A conquista da liderança do mercado brasileiro de PCs é o primeiro passo de uma estratégia ousada da fabricante chinesa. Ela agora anuncia investimentos de US$ 100 milhões em seu primeiro centro de pesquisa mundial no Brasil
Por João VARELLA
Confira os bastidores da reportagem
O CEO mundial da fabricante chinesa de computadores Lenovo, Yang
Yuanqing, suou para adquirir uma grande empresa de computadores no
Brasil. Em 2008, ele fez uma oferta para assumir o controle da
paranaense Positivo Informática, a líder do mercado brasileiro de
computadores, mas não levou. Só em setembro do ano passado, conseguiu
fisgar um peixe grande. Na ocasião, Yuanqing veio ao País para anunciar a
compra da CCE, por R$ 300 milhões. O tempo estava seco em São Paulo e a
temperatura marcava 30 graus centígrados, o que fez o executivo sacar
diversas vezes um lenço para enxugar o suor de seu rosto.
Dan Stone, presidente da Lenovo: "Não importa o tamanho da tela, queremos
dar as melhores soluções para os nossos consumidores no Brasil"
Com a CCE, a Lenovo anunciou ter como meta atingir a liderança do
mercado brasileiro de computadores em 2015. A empresa queria replicar no
Brasil a mesma posição que ocupa no mercado global desde o ano passado,
quando ultrapassou a americana HP. Ao contrário do chefão, o
responsável por tornar realidade essa tarefa aparentava despreocupação
durante o evento. O israelense Dan Stone, presidente da Lenovo no
Brasil, brincava com um ultrabook híbrido Yoga, que dobra completamente a
tela e se transforma em tablet, durante uma conversa com a imprensa.
“Olhe o que ele faz”, dizia Stone, enquanto girava para um lado e para o
outro o aparelho, feito uma criança com brinquedo novo.
Podia não aparentar, mas o extrovertido Stone estava mais do que
comprometido em suar a camisa pela empresa. Tanto que, dois anos antes
da meta prevista por seu chefe, a Lenovo conseguiu chegar lá. Na
semana passada, a companhia informou que assumiu a liderança do mercado
brasileiro de computadores pessoais. Sua fatia foi de 18,3% no terceiro
trimestre de 2013, de acordo com dados da consultoria americana IDC. A
Positivo Informática, que ficou no primeiro lugar do pódio durante oito
anos consecutivos, está 4,4 pontos percentuais atrás – há um ano, os
chineses detinham 7% e os brasileiros, 13%.
Foco na estratégia: Os diretores Duarte (à esq.) e De Biase confirmam
que a marca CCE será mantida no mercado
É um resultado que precisa ainda ser consolidado nos próximos
trimestres. Basta lembrar que a própria HP roubou também a liderança da
Positivo por um breve período em 2011, mas não conseguiu manter a
dianteira. No entanto, a julgar pelo apetite dos chineses, a Lenovo, que
deixou de ser uma desconhecida no mercado global quando comprou a
divisão de PCs da IBM por US$ 1,7 bilhão em 2004, quer mais, muito mais.
A companhia anuncia nos próximos dias um investimento de US$ 100
milhões na criação de seu quinto centro mundial de pesquisas, o primeiro
a ser construído no Brasil. Não bastasse isso, a fabricante asiática
vai trazer sua linha completa de produtos ao País.
Batizada de PC Plus, a linha conta com computadores, smartphones,
tablets e smartTVs. Com isso, a Lenovo reforça sua atuação no
multibilionário mercado de celulares inteligentes e de tablets. “Não
importa o tamanho da tela, queremos dar as melhores soluções para nossos
consumidores aqui no Brasil”, disse Stone, em entrevista exclusiva à
DINHEIRO. Para o mercado, trata-se de um sinal claro de que a empresa,
que faturou US$ 34 bilhões globalmente, no ano passado, quer ir além dos
computadores tradicionais, cuja demanda sofre forte retração em todo o
mundo. Em 2013, de acordo com previsões da consultoria americana
Gartner, a venda de desktops e notebooks deve cair 11%.
No próximo ano, o cenário não será diferente, com uma queda de
aproximadamente 7%. Em contraposição, tablets e celulares continuarão
apresentando altas taxas de crescimento. O número de tablets vendidos,
por exemplo, saltará de 120 milhões de unidades, em 2012, para 263
milhões em 2014, segundo estimativas da Gartner. Por isso mesmo, estar
posicionada num cenário pós-PC, como costumam chamar os analistas, é
essencial para o futuro da fabricante chinesa. “Erra quem acha que o
alvo da Lenovo é a Positivo”, diz Ivair Rodrigues, diretor de pesquisas
da consultoria brasileira IT Data. “Ela quer bater de frente com as
coreanas (LG e Samsung) e o mercado brasileiro é parte dessa estratégia
mundial.”
Faz sentido. Mas, ao contrário de exibir a tradicional paciência
oriental, a Lenovo tem pressa. Seus próximos passos no mercado
brasileiro mostram que quer ir muito além do mercado de PCs. A companhia
confirma que escolheu Campinas, a 100 quilômetros de São Paulo, para
construir um centro de desenvolvimento de soluções de software no
Brasil. O País é o quarto a receber um centro de pesquisas – os outros
três são Japão, EUA e, é claro, China. O brasileiro será o primeiro da
Lenovo dedicado à unidade de negócios Enterprise, criada em 2012 e
focada em servidores e rede.
Sangue, suor e liderança: o CEO global Yuanqing, em setembro
do ano passado, quando a Lenovo comprou a CCE
“Vamos aproveitar a fantástica mão de obra brasileira para exportar
tecnologias para todo o mundo”, afirma Stone, na empresa há mais de
cinco anos e à frente da subsidiária brasileira desde junho de 2012 –
apesar de estar quase um ano e meio no Brasil, o executivo ainda tem
dificuldade para falar português e prefere o inglês em suas entrevistas.
Antes da Lenovo, Stone, 37 anos, atuou na consultoria americana
McKinsey e teve uma rápida passagem pelo site de leilões eBay. O centro
de pesquisas da Lenovo vai ser instalado no Parque Científico da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Criado em 2011, a Lenovo contou com o apoio da Investe SP, órgão do
governo do Estado que auxilia empresas interessadas em se instalar na
região. “Fizemos a busca por um local adequado para a Lenovo, colocamos a
empresa em contato com universidades, agências de fomento, parques
tecnológicos, prefeituras e órgãos públicos e privados”, afirma Luciano
Almeida, presidente da Investe SP. As operações do centro de
desenvolvimento devem começar em janeiro de 2014. A Lenovo vai oferecer
bolsas de estudo aos estudantes da universidade. “A parceria com a
Lenovo dará à Unicamp a oportunidade de incrementar a formação de
talentos”, afirma o professor José Tadeu Jorge, reitor da Unicamp.
A companhia estima criar 220 empregos quando o laboratório estiver
totalmente implementado – não há um prazo definido para isso. Com esse
investimento, a Lenovo demonstra querer acelerar o ritmo de crescimento
no Brasil, que foi alavancado com a compra da CCE, da família do
empresário Roberto Sverner, no ano passado. A aquisição da companhia
brasileira passou a ser peça-chave na estratégia da empresa. “A CCE nos
deu escala, capilaridade e manufatura local”, afirma Felipe Duarte,
diretor de varejo da Lenovo, que exerceu anteriormente a mesma função
nas concorrentes americanas HP e Dell.
Com a marca brasileira, a Lenovo ganhou uma conexão direta com os
consumidores da classe média emergente. E, ao contrário do que foi
imaginado, os planos não são os de acabar com a marca. Ela se mantém
separada e atua de forma independente. “Queremos reforçar o apelo da CCE
com novo desenho do logo e outras estratégias”, afirma o diretor de
operações, Richard Gurney. Ex-Avon, Gurney se acostumou a fazer mudanças
bruscas de posicionamento de produtos a cada 15 dias na empresa de
cosméticos americana. “Era uma operação de guerra renovar as campanhas
nesse ritmo, um aprendizado enorme.”
Estrela global: o ator americano Ashton Kutcher promove o novo tablet
da Lenovo, que chega ao Brasil em fevereiro
Na Lenovo, ele promete agir com um ritmo mais moderado – afinal,
tablet não é batom nem celular é desodorante. Em junho deste ano, saíram
os primeiros smartphones e tablets da marca CCE. “A linha de tablets
hoje nos dá 19% de participação de mercado”, diz o diretor de marketing
da companhia, Humberto De Biase, que era executivo da LG. “Segundo a
IDC, estamos tecnicamente empatados com a Samsung, algumas poucas
unidades abaixo.” A IDC não confirmou nem negou a informação. A
empresa de Stone também investiu US$ 30 milhões na criação de uma
fábrica e de um centro de distribuição em Itu, no interior de São Paulo, inaugurados em janeiro deste ano.
Em agosto, um centro de reparos e atendimento pós-venda de quatro
mil metros quadrados começou a operar. Não à toa, a empresa estreou uma
nova campanha publicitária na tevê aberta enfatizando a visita de seus
técnicos a uma residência – no filme, a dona de casa diz não ter
problemas com o computador da marca e sugere ao funcionário dar uma
olhada na máquina de lavar. Para completar, a empresa injetou US$ 6
milhões nas sete fábricas do polo industrial de Manaus, herdadas da CCE.
Desse investimento, surgiu o projeto de produção de lâmpadas LED. “Esse
item é feito de pura eletrônica, saímos do modelo tradicional de
iluminação”, diz Vanderlei Ferreira, gerente-geral de lâmpadas LED da
Lenovo, recrutado na rival Motorola.
Mão na massa: funcionária na nova fábrica de Itu (SP), inaugurada em janeiro deste ano
Para o ano que vem, Stone promete pisar ainda mais o pé no
acelerador. A companhia vai passar a fabricar no Brasil os tablets de
ponta da marca Lenovo. Os produtos, que devem se beneficiar das isenções
fiscais da chamada MP do Bem, devem chegar às prateleiras a partir de
fevereiro. Entre eles, estará o recém-lançado Yoga. A apresentação
mundial do produto foi feita há algumas semanas pelo ator americano
Ashton Kutcher, que recentemente interpretou o fundador da Apple, Steve
Jobs, no filme Jobs. “Gosto de competir e de tomar riscos”, disse
Kutcher, enquanto justificava seu envolvimento com a empresa chinesa.
O ator, conhecido investidor em companhias da área digital, ainda
enfatizou o design diferente do aparelho em relação à maioria dos
tablets. Assim como alguns equipamentos da japonesa Sony, o Yoga tem um
lado mais espesso em relação ao outro, para fazer com que o aparelho não
fique completamente deitado e seja mais ergonômico. Outra vantagem que a
Lenovo destaca é a duração da bateria, de 18 horas – a bateria do iPad,
da Apple, tem durabilidade de 10 horas. Serão lançadas versões Android e
Windows do aparelho. Smartphones da marca com o sistema Android, do
Google, devem vir alguns meses depois.
A empresa oferece na China quatro linhas de celulares inteligentes
com telas que vão de 4 a 5,5 polegadas. Para ganhar força nesse mercado,
a Lenovo terá de sentar à mesa com as operadoras de telefonia.
“Praticamente metade das vendas de smartphones é feita pelas empresas de
telecomunicações no País”, afirma Bruno Freitas, supervisor de
pesquisas da consultoria IDC. Acha muito? Nada disso. “Temos ótimas
soluções de smartTVs”, afirma Stone. O plano é operar nesse segmento em
2015, mas não será surpresa se Stone, como já fez ao conquistar a
liderança do mercado de computadores pessoais, conseguir antecipar essa
meta.
E agora, Positivo?
A paranaense Positivo Informática credenciou-se nos últimos tempos
como a mais difícil barreira aos planos de qualquer empresa que tente
conquistar uma fatia relevante do setor de tecnologia no Brasil. Afinal,
a companhia de Curitiba manteve-se por oito anos consecutivos na
liderança do mercado brasileiro de computadores. Apenas por um único
trimestre em 2011, perdeu a liderança para a HP. Fato que volta a
ocorrer agora. Desta vez, para a chinesa Lenovo. “Temos um concorrente
multinacional querendo ganhar participação de mercado a qualquer preço”,
disse Hélio Rotenberg, presidente da companhia, em teleconferência com
os analistas do mercado financeiro, na terça-feira 12, após o anúncio
dos resultados trimestrais.
Para ele, a posição da concorrente, que não cita nominalmente, pode
ser “temporária”. Apesar do discurso, a Positivo não vive os seus
melhores dias. No terceiro trimestre, registrou um prejuízo de R$ 18,9
milhões. No mesmo período do ano passado, havia obtido um lucro de R$
7,5 milhões. Nos nove primeiros meses deste ano, as perdas somaram R$
15,4 milhões, ante um ganho de R$ 20,8 milhões de janeiro a setembro de
2012. O mau desempenho foi atribuído por Rotenberg à valorização do
dólar, o que fez com que a companhia repassasse o aumento de custos aos
consumidores.
“Teríamos um excelente trimestre se não fosse pelo câmbio”, afirmou
o executivo. “Sempre protegemos a saúde financeira da companhia e não
poderíamos acompanhar o concorrente sem aumentar os preços.” Para o
quarto trimestre deste ano, Rotenberg prevê uma melhora, inclusive no
recém-estreado segmento de smartphones. “Estamos adquirindo volume e uma
grande aceitação”, diz Rotenberg. Ele também aposta em um aumento na
participação no segmento de computadores. Apesar do otimismo, o mercado
reagiu mal às notícias. As ações da Positivo caíram mais de 6% na
terça-feira 12.
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