sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O céu não é o limite para a Lenovo


A conquista da liderança do mercado brasileiro de PCs é o primeiro passo de uma estratégia ousada da fabricante chinesa. Ela agora anuncia investimentos de US$ 100 milhões em seu primeiro centro de pesquisa mundial no Brasil

Por João VARELLA
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Confira os bastidores da reportagem

O CEO mundial da fabricante chinesa de computadores Lenovo, Yang Yuanqing, suou para adquirir uma grande empresa de computadores no Brasil. Em 2008, ele fez uma oferta para assumir o controle da paranaense Positivo Informática, a líder do mercado brasileiro de computadores, mas não levou. Só em setembro do ano passado, conseguiu fisgar um peixe grande. Na ocasião, Yuanqing veio ao País para anunciar a compra da CCE, por R$ 300 milhões. O tempo estava seco em São Paulo e a temperatura marcava 30 graus centígrados, o que fez o executivo sacar diversas vezes um lenço para enxugar o suor de seu rosto. 
 
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Dan Stone, presidente da Lenovo: "Não importa o tamanho da tela, queremos
dar as melhores soluções para os nossos consumidores no Brasil"
 
Com a CCE, a Lenovo anunciou ter como meta atingir a liderança do mercado brasileiro de computadores em 2015. A empresa queria replicar no Brasil a mesma posição que ocupa no mercado global desde o ano passado, quando ultrapassou a americana HP. Ao contrário do chefão, o responsável por tornar realidade essa tarefa aparentava despreocupação durante o evento. O israelense Dan Stone, presidente da Lenovo no Brasil, brincava com um ultrabook híbrido Yoga, que dobra completamente a tela e se transforma em tablet, durante uma conversa com a imprensa. “Olhe o que ele faz”, dizia Stone, enquanto girava para um lado e para o outro o aparelho, feito uma criança com brinquedo novo. 
 
Podia não aparentar, mas o extrovertido Stone estava mais do que comprometido em suar a camisa pela empresa. Tanto que, dois anos antes da meta prevista por seu chefe, a Lenovo conseguiu chegar lá. Na semana passada, a companhia informou que assumiu a liderança do mercado brasileiro de computadores pessoais. Sua fatia foi de 18,3% no terceiro trimestre de 2013, de acordo com dados da consultoria americana IDC. A Positivo Informática, que ficou no primeiro lugar do pódio durante oito anos consecutivos, está 4,4 pontos percentuais atrás – há um ano, os chineses detinham 7% e os brasileiros, 13%. 
 
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Foco na estratégia: Os diretores Duarte (à esq.) e De Biase confirmam
que a marca CCE será mantida no mercado
 
É um resultado que precisa ainda ser consolidado nos próximos trimestres. Basta lembrar que a própria HP roubou também a liderança da Positivo por um breve período em 2011, mas não conseguiu manter a dianteira. No entanto, a julgar pelo apetite dos chineses, a Lenovo, que deixou de ser uma desconhecida no mercado global quando comprou a divisão de PCs da IBM por US$ 1,7 bilhão em 2004, quer mais, muito mais. A companhia anuncia nos próximos dias um investimento de US$ 100 milhões na criação de seu quinto centro mundial de pesquisas, o primeiro a ser construído no Brasil. Não bastasse isso, a fabricante asiática vai trazer sua linha completa de produtos ao País. 
 
Batizada de PC Plus, a linha conta com computadores, smartphones, tablets e smartTVs. Com isso, a Lenovo reforça sua atuação no multibilionário mercado de celulares inteligentes e de tablets. “Não importa o tamanho da tela, queremos dar as melhores soluções para nossos consumidores aqui no Brasil”, disse Stone, em entrevista exclusiva à DINHEIRO. Para o mercado, trata-se de um sinal claro de que a empresa, que faturou US$ 34 bilhões globalmente, no ano passado, quer ir além dos computadores tradicionais, cuja demanda sofre forte retração em todo o mundo. Em 2013, de acordo com previsões da consultoria americana Gartner, a venda de desktops e notebooks deve cair 11%. 
 
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No próximo ano, o cenário não será diferente, com uma queda de aproximadamente 7%. Em contraposição, tablets e celulares continuarão apresentando altas taxas de crescimento. O número de tablets vendidos, por exemplo, saltará de 120 milhões de unidades, em 2012, para 263 milhões em 2014, segundo estimativas da Gartner. Por isso mesmo, estar posicionada num cenário pós-PC, como costumam chamar os analistas, é essencial para o futuro da fabricante chinesa. “Erra quem acha que o alvo da Lenovo é a Positivo”, diz Ivair Rodrigues, diretor de pesquisas da consultoria brasileira IT Data. “Ela quer bater de frente com as coreanas (LG e Samsung) e o mercado brasileiro é parte dessa estratégia mundial.”
 
Faz sentido. Mas, ao contrário de exibir a tradicional paciência oriental, a Lenovo tem pressa. Seus próximos passos no mercado brasileiro mostram que quer ir muito além do mercado de PCs. A companhia confirma que escolheu Campinas, a 100 quilômetros de São Paulo, para construir um centro de desenvolvimento de soluções de software no Brasil. O País é o quarto a receber um centro de pesquisas – os outros três são Japão, EUA e, é claro, China. O brasileiro será o primeiro da Lenovo dedicado à unidade de negócios Enterprise, criada em 2012 e focada em servidores e rede. 
 
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Sangue, suor e liderança: o CEO global Yuanqing, em setembro
do ano passado, quando a Lenovo comprou a CCE
 
“Vamos aproveitar a fantástica mão de obra brasileira para exportar tecnologias para todo o mundo”, afirma Stone, na empresa há mais de cinco anos e à frente da subsidiária brasileira desde junho de 2012 – apesar de estar quase um ano e meio no Brasil, o executivo ainda tem dificuldade para falar português e prefere o inglês em suas entrevistas. Antes da Lenovo, Stone, 37 anos, atuou na consultoria americana McKinsey e teve uma rápida passagem pelo site de leilões eBay. O centro de pesquisas da Lenovo vai ser instalado no Parque Científico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 
 
Criado em 2011, a Lenovo contou com o apoio da Investe SP, órgão do governo do Estado que auxilia empresas interessadas em se instalar na região. “Fizemos a busca por um local adequado para a Lenovo, colocamos a empresa em contato com universidades, agências de fomento, parques tecnológicos, prefeituras e órgãos públicos e privados”, afirma Luciano Almeida, presidente da Investe SP. As operações do centro de desenvolvimento devem começar em janeiro de 2014. A Lenovo vai oferecer bolsas de estudo aos estudantes da universidade. “A parceria com a Lenovo dará à Unicamp a oportunidade de incrementar a formação de talentos”, afirma o professor José Tadeu Jorge, reitor da Unicamp. 
 
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A companhia estima criar 220 empregos quando o laboratório estiver totalmente implementado – não há um prazo definido para isso. Com esse investimento, a Lenovo demonstra querer acelerar o ritmo de crescimento no Brasil, que foi alavancado com a compra da CCE, da família do empresário Roberto Sverner, no ano passado. A aquisição da companhia brasileira passou a ser peça-chave na estratégia da empresa. “A CCE nos deu escala, capilaridade e manufatura local”, afirma Felipe Duarte, diretor de varejo da Lenovo, que exerceu anteriormente a mesma função nas concorrentes americanas HP e Dell. 
 
Com a marca brasileira, a Lenovo ganhou uma conexão direta com os consumidores da classe média emergente. E, ao contrário do que foi imaginado, os planos não são os de acabar com a marca. Ela se mantém separada e atua de forma independente. “Queremos reforçar o apelo da CCE com novo desenho do logo e outras estratégias”, afirma o diretor de operações, Richard Gurney. Ex-Avon, Gurney se acostumou a fazer mudanças bruscas de posicionamento de produtos a cada 15 dias na empresa de cosméticos americana. “Era uma operação de guerra renovar as campanhas nesse ritmo, um aprendizado enorme.” 
 
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Estrela global: o ator americano Ashton Kutcher promove o novo tablet
da Lenovo, que chega ao Brasil em fevereiro
 
Na Lenovo, ele promete agir com um ritmo mais moderado – afinal, tablet não é batom nem celular é desodorante. Em junho deste ano, saíram os primeiros smartphones e tablets da marca CCE. “A linha de tablets hoje nos dá 19% de participação de mercado”, diz o diretor de marketing da companhia, Humberto De Biase, que era executivo da LG. “Segundo a IDC, estamos tecnicamente empatados com a Samsung, algumas poucas unidades abaixo.” A IDC não confirmou nem negou a informação. A empresa de Stone também investiu US$ 30 milhões na criação de uma fábrica e de um centro de distribuição em Itu, no interior de São Paulo, inaugurados em janeiro deste ano. 
 
Em agosto, um centro de reparos e atendimento pós-venda de quatro mil metros quadrados começou a operar. Não à toa, a empresa estreou uma nova campanha publicitária na tevê aberta enfatizando a visita de seus técnicos a uma residência – no filme, a dona de casa diz não ter problemas com o computador da marca e sugere ao funcionário dar uma olhada na máquina de lavar. Para completar, a empresa injetou US$ 6 milhões nas sete fábricas do polo industrial de Manaus, herdadas da CCE. Desse investimento, surgiu o projeto de produção de lâmpadas LED. “Esse item é feito de pura eletrônica, saímos do modelo tradicional de iluminação”, diz Vanderlei Ferreira, gerente-geral de lâmpadas LED da Lenovo, recrutado na rival Motorola.
 
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Mão na massa: funcionária na nova fábrica de Itu (SP), inaugurada em janeiro deste ano
 
Para o ano que vem, Stone promete pisar ainda mais o pé no acelerador. A companhia vai passar a fabricar no Brasil os tablets de ponta da marca Lenovo. Os produtos, que devem se beneficiar das isenções fiscais da chamada MP do Bem, devem chegar às prateleiras a partir de fevereiro. Entre eles, estará o recém-lançado Yoga. A apresentação mundial do produto foi feita há algumas semanas pelo ator americano Ashton Kutcher, que recentemente interpretou o fundador da Apple, Steve Jobs, no filme Jobs. “Gosto de competir e de tomar riscos”, disse Kutcher, enquanto justificava seu envolvimento com a empresa chinesa. 
 
O ator, conhecido investidor em companhias da área digital, ainda enfatizou o design diferente do aparelho em relação à maioria dos tablets. Assim como alguns equipamentos da japonesa Sony, o Yoga tem um lado mais espesso em relação ao outro, para fazer com que o aparelho não fique completamente deitado e seja mais ergonômico. Outra vantagem que a Lenovo destaca é a duração da bateria, de 18 horas – a bateria do iPad, da Apple, tem durabilidade de 10 horas. Serão lançadas versões Android e Windows do aparelho. Smartphones da marca com o sistema Android, do Google, devem vir alguns meses depois. 
 
A empresa oferece na China quatro linhas de celulares inteligentes com telas que vão de 4 a 5,5 polegadas. Para ganhar força nesse mercado, a Lenovo terá de sentar à mesa com as operadoras de telefonia. “Praticamente metade das vendas de smartphones é feita pelas empresas de telecomunicações no País”, afirma Bruno Freitas, supervisor de pesquisas da consultoria IDC. Acha muito? Nada disso. “Temos ótimas soluções de smartTVs”, afirma Stone. O plano é operar nesse segmento em 2015, mas não será surpresa se Stone, como já fez ao conquistar a liderança do mercado de computadores pessoais, conseguir antecipar essa meta.
 
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E agora, Positivo?
 
A paranaense Positivo Informática credenciou-se nos últimos tempos como a mais difícil barreira aos planos de qualquer empresa que tente conquistar uma fatia relevante do setor de tecnologia no Brasil. Afinal, a companhia de Curitiba manteve-se por oito anos consecutivos na liderança do mercado brasileiro de computadores. Apenas por um único trimestre em 2011, perdeu a liderança para a HP. Fato que volta a ocorrer agora. Desta vez, para a chinesa Lenovo. “Temos um concorrente multinacional querendo ganhar participação de mercado a qualquer preço”, disse Hélio Rotenberg, presidente da companhia, em teleconferência com os analistas do mercado financeiro, na terça-feira 12, após o anúncio dos resultados trimestrais. 
 
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Para ele, a posição da concorrente, que não cita nominalmente, pode ser “temporária”. Apesar do discurso, a Positivo não vive os seus melhores dias. No terceiro trimestre, registrou um prejuízo de R$ 18,9 milhões. No mesmo período do ano passado, havia obtido um lucro de R$ 7,5 milhões. Nos nove primeiros meses deste ano, as perdas somaram R$ 15,4 milhões, ante um ganho de R$ 20,8 milhões de janeiro a setembro de 2012. O mau desempenho foi atribuído por Rotenberg à valorização do dólar, o que fez com que a companhia repassasse o aumento de custos aos consumidores. 
 
“Teríamos um excelente trimestre se não fosse pelo câmbio”, afirmou o executivo. “Sempre protegemos a saúde financeira da companhia e não poderíamos acompanhar o concorrente sem aumentar os preços.” Para o quarto trimestre deste ano, Rotenberg prevê uma melhora, inclusive no recém-estreado segmento de smartphones. “Estamos adquirindo volume e uma grande aceitação”, diz Rotenberg. Ele também aposta em um aumento na participação no segmento de computadores. Apesar do otimismo, o mercado reagiu mal às notícias. As ações da Positivo caíram mais de 6% na terça-feira 12.
 

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