Montadora americana quer fazer do Brasil sua terceira maior operação no mundo. Para isso, aposta no renovado Ka, um modelo global que vai competir com os líderes de mercado Gol e Palio
Por Ana Paula MACHADO, de Camaçari (BA)
Na quarta-feira 13, William Clay “Bill” Ford Jr., presidente
do conselho mundial de administração da Ford, esteve pela segunda vez no
Brasil. Em sua primeira visita, em 1997, um ano antes de sua escolha
para o posto atual, o executivo, então com 40 anos de idade, veio
anunciar o lançamento do Ford Ka, modelo compacto que prometia ser o
carro mais popular da montadora americana e um campeão de vendas por
aqui. Prometia: a verdade é que, desde então, o mercado brasileiro mudou
muito, com a entrada de dezenas de competidores estrangeiros, e o
carrinho esteve longe de apresentar a performance desejada.
Bill Ford, presidente do conselho de administração: "Meu bisavô
sempre achou que o automóvel deveria ser acessível à classe média "
Persistente, aos 56 anos, o bisneto do fundador da companhia, o
legendário Henry Ford, retorna para anunciar aos brasileiros uma versão
renovada do Ka, com a qual garante que, desta vez, o modelo, agora mais
espaçoso, vai cumprir seu plano original de se tornar um queridinho dos
consumidores. “Meu bisavô sempre achou que o automóvel deveria ser
acessível à classe média e criou o Ford T”, afirmou, durante evento
realizado na fábrica da empresa em Camaçari, na Bahia. “Continuamos com
essa mentalidade, mas a tecnologia também será vista nos nossos modelos
mais baratos.”
O lançamento, no entanto, é apenas a parte mais visível de uma
estratégia que provocou mudanças profundas na estrutura da Ford e
colocou o Brasil no centro das atenções de sua direção. Desde o o
início deste mês, a América do Sul ganhou status de região estratégica
para a Ford, terceira maior fabricante de automóveis do mundo, atrás da
japonesa Toyota e da também americana GM. O Brasil representa 80% das
vendas no continente. O inglês Steven Armstrong, que até
outubro ocupava o posto de presidente das operações brasileiras, passou a
responder por toda a região. O executivo ainda ganhou um assento no
conselho de administração da Ford.
Produção ampliada: a fábrica da montadora em Camaçari, na Bahia,
vai receber investimentos de R$ 2,8 bilhões até 2015
Nesse cargo, sua função é definir, juntamente com representantes da
América do Norte, da Ásia e da Europa, o rumo e os projetos a serem
desenvolvidos pela companhia. “Mesmo com um mercado em estabilidade, há
um grande potencial para ser explorado no País”, afirmou Armstrong. Sua
meta é fazer do Brasil uma das três maiores operações da Ford. Hoje, o
País está atrás dos Estados Unidos, da China e do Reino Unido. Para
atender o desafio, Armstrong precisa colocar o Ka entre os líderes de
vendas. O que não será fácil, diga-se. Em outubro, o modelo ocupava a
28ª posição no ranking da categoria de carros populares, liderada pelo
Gol, da Volkswagen.
No entanto, da mesma forma que seus superiores, como Bill Ford,
Armstrong acredita piamente que o novo Ka pode ser um divisor de águas
para a companhia. Quando foi lançado, o pequeno veículo prometia
competir com os líderes do mercado nacional. Em vão. Com um design jovem
e proporções reduzidas, ele se tornou um modelo de nicho e nunca chegou
a figurar como a primeira opção de compra das famílias brasileiras. A
nova versão passa a contar com quatro portas e maior espaço interno.
“Tenho três cachorros, agora eles cabem dentro do carro”, disse
Armstrong. A expectativa é de que, como novo design, o veículo passe a
ser um dos mais desejados pelos brasileiros, inclusive pelos que não têm
cachorros em casa.
Sonho de consumo: Bill Ford (à dir.) e Steven Armstrong apresentam o novo Ka.
O carro ganhou espaço interno maior e um novo design
O carro, porém, não vai concorrer diretamente com os mais
baratos do mercado. Ele deve enfrentar o HB20, da Hyundai, que custa a
partir de R$ 30 mil e já é o sexto automóvel mais vendido do País.
“Não vai ser um modelo de grande volume”, diz Francisco Satkunas,
consultor automotivo e ex-executivo da GM. “O preço deve ser mais alto
para controlar as vendas de acordo com a capacidade de produção.” O
modelo chega às concessionárias até meados de 2014. A versão atual do Ka
deve sair de linha, assim como o Fiesta Rocan, que está com os dias
contatos. Além do Brasil, o Ka tem a missão de ganhar o mundo e se
tornar mais um produto global da companhia, a exemplo do utilitário
esportivo EcoSport.
Ele coloca a Ford em uma posição estratégica para atender a
crescente demanda mundial por veículos compactos, segmento que deverá
crescer para cerca de 6,2 milhões de veículos até 2017. Com uma previsão
de crescimento de 35% no período de 2012 a 2017, esse segmento deve
superar em 12 pontos percentuais a taxa de crescimento da indústria
mundial, impulsionado principalmente pelo aumento da demanda dos
consumidores urbanos dos países em desenvolvimento. Foram os engenheiros
brasileiros do centro de desenvolvimento da Ford em Camaçari, na Bahia,
que lideraram o projeto do novo Ka.
Estratégia global: Steven Armstrong, que até outubro comandava a Ford
no Brasil, assumiu a presidência da empresa na América do Sul
O Brasil, aliás, passará a participar mais do processo de criação
dos novos modelos da montadora. Isso já havia acontecido com o EcoSport,
hoje vendido em mais de 100 países, que foi totalmente desenhado e
colocado de pé no centro baiano. Os dois projetos fazem parte do plano
de investimentos da montadora no País, orçado em R$ 4,5 bilhões. Somente
a fábrica de Camaçari vai receber R$ 2,8 bilhões até 2015. O Ka,
provavelmente, é o último carro dessa leva de investimentos.
“Desenvolver uma plataforma global é mais difícil, e a engenharia local
está apta para isso”, diz Bill Ford. “Não há porque não usarmos essa
força de trabalho.”
Pelos planos da Ford, em dois anos, 85% dos veículos de sua marca
comercializados no mundo serão produzidos a partir de plataformas
globais. A meta é vender 8 milhões nesse período, o que corresponde a um
crescimento de 50% em relação ao ano passado. “O Brasil é uma parte
importante desse crescimento”, afirma Ford. A questão é que a Ford não
está conseguindo aumentar sua fatia de mercado no País, patinando há
mais de duas décadas no quarto lugar. A distância entre ela e a GM,
terceira maior montadora do mercado brasileiro, atrás de Volkswagen e da
líder Fiat, está cada vez maior.
Ao mesmo tempo, a distância para a francesa Renault, quinta maior
montadora do País, está encurtando, apesar de uma ligeira recuperação da
Ford no período janeiro-setembro deste ano. Segundo a Federação
Nacional dos Revendedores de Veículos Automotores (Fenabrave), a
montadora de Detroit obteve 9,38% de participação, a GM 18,20% e a
Renault 6,43%. Para complicar, a vendas anuais de veículos no mercado
nacional também já não apresentam taxas de dois dígitos de crescimento,
como no passado, e devem ficar estáveis ou com leve aumento de 2% neste
ano, chegando a 3,9 milhões de unidades. “Nossa estratégia é oferecer
carros cada vez mais tecnológicos”, diz Armstrong. “É isso que vai nos
garantir o crescimento desejado.”
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