- As contas públicas estão se deteriorando, a despesa cresce mais que a arrecadação, o superávit primário é cada vez menor
carlos alberto sardenberg
Dizem que o fantasma de Deng Xiao Ping, o líder que criou a China
moderna, foi invocado pelo atual presidente, Xi Jinping, para orientá-lo
sobre como conduzir uma nova onda de reformas. De carro, Xi conduziu
Deng pelo país, para exibir os resultados das primeiras mudanças,
aquelas iniciadas em 1978. De repente, a estrada que tomara mostrou uma
perfeita bifurcação. Xi para na encruzilhada e pergunta: grande líder,
viramos à direita ou à esquerda? E Deng, sem vacilar: dê sinal à
esquerda, vire à direita.
Esta piada é um clássico. E permanece
porque, acreditem, reproduz o modo de agir da liderança chinesa em
momentos cruciais. O presidente Xi Jinping é conhecido como reformista,
cercou-se de reformistas em seu governo e colocou na cadeia o chefe da
outra ala do Partido Comunista, Bo Xilai, que comandava um movimento
pela recuperação do maoísmo.
As reformas discutidas na ala de Xi
estavam claramente na direção de mais mercado, mais propriedade privada,
em resumo, mais capitalismo. Portanto, para simplificar, Xi
representava a direita e Bo, a esquerda.
Pois não é que o começo
do governo de Xi coincide com o que se chamou de uma “onda vermelha”? O
próprio presidente falou mais de uma vez em recuperar os valores do
maoísmo. Mais ainda: nas vésperas da crucial reunião plenária do Comitê
Central do Partido Comunista, marcada para o próximo fim de semana e
anunciada por Xi como tão importante quanto a comandada por Deng em
1978, diversas companhias estrangeiras tornaram-se alvos de órgãos de
fiscalização, receberam punições e foram atacadas como imperialistas
impiedosas.
Diante da perplexidade de observadores e mesmo de
executivos de grandes multinacionais recebidos com honras pelo
presidente Xi, os mais experientes recomendavam calma: o sinal é à
esquerda...
Veremos. A plenária do Comitê Central, claro, será
fechada. E todo mundo sabe que já está tudo decidido. Aquela regra
universal da política: só se chama uma reunião importante, com muita
gente (300 e tantos membros, no caso), quando já se resolveu pelo menos o
essencial.
Ficam todos, portanto, à espera dos sinais à direita —
mudanças efetivas como, por exemplo, a permissão para que agricultores
vendam suas terras ou as entreguem como garantia de empréstimo. Seria a
consagração da propriedade privada da terra. A registrar: uma das
reformas cruciais da era Deng foi justamente permitir que os
agricultores vendessem sua produção no mercado livre, em vez de
entregarem tudo ao governo. Isso levou, então, a uma forte expansão da
produção agrícola.
Resumindo: a propaganda seria maoísta, a prática, ao modo Deng.
O
governo Lula, o do primeiro mandato, foi tipo chinês. A propaganda,
inclusive a eleitoral, era para mudar tudo e desmontar o regime
neoliberal. Na prática, o governo aumentou o superávit primário a níveis
inéditos, nomeou um banqueiro para o Banco Central que, autônomo, foi
logo aumentando os juros para colocar a inflação na meta, e aplicou
reformas que favoreceram o ambiente de negócios.
Já o governo
Dilma parece adotar a mesma técnica, mas invertida. Jura fidelidade ao
superávit primário, ao regime de metas, promete liberdade e
oportunidades ao capital privado — e faz tudo ao contrário.
A questão é: faz isso de propósito ou tudo é uma grande confusão, resultado da falta de objetivos e capacidade?
Não
é brincadeira. A dúvida persiste inclusive entre os aliados do governo,
tanto os da esquerda quanto os da direita. Todos estes — e mais os
críticos adversários — concordam com os números: as contas públicas
estão se deteriorando, a despesa cresce mais que a arrecadação, o
superávit primário é cada vez menor e a tendência da dívida pública é de
alta. Sinais claros disso: sobe a taxa de juros, o real se desvaloriza
mais que outras moedas.
Os aliados mais à esquerda, digamos,
sustentam que isso não tem nada demais e que o governo deveria sair do
armário e assumir que vai aumentar mesmo o gasto público e derrubar os
juros de qualquer jeito.
Os amigos mais à direita, digamos, contam
que há um desvio momentâneo, compreensível, que neste momento o
superávit primário pode mesmo ser menorzinho, mas daqui para a frente —
olhem lá, hein?! — é preciso dar uma segurada nos gastos e arrumar a
contabilidade.
Os críticos e adversários sustentam que as bases
macroeconômicas estão sendo destruídas, mas não se entendem se é por
vontade ou por incompetência.
Aí vêm a presidente e o ministro Mantega e garantem: está tudo sob controle. Qual controle? Certamente não é do tipo chinês.
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