Legislação
Há disputas ideológicas em torno do projeto de lei que vai disciplinar a rede. E há também embates comerciais pela exploração de um mercado bilionário
Renata Honorato
(Tatiana Popova/Getty Images)
De um lado, empresas de telecomunicações. Do outro, companhias de
internet. Ora em uma posição, ora em outra, governo e especialistas. Há
disputas ideológicas em torno do projeto do Marco Civil que vai a
votação na Câmara dos Deputados com o objetivo de estabelecer as regras
da rede brasileira. E há também, é claro, embates comerciais pela
exploração de um mercado bilionário. Nessa briga, dois setores vivem em
choque permanente: as teles e as empresas web. As primeiras são
responsáveis pela infraestrutura por onde navegam os dados de telefonia
(fixa e móvel) e banda larga. As empresas web oferecem serviços
diversos, do buscador Google à rede social Facebook. À primeira vista,
são atividades complementares. A prática vem mostrando, contudo, que os
dois blocos competem mais a cada dia e isso se expressa no jogo de
pressões e discursos sobre o Marco Civil no Congresso.
O setor de teles é um titã. Faturou 214 bilhões de reais no Brasil em
2012. Mas ele vem perdendo algum espaço — e muito dinheiro — para
companhias de internet. O exemplo mais notório desse fenômeno é a
ascensão dos serviços conhecidos como "voz sobre IP" (ou VoIP), que
permitem a comunicação de voz e imagem pela rede. O mais famoso deles é o
Skype. O resultado é a redução da conta do telefone do usuário e, por
tabela, o enxugamento da receita das teles. Segundo estudo britânico da
empresa MobileSquared, especializada no mercado móvel, as operadoras de
telefonia de todo o mundo deixaram de faturar cerca de 36 bilhões de
dólares em 2012 em decorrência da popularização do Skype e congêneres.
Uma das armas de contra-ataque das teles é oferecer novos produtos,
alguns dos quais rivalizam diretamente com atrações das empresas web.
"Para continuar faturando alto, as teles precisam enfrentar empresas web
e de TI, como a IBM", diz Samuel Rodrigues, analista da IDC,
consultoria especializada no setor de tecnologia. É o caso do Now,
produto da Net, serviço de vídeo por demanda similar ao americano
Netflix.
A reação das teles ao avanço das web inclui a posição contrária à
instituição da neutralidade de rede, um dos principais pontos do Marco
Civil. A neutralidade prevê que as teles, provedoras de conexão, devem
tratar todos os dados que circulam na rede de forma igual, não cabendo
distinção por tipo, origem ou destino de arquivo. Se a posição das teles
prevalecer, essas empresas poderão impor uma cobrança proporcional ao
uso da rede. Assim, usuários afeitos a games, vídeos e serviços de VoIP,
que exigem a transmissão de grandes arquivos digitais, pagariam mais.
Em caso de derrota da neutralidade, as teles poderiam ainda privilegiar
os seus próprios serviços em detrimento dos oferecidos por empresas web.
(Continue a ler a reportagem)
Outra ponto de disputa que emerge no
Marco Civil é a publicidade na internet. É uma briga por um bolo que
está crescendo. Neste ano, os anúncios devem injetar 6 bilhões de reais
no mercado digital nacional, sendo que 80% desse montante provavelmente
ficará nas mãos de alguns gigantes da web, como Google e Facebook, de
acordo com estimativas da IAB Brasil (Interactive Advertising Bureau),
entidade que monitora a publicidade on-line.
As teles querem, é claro, um pedaço do bolo. Contudo, o texto do
Marco Civil apresentado pelo relator do projeto, Alessando Molon
(PT-RJ), impede que essas companhias entrem na fila do doce. O trecho do
projeto de lei dedicado ao assunto veda às teles o direito de armazenar
registros de navegação dos usuários — informações como data, horário e
site acessado por um cliente. Sem essas informações, é impossível seguir
os passos dos usuários pela rede e entender seus hábitos e
preferências. Não há essa limitação para as empresas web, que podem
fazer isso, desde que o usuário esteja logado a seu serviço. "Aprovar o
Marco Civil como está seria oficializar o monopólio da propaganda na
internet para redes sociais e buscadores", diz Alexander Castro,
presidente do SindiTelebrasil, entidade que representa as operadoras de
telefonia.
As teles podem ganhar uma batalha, contudo, se prevalecer a intenção
do governo de obrigar, via Marco Civil, as empresas web a manter os
dados dos usuários usuários brasileiros em data centers instalados em
território nacional. Especialistas são contra. As empresas de internet
também.
Os primeiros alegam que a ideia é inócua, pois não garante o que o
governo aparentemente quer: coibir a violação de dados pessoais por
empresas ou governos estrangeiros.
Google e Facebook vêm reafirmando seguidamente posição contra a
obrigatoriedade da hospedagem nacional. "A emenda proposta ao Marco
Civil, exigindo que as empresas de internet mantenham os dados de
usuários brasileiros em data centers locais, arrisca limitar o acesso a
serviços de empresas dos EUA e outros países", diz o gigante das buscas.
O Facebook complementa: "O armazenamento de dados é um desafio enorme e
essencialmente técnico. Uma exigência como essa que vem sendo debatida
frustrará a inovação e criará barreiras desnecessárias para empresas
nascentes."
Copatrocinadoras de medida, ao lado do governo, as teles alegam que
os data centers nacionais podem gerar empregos por aqui. Pode ser
verdade, mas não é toda a verdade. Segundo relatório do SindiTelebrasil,
as empresas do setor investiram 25 bilhões de reais na construção de
data centers em 2012. Agora esperam mais clientes. Se a lei der uma
ajudinha, tornando compulsório o uso da infraestrutura instalada no
Brasil, não há do que reclamar. Google e Facebook, entre outros, seriam
muito bem-vindos.
Não surpreende o fato de a votação ter sido adiada diversas vezes na
Câmara. Os próprios parlamentares se dividem sobre os temas controversos
do Marco Civil. O PMDB, maior partido da base governista, é ao mesmo
tempo contrário à neutralidade (posição defendida pelas telas) e aos
data centers locais (tese das empresas web). O relator Molon está do
lado das companhias de internet na questão da neutralidade, mas em lado
oposto quando o assunto é hospedagem compulsória de dados. O ministro
das Comunicações, Paulo Bernardo, petista como a presidente Dilma
Rousseff e o relator Molon, diverge de ambos no assunto neutralidade e
pede alteração na redação do artigo que trata do tema. Google, Facebook e
similares reclamam que Eduardo Cunha, líder do PMDB na Câmara, não ouve
seus pleitos. As teles dizem o mesmo sobre Molon.
Enquanto o projeto de lei não segue para votação, representantes dos
interessados circulam pela Câmara em busca de aliados. Em outubro,
durante a redação final da matéria, Katie Harbath, diretora de políticas
públicas do Facebook, circulou por Brasília ao lado de Bruno Magrani,
gerente de relações governamentais da rede social, responsável por
buscar a aproximação com os parlamentares. Katie, porém, garantiu que
sua visita não tinha relação com a votação da "constituição da
internet", como é conhecido o Marco Civil. "Minha visita está
relacionada ao treinamento de políticos brasileiros", disse a executiva.
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