Inspirados nos europeus, os brasileiros entram na febre das bicicletas como alternativa de mobilidade urbana. Com isso, inauguram um novo nicho de mercado: o das bikes premium, com magrelas que chegam a valer até R$ 54 mil
Por Bruna BORELLI
Cansou de ficar parado no trânsito para ir e voltar do
trabalho? Não quer encarar o transporte público? Pretende unir o útil ao
saudável? Se sua resposta foi “sim” para as três perguntas, você deve
aderir à nova febre entre os brasileiros enfurnados nas metrópoles:
virar ciclista urbano. O fenômeno ganhou fôlego na última década e tem
um interessante componente social. Quem tem pedalado mais é a classe AB,
já que a C trocou a bicicleta pelo primeiro carro ou moto. E é mirando
nesse novo “esportista” das ruas, com mais dinheiro no bolso, que o
mercado nacional de bicicletas tem buscado diferenciais.
Aposta: atento ao mercado nacional, John Burke, CEO da americana Trek Bicycle Corporation,
esolveu abrir operação própria no País
Dados da Abradibi, a entidade que representa o setor, estimam uma
movimentação de R$ 3 bilhões para este ano. E boa parte desse montante
se refere ao segmento premium. Feitas com materiais especiais como fibra
de carbono, levíssima, com freios a disco, amortecedores e avançados
equipamentos eletrônicos, essas bikes estão mais rápidas, mais leves e
mais confortáveis. E mais caras. Para dar uma pedalada no modelo
americano Trek Speed Concept 9.9, por exemplo, é preciso desembolsar R$
54 mil – o equivalente a um carro médio zero-quilômetro, como o Peugeot
308 ou um Honda Fit. E há mercado para isso? Para o americano John
Burke, sim.
Para abonados: a bike Trek Speed Concept 9.9, toda feita de carbono, é o modelo
mais caro da companhia e promete agradar aos consumidores
mais exigentes com R$ 54 mil no bolso
Ele vem a ser o CEO da Trek Bicycle Corporation, líder global na
fabricação de bicicletas, que inaugurou operação própria – sem a
intermediação de distribuidores locais – no País neste semestre.
Otimista, ele quer investir no mercado nacional, que avalia como uma
“Amsterdã dos anos 1970”. Herdeiro da empresa criada pelo pai, Richard,
em 1976, Burke venderá aos brasileiros mais abastados vários modelos
topo de linha, como o Speed Concept. “A bicicultura realmente está cada
vez mais presente entre as classes mais altas”, diz Ana Lia de Castro,
diretora-executiva da Abradibi.
O sucesso da bicicleta entre os consumidores de renda mais elevada,
segundo Burke, deve-se ao fato de que o equipamento ajuda na forma
física e contribue para melhorar o meio ambiente e desafogar o trânsito
das metrópoles. “Andar de bike virou algo ‘cool’”, afirma. Para Daniela
Khauaja, especialista em mercado de alto padrão e professora de
marketing da Espm, os ciclistas de grife se interessam pelo conceito
porque o hábito também revela um aspecto comportamental. “Eles se sentem
à frente do seu tempo”, diz ela, indicando ser este um ato transgressor
em relação à classe econômica à qual pertencem. “Apesar de terem muito
dinheiro, eles querem andar em um meio mais alternativo de transporte.”
Executivos: três vezes por semana, Gustavo Filgueiras, CEO do grupo
Emiliano, sai com sua Specialized Tarmac, de R$ 6 mil,
para pedalar com amigos
Gustavo Filgueiras, CEO do hotel Emiliano, na capital paulista, é
um bom exemplo disso. O executivo sai de casa às 6 horas da manhã, três
vezes por semana, com a sua bike de competição Specialized Tarmac
(avaliada em R$ 6 mil) para encontrar amigos na ponte Cidade
Universitária. Juntos, eles pedalam de 30km por dia pela ciclovia que
margeia o Rio Pinheiros. “Eu só evito vir ao trabalho de bicicleta
porque as ruas até o hotel são estreitas e por conta da segurança”, diz.
Para Burke, a segurança é um fator vital para que a febre das
bikes se propague. Segundo ele, as pessoas já andam em São Paulo aos
domingos, quando há faixas exclusivas e vigiadas.
“Por que não adotar isso nos outros dias?”,
questiona o empresário, que, mesmo faturando mais de US$ 900 milhões de
receita anual, faz o percurso de 4 km até o trabalho pedalando. Em busca
desse sentimento cool e transgressor, o mercado interno se movimenta. A
brasileira Caloi, recém-adquirida pela canadense Dorel, deve trazer em
breve quatro marcas de bicicleta de alta perfomance, com modelos que
custam até R$ 35 mil. No segmento dos acessórios, diversas lojas têm
aberto as portas para seduzir os neociclistas com bolsas, alforjes e
prestando serviços. Em São Paulo, a loja Bike Bacana oferece bolsas
laterais de ótimo acabamento que podem ser usadas também fora das
bikes.
De grife: bicicletas de marcas de luxo como a Dolce & Gabbana (à esq.), de roupas e acessórios,
e a Aston Martin, de automóveis, são as estrelas do setor
Há estabelecimentos que fazem o bike fit, o ajuste ergonométrico da
magrela ao piloto. Quem também tem pego carona nesse movimento
pró-bicicleta são as marcas de luxo. Maisons de alta costura, como
Chanel, Gucci, Fendi e Hermès, e BMW, de automóveis, investem também no
mercado de duas rodas. Para Daniela Khauaja, a estratégia serviria para
expandir o portfólio. “É uma maneira de crescer dentro de um mesmo
público-alvo”, afirma. Aqui, mais do que funcionalidade, são importantes
o design e o DNA da grife refletidos na bicicleta.
A italiana Dolce & Gabbana, por exemplo, lançou uma bike de US$
2,2 mil com estampa de leopardo, um dos temas mais recorrentes de seus
produtos. A Missoni também usou sua padronagem mais marcante, o
zigue-zague multicolorido, para estampar sua versão duas rodas, de US$
400. A Aston Martin, por sua vez, abusou do high-tech – afinal, é uma
marca de inovação tecnológica – no lançamento da One-77, com computador
de bordo e sistema Bluetooth, por US$ 40 mil. Inspiração, portanto, é o
que não falta aos que desejam pedalar em grande estilo, como os europeus
fazem desde sempre.
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