Rechaçada por manifestantes, lista fechada pode ser apresentada para a Comissão de Reforma Política na próxima semana - será que a proposta é mesmo ruim?
São Paulo – Pela enésima vez (ok, estamos sendo
hiperbólicos), volta à pauta do Congresso uma lista de propostas de
mudanças na maneira como os políticos são eleitos.
A expectativa é que o deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da comissão especial da reforma política na Câmara, apresente seu parecer sobre o assunto na próxima semana.
Entre as mudanças que serão recomendadas por Cândido está a proposta de adoção do voto em lista fechada já nas próximas eleições – ideia reprovada por manifestantes que foram às ruas neste domingo (26), em atos organizados por grupos como Vem pra Rua e MBL.
Por esse sistema, o eleitor não vota diretamente no candidato mas sim em uma lista ordenada previamente por cada partido.
Ganham mais cadeiras na Câmara e no Senado aquelas siglas que obtiverem
mais votos e que deverão preencher as vagas com os primeiros da lista.
Esse é o modelo adotado em países como Itália, Portugal, Espanha,
Argentina e África do Sul, segundo estudo do professor Jairo Nicolau, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresentado este mês na Câmara
dos Deputados.
Para alguns, a proposta é mais uma manobra dos políticos envolvidos na Operação Lava Jato para se manter no poder. Para outros, como o ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), uma alternativa mais democrática para o atual sistema.
O QUE TEMOS HOJE
No Brasil, por ora, deputados, senadores e vereadores são eleitos por
meio do sistema proporcional com lista aberta. De acordo com esse
modelo, os eleitores votam diretamente em cada candidato. No entanto, os
mais votados nem sempre serão eleitos – e essa é a principal crítica do
ministro Barroso.
Isso porque o que importa nesse sistema é o número de votos que cada
partido recebeu. Uma legenda só elege um candidato ao atingir o chamado
quociente eleitoral (que é o total de votos válidos em cada
circunscrição pelo número de eleitores).
Quanto mais votos o partido ou a coligação receber, mais cadeiras
terá direito. Só então essas vagas serão preenchidas pelos candidatos
mais votados daquele grupo.
POR QUE PODE SER BOM
Transparência: Um dos pontos positivos da lista
fechada é que essa relação entre voto e quem é eleito ficaria mais
transparente. Ao votar naquela ordenação de políticos, o eleitor teria
consciência exata de quem poderia ganhar o pleito – o que, no fim das
contas, não acontece agora.
Além disso, segundo os defensores da medida,
de certa forma, os partidos já têm uma espécie de “lista fechada
velada” quando decidem distribuir recursos da legenda para um grupo
de candidatos em detrimento de outros.
Saiba mais:
PSDB irá apresentar proposta com lista fechada em 2018
Equilíbrio: Segundo especialistas, se bem regulada, a
lista fechada poderia também tornar mais equilibrada a representação de
gêneros e minorias no Congresso.
Pela lei, cada partido ou coligação devem ter a cota mínima de 30% de
mulheres entre seus candidatos. Mas entrar para uma corrida eleitoral é
bem diferente de ganhá-la – principalmente, quando os recursos são
distribuídos de maneira desigual. No fim, as mulheres representam apenas
10,8% do total de membros do Congresso.
Para minimizar esse problema, o modelo que será proposto pelo relator da comissão especial da reforma política prevê que a cada três candidatos ordenados na lista fechada, um seja mulher.
Custo: Para os especialistas consultados por
EXAME.com, o voto em lista pode reduzir drasticamente os custos de
campanha já que o embate seria entre as siglas e não mais entre
candidatos.
“Hoje, o candidato a vereador e deputado têm que competir pelos votos
com outros candidatos mais parecidos com ele. Por isso, a questão do
dinheiro é fundamental”, afirma Wagner Romão, professor de ciências
políticas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a EXAME.com.
POR QUE PODE SER RUIM
Uma das principais consequências da lista fechada é o (maior)
fortalecimento de partidos. O porém: isso poderia acentuar alguns dos
principais problemas do sistema partidário brasileiro.
Afastar (ainda mais) eleitores da política: Em entrevista ao jornal o Estado de S. Paulo, o ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto afirmou que a lista fechada poderia instalar uma “partidocracia” – um sistema de governo que transfere o poder dos eleitores para as legendas.
Esse é um problemão em um contexto de descompasso entre partidos e
cidadãos. O efeito poderia ser perverso: sem identificação com quem está
no poder, os eleitores poderiam se afastar ainda mais da política.
Mais força para os caciques: Sem ferramentas
democráticas para compor as listas e com eleitores mais distantes da
política, o resultado é um só: sobra espaço e poder para os líderes
partidários – que já não são fracos hoje. Eles é que teriam liberdade
para ordenar, sozinhos, cada lista. E o que era para ser um governo de
muitos, na teoria, viraria um governo de poucos.
Manutenção do status quo: Nessa toada, chegamos ao
risco Lava Jato. Um dos principais argumentos propagados contra a lista
fechada é de que ela permitiria que políticos suspeitos de corrupção e,
portanto, desacreditados da opinião pública, tivessem condições para se
manter no poder.
Um levantamento do Broadcast Político, do Grupo Estado,
revela que políticos na mira da Lava Jato ocupam cargos de comando em
nove dos 10 partidos com as maiores bancadas na Câmara dos Deputados.
Como já vimos, num cenário mais realista, são essas pessoas que
influenciariam a escolha dos candidatos – e salvar a própria pele das
investigações, de fato, seria uma das prioridades.
Mais do que isso: em um contexto de fortalecimento dos atores da
velha política, não haveria espaço para o novo – uma das principais
demandas dos eleitores nos últimos anos. E aí voltamos ao primeiro
problema dessa série.
REFORMA DA REFORMA
O professor Wagner Romão, da Unicamp, contesta esses argumentos com
uma ideia simples: “Vai ganhar quem tiver a lista mais coerente”. Ponto.
Ou seja: caberia exclusivamente ao eleitor rechaçar e punir qualquer
time de candidatos com problemas – mesmo que pontuais – de ordem ética
(ou outras questões). Com isso, na visão do professor, os partidos se
veriam forçados a pender para a coerência ideológica e a selecionar
candidatos cada vez mais qualificados (mesmo).
De qualquer forma, é unânime entre analistas políticos a ideia de que
mudanças isoladas no sistema não são suficientes para revolucionar, de
fato, a maneira como se faz política no Brasil. Se o voto em lista for
realmente aprovado, ele deveria vir acompanhado de outras reformas – a
começar pela estrutura interna dos partidos.
“Nós devemos parar de pensar pontualmente. Se for fazer reforma
política tem que ser pensada em algumas frentes. Lista fechada? Desde
que a gente mexa nos partidos. Não dá para entregar um cheque em branco
para os partidos. O cidadão tem que fazer parte de direito e de fato”,
diz Diogo Rais, professor de Direito Eleitoral da FGV-Direito SP.
Estudos (como um de 2013 do professor Jairo Nicolau, da UFRJ)
mostram que crises políticas – como a do mensalão, em 2005, e a onda de
protestos de 2013 – são contemporâneas de períodos em que propostas
para reformar a política dominaram a pauta do Congresso (e dos veículos
de imprensa).
As mudanças que serão apresentadas na próxima semana também não podem
ser vistas como fenômenos isolados da atual crise política – que tem a
Lava Jato como sua principal protagonista. E isso deve, sim, ser levado
em conta durante o debate – inclusive para se pensar em propostas para
mitigar os fatores que propiciaram um dos maiores escândalos de
corrupção do país.
As campanhas altamente custosas e a doação eleitoral como método para
maquiar propina estão no cerne desse problema. Logo, medidas que
reduzam os custos da corrida eleitoral e reformulem a relação já
contaminada entre empresas e políticos são bem-vindas.
A lista fechada seria uma das alternativas para resolver o primeiro
problema. Mas, se aprovada, não pode vir sozinha sob a pena de endossar
os vícios da velha política.
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