Em entrevista à EXAME.com, o economista e ministro Marcelo Neri defende que classe média nacional não é pobre. Problema é que todo mundo aqui se espelha nos EUA, diz ele
Subúrbio norte-americano: para ministro, brasileiros ricos não se reconhecem como elite porque têm como referencia a classe média americana - que nada tem a ver com a brasileira
São Paulo - A entrada de 40 milhões de pessoas na chamada nova classe média colocou a classe C no
radar não só do governo e das empresas nacionais como também no do
mundo. Não é por menos: são 104 milhões de pessoas - mais da metade da
população brasileira - que movimentam cerca de 1 trilhão de reais por
ano.
Marcelo Neri, ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, é um dos maiores entusiastas desse novo
segmento, o qual ele chama de "lado brilhante da base da pirâmide".
Em conversa com EXAME.com, o ministro falou sobre quem é - e quem
não é - essa nova classe média brasileira. Não fala apenas como
político: economista, Neri é também presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), fundação que auxilia o governo com estudos de interesse público.
O conceito monetário estipulado pelo governo para a classe C - integra o grupo pessoas cuja renda familiar
per capita varie entre R$ 291 e R $1.019 - foi considerado muito baixo
por muitos. Não para o ministro, que defende que a classe média brasileira tem mais dinheiro que 54% da população mundial.
O problema, na opinião de Neri, estaria no espelho usado pela elite econômica nacional. "O espelho que a elite se olha e vê imagem de classe média tem escrito atrás ‘made in USA’", diz.
Essa visão ecoa pesquisa do Data Popular. De acordo com o Instituto, 55% da elite se acha da classe média e 35% deles se acham até mesmo de baixa renda.
Veja, a seguir, os melhores trechos da entrevista com o ministro e economista, cuja carreira é focada em estudos de bem-estar social, políticas públicas e, claro, na nova classe média.
EXAME.com - Quem é essa tão falada nova classe média brasileira?
Marcelo Neri - Primeiro vou dizer quem não é essa nova classe média brasileira. Ela não é a classe média americana que tem dois filhos, dois carros, dois cachorros e uma casa com piscina. Não é disso que estamos falando. Os 5% mais pobres dos EUA estão acima de 60% da população mundial. Mais de metade das pessoas do mundo são mais pobres do que os pobres americanos. Então, não dá para comparar a classe média brasileira com a classe média americana, porque basicamente todos os países podem ser considerados pobres comparados com os EUA.
EXAME.com - Quando o governo divulgou a faixa de renda em que se encaixa a classe média
brasileira, houve muitas reações contrárias, com críticas de que esse valor seria muito baixo e haveria manipulação política. Há dificuldade para as pessoas se identificarem como classe média?
Neri - Eu acho que o espelho que a elite se olha e vê a
imagem de classe média é o espelho que tem escrito atrás ‘made in USA’.
Cada um pode se ver como quiser, mas se você olhar em volta, vai ver
que essa classe média americana não reflete a realidade mundial, nem a
brasileira. Além disso, o Brasil é um pais católico e nós temos muita
culpa. Não somos protestantes, como os americanos, em que acumular
capital não é mal visto. A mesma lógica que leva o brasileiro a não ser
tão empreendedor como nós gostaríamos é a que leva ele a ter culpa de
ter dinheiro.
EXAME.com - Então, qual é a cara da classe média tupiniquim?
Neri - É uma classe média abrasileirada. Foi achada dividindo a população em 3 grupos de forma que esses grupos fossem os mais homogêneos dentro de si e os mais heterogêneos entre si. A distribuição de renda brasileira é muito parecida com a mundial. Por exemplo, o PIB per capita brasileiro ajustado ao custo de vida é 91% do PIB mundial. A desigualdade brasileira – embora seja muito alta -, é parecida com a desigualdade entre países.
Enfim, o Brasil é uma boa maquete do mundo: os mais pobres no Brasil
são tão pobres quanto os intocáveis indianos, os mais ricos brasileiros
são tão ricos quanto os ricos americanos. Quando a gente busca a classe
média brasileira, a gente acha uma classe média brasileira – que não é a
americana. Eu sei que figura muito no imaginário das pessoas o símbolo
da classe média americana, o ‘american way of life’. Mas ele aparece
mais numa elite brasileira, que até se acha classe média, mas se ela
olhar por trás desse rótulo, ela vai ver que não se encaixa na realidade
brasileira.
EXAME.com - Se a classe média brasileira não é empreendedora, como o senhor disse, quais são as ambições profissionais dela?
Neri - Ela quer um emprego formal, de carteira assinada, de preferência um emprego público em que ela tenha estabilidade. O que eu vejo é que, na verdade, caiu a taxa de empreendedorismo, mas aumentou a qualidade do empreendedorismo. Isto é, temos menos empreendedores – porque uma parte deles migrou para a carteira assinada -, porém melhores negócios.
EXAME.com - Mas o que define essa faixa da população?
Neri - Ela é identificada geralmente pelo consumo. Classe C, C de consumo, C de cartão de crédito. Mas o que eu defendo é que o C é de carteira de trabalho, esse seria o símbolo dessa classe média. A ascensão dessa classe média se fez pelo trabalho, pela incorporação de pessoas ao mercado de trabalho formal. É uma classe que gera renda, que trabalha, que conseguiu, com seu esforço, um emprego com carteira assinada. E isso é o que torna ela sustentável.
Os dados do Pnad 2012 comprovam essa sustentabilidade. Em 1970, as mulheres tinham 6 filhos, hoje elas têm 1,9. Esses filhos vão à escola - muitas vezes, famílias com renda apertada colocam os filhos em escolas privadas porque sabem que isso vai dar mais chances de empregos melhores no futuro - e chegam ao mercado de trabalho formal. E é isso que da sustentação a essa nova classe média. O primeiro cartão de crédito, o primeiro carro, são consequências desse processo, são coadjuvantes e não seus principais símbolos.
EXAME.com - E qual é o futuro? A classe média brasileira vai continuar crescendo?
Neri - Entre 2003 e 2011, 40 milhões de pessoas entraram na classe C e outras 9 milhões entraram na classe AB. Ou seja, a classe ABC aumentou 49 milhões, que é a população da Espanha. Olhando pra frente, de 2011-2014, cerca de 12 milhões de pessoas vão subir para a classe C e 7,7 milhões para a classe AB. O fato de 40 milhões de pessoas já terem subido para a classe C, possibilita um crescimento maior para a classe AB.
Neri - Ela é identificada geralmente pelo consumo. Classe C, C de consumo, C de cartão de crédito. Mas o que eu defendo é que o C é de carteira de trabalho, esse seria o símbolo dessa classe média. A ascensão dessa classe média se fez pelo trabalho, pela incorporação de pessoas ao mercado de trabalho formal. É uma classe que gera renda, que trabalha, que conseguiu, com seu esforço, um emprego com carteira assinada. E isso é o que torna ela sustentável.
Os dados do Pnad 2012 comprovam essa sustentabilidade. Em 1970, as mulheres tinham 6 filhos, hoje elas têm 1,9. Esses filhos vão à escola - muitas vezes, famílias com renda apertada colocam os filhos em escolas privadas porque sabem que isso vai dar mais chances de empregos melhores no futuro - e chegam ao mercado de trabalho formal. E é isso que da sustentação a essa nova classe média. O primeiro cartão de crédito, o primeiro carro, são consequências desse processo, são coadjuvantes e não seus principais símbolos.
EXAME.com - E qual é o futuro? A classe média brasileira vai continuar crescendo?
Neri - Entre 2003 e 2011, 40 milhões de pessoas entraram na classe C e outras 9 milhões entraram na classe AB. Ou seja, a classe ABC aumentou 49 milhões, que é a população da Espanha. Olhando pra frente, de 2011-2014, cerca de 12 milhões de pessoas vão subir para a classe C e 7,7 milhões para a classe AB. O fato de 40 milhões de pessoas já terem subido para a classe C, possibilita um crescimento maior para a classe AB.
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