quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A toga e o chão de fábrica



O modo atual de operar da Justiça do Trabalho tornou-se, ao lado da elevada carga tributária, da burocracia excessiva e das deficiências de infraestrutura, um dos grandes obstáculos para que o Brasil possa voltar a crescer. 
 
Ela espalha insegurança jurídica nos meios empresariais, o que contribui para brecar investimentos e dificultar a criação de empregos. 
 
Não é exagero dizer que a maior barreira para a modernização das relações laborais hoje no Brasil situa-se na própria Justiça do Trabalho, em especial quando ela insiste em rever ou anular cláusulas livremente acordadas nas negociações coletivas entre patrões e empregados. 
 
E o problema não está só no âmbito interno dos tribunais, mas também fora deles: qual é a razão de uma entidade de juízes trabalhistas fazer lobby no Congresso contra o projeto de lei que busca regulamentar o trabalho terceirizado? 
 
Diante desse quadro, as entidades empresariais não podem se omitir. Sem ferir nenhum direito dos trabalhadores, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) apresentou um conjunto de 101 Propostas para a Modernização Trabalhista. 
 
Apoiando a iniciativa, a Fecomercio SP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) pretende abrir o debate em outra frente: já que a Justiça do Trabalho ignora muitas vezes o que decidem patrões e empregados, tanto individual como coletivamente, por que estes não podem voltar a participar por meio de juízes classistas indicados pelas entidades sindicais patronais e de trabalhadores? 
 
A extinção dos classistas --que existiam desde a criação da Justiça do Trabalho e atuavam de forma semelhante aos peritos como auxiliares dos juízes de carreira-- deixou uma lacuna não preenchida pelas comissões de conciliação prévia. 
 
Diferentemente da conciliação intermediada pelos classistas e homologada pelos tribunais como coisa julgada, aquilo que se acorda nessas comissões com frequência volta a ser discutido por meio de ações trabalhistas, com mais perda de tempo e dinheiro para as partes. 
 
A Justiça do Trabalho surgiu paritária para incorporar na interpretação das leis os princípios da realidade. A participação das representações de trabalhadores e empresários era o argumento que justificava a sua criação, atribuindo-lhe a capacidade de julgar observando as particularidades de cada tipo de referência trabalhista. Sem ela, está desautorizado o seu poder normativo e não se justifica a sua existência. 

Cesar Habert Paciornik
 
 
A questão pode ser colocada da seguinte maneira: juízes togados conhecem a lei e os ritos do processo, mas ignoram a realidade do chão das fábricas, das lojas e escritórios. Por essa razão, países como Alemanha, França, Suíça e Portugal recrutam entre as entidades de classe pessoas que vão atuar como auxiliares da Justiça. É disso que precisamos. 
 
 
Não se está propondo, evidentemente, a ressurreição pura e simples do modelo anterior. A sociedade deve decidir em que moldes seriam reintroduzidos os juízes classistas, quanto seus serviços custariam e quem deve pagar por eles. 
 
 
A figura do classista --existente desde a Constituição de 1946 e abrigada pela Carta de 1988-- foi extinta por conta da oposição de juízes togados, por meio de uma emenda constitucional, em 1999. Agora, o mesmo instrumento deve ser usado para reintroduzi-la, exigindo o quórum qualificado (três quintos do plenário) e duas passagens pelas Casas Legislativas, o que, juntamente com as audiências e consultas públicas, é garantia de ampla discussão. 
 
 
Se a ideia despertar polêmica, como no passado, tanto melhor, desde que preconceitos não interditem o debate. Será mais uma forma de direcionar os holofotes para o ponto central. Restaurado seu caráter paritário, a Justiça do Trabalho será arejada por ventos soprados desde as categorias econômicas e profissionais que são, em última análise, sua razão de existir. 
 
 
ABRAM SZAJMAN, 74, é presidente da Fecomercio SP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo)
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