Oliveira. Seus dois filhos
trabalham na companhia — um como diretor comercial e outro como diretor
de operações. Os gerentes são todos amigos de Oliveira e estão no BH há
mais de dez anos. Todos os dias depois do almoço os amigos passam cerca
de 1 hora jogando baralho em uma sala no 1o andar da sede da empresa, em
Contagem.
A aposta é de 300 reais por pessoa. Aos poucos, Oliveira foi se
tornando uma espécie de celebridade em Minas Gerais. Volta e meia, pega
seu jatinho para comer galinha caipira na fazenda do cantor sertanejo
Gustavo Lima, em João Pinheiro, a 340 quilômetros de Belo Horizonte.
Torcedor fanático do Cruzeiro, já chegou até a pagar os salários
atrasados dos jogadores. Mas, além do Cruzeiro, o BH patrocina o rival
Atlético Mineiro e também o time de futebol de Montes Claros. “Não posso
desagradar aos clientes”, diz.
O problema do BH é a baixa margem de rentabilidade. Para conseguir
crescer e manter os preços baixos, a empresa lucra menos do que a
maioria das grandes redes de supermercados. O indicador que mede o faturamento
por metro quadrado de loja, um dos mais monitorados pelos varejistas,
foi de 2% em 2015, um dos piores do setor — o índice do Zaffari, por
exemplo, é de 5,7%; e o do Pão de Açúcar, 4,9% (o Walmart está pior,
com 1,3%). Escala pode ajudar a resolver o problema, já que aumenta o
poder de negociação com os fornecedores e ajuda a diluir os custos
fixos.
Por dentro do assunto:
Walmart tenta rever tropeços no Brasil
Por isso, entre os planos de Oliveira está o de juntar-se a seu
principal concorrente no estado, o grupo DMA, dono da marca EPA, que
fatura 2,6 bilhões de reais e tem pouco mais de 100 lojas em Minas
Gerais e no Espírito Santo. Ele negocia há anos com Walter Santana, que
já é dono de 40% do BH e, além disso, é um dos maiores acionistas do
grupo DMA. “Uma hora esse negócio sai”, diz Oliveira. Segundo o
empresário, Carrefour, Walmart e fundos de private equity já tentaram
comprar o BH, mas ele não quer vender (procurados, Carrefour e Walmart
não deram entrevista). Também não quer sair de seu estado de origem,
pelo menos por enquanto. Para o rei da periferia, Minas já é o bastante.
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