Nota de repúdio às palavras de Marcos David Figueiredo de Oliveira, proferidas contra a juíza Eliane da Câmara Leite Ferreira e a promotora Ana Paula Freitas Villela Leite
Publicado por Raphaella Reis -
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Veio
a público um caso vergonhoso para a advocacia. Tudo começou na
audiência de uma ação cautelar ajuizada por Marcos David Figueiredo de
Oliveira, em causa própria, onde pedia a guarda do filho.
Conforme transcrição da ata dessa famigerada audiência, que corre pelos portais jurídicos,
o advogado começou a gritar com a promotora, dizendo que ela não
poderia falar (!). A juíza (claro) pediu que o advogado/parte parasse de
gritar e respeitasse a representante do Ministério Público. O
advogado/parte então começou a gritar com a juíza, dizendo que lhe daria
voz de prisão por estar violando suas prerrogativas de advogado (!).
A
magistrada pediu que o advogado se retirasse da sala de audiências,
pelo comportamento; ele se recusou, dizendo que era abuso de autoridade
pois a audiência é pública (!). A equipe de segurança foi acionada para
retirá-lo do recinto.
Estamos acostumados a essas coisas, certo?
Cada audiência é uma novela à parte. Casos assim, onde o advogado
desconhece o próprio lugar no mundo fazem as anedotas que circulam em
sites como o Não Entendo Direito.
O problema é que não acabou aí. O advogado ingressou com uma exceção de suspeição. O argumento jurídico dele? A juíza está louca e tem interesse na causa só por ser mulher. É que “gritaria é coisa de mulher histérica, sobretudo quando está no período de Tensão Pré-Menstrual”.
Vocês acham que é brincadeira? Então segurem o print na peça da suspeição.
O
horror dessa declaração é superado linhas depois. Diz ele que os 30
anos de exercício da advocacia permitiram a constatação de que "os mais graves erros judiciários são cometidos por mulheres juízas, sobretudo em área de família”.
Aí vem a cereja do bolo: “O
Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo precisa constituir,
urgentemente, uma comissão de jurisconsultos para levantar, classificar e
determinar a natureza do erro judiciário. Se fizer isso constatará que
as juízas incorrem em mais “erros inescusáveis” do que os homens, o que
compromete a eficiência da prestação jurisdicional no Estado Democrático
de Direito”.
Alguns locais ainda tem o inteiro teor
da peça divulgado. Como alguns dados são sigilosos e expõem a parte
contrária, grande parte dos portais retirou a peça e o resto do processo
do ar.
A juíza, que tem mais o que fazer – como qualquer
magistrado nas Varas do Fórum Central de São Paulo, onde se tem processo
pulando a janela de tão lotados que estão os cartórios – deu uma
canetada de leve (dessas que a gente dá quando quer dizer “eu sou melhor que você, fazer o quê”)
e mandou oficiar o Ministério Público para que as providências cabíveis
fossem tomadas. Aguardem que vem denúncia contra esse advogado numa das
três irmãs: injúria, calúnia ou difamação. Ou tudo junto, vai que dá.
Nada sei de direito penal.
Este é um caso especialmente nefasto. Porque no Ano da Mulher Advogada,
quando se tem uma agenda nacional da OAB para valorizar a mulher no
exercício da advocacia – e consequentemente, em toda carreira jurídica –
é dos nossos pares que saem ofensas desse calibre, para todas.
A
juíza teve sua competência questionada unicamente com base em seu
gênero. O mesmo ocorreu com a promotora. O advogado passou 35 laudas
discorrendo sobre como estas duas operadoras do Direito não podem e nem
devem exercer suas funções, meramente por serem mulheres.
Porque
como elas são mulheres, ficam de TPM e enlouquecem, estando ineptas
para as funções. Porque como elas são mulheres, ficam investidas
emocionalmente quando veem outras mulheres como partes, estando ineptas
para as funções. E como elas são mulheres, ocupando as funções de homens (sic.), ficam com agressividade excessiva resultando na disfunção hormonal (sic.) conhecida como TPM, o que leva à autodestruição, e por isso elas são ineptas para as funções.
Pela
lógica medieval desse advogado, eu não posso pegar um lápis e escrever
meu próprio nome. Porque como eu sou mulher, eu tenho TPM, e por isso me
falta raciocínio lógico.
(Nessas horas, antes de falarmos de" juízas problemáticas ", acho bom lembrarmos que as decisões mais absurdas da atualidade foram proferidas por homens, de forma monocrática e colegiada)
Todo
esse imbróglio é nocivo para a classe advocatícia, num ano em que a OAB
se compromete a promover o respeito à dignidade da mulher e o
empoderamento das mulheres nos espaços do mundo social, econômico,
político e doméstico.
Justamente agora, que estão todos
empenhados em políticas de inclusão das mulheres nos espaços de poder e
humanização das estruturas judiciárias para as advogadas, bem como na
criação de painéis e educativos acerca da igualdade de gênero em suas
facetas mais importantes, é um advogado, um desses seres essenciais à
administração da Justiça e obrigado pelo Estatuto da Advocacia e pelo Código de Ética
a não só respeitar os magistrados e membros do Ministério Público como a
se pautar pela urbanidade e pela lhaneza no trato com eles, que perde o
senso do ridículo e manda todos esses esforços para a fronteira do
absurdo. Acho que bem além dela, inclusive.
As mulheres estão inclusas nisso, mas acho que o causídico não recebeu o memorando da evolução. A
meu ver, esta não é uma pessoa idônea para o exercício da advocacia.
Porque alguém que consegue ofender a Magistratura, o Ministério Público e
cometer discriminação de gênero numa tacada só é completamente inepto
para exercer uma carreira que tem o único objetivo de defender a
cidadania, a Justiça e a paz social, e que luta para consolidar o
respeito às prerrogativas constitucionais de todos.
É
inadmissível que uma pessoa como Marcos David Figueiredo de Oliveira
continue integrando os quadros da OAB e exercendo a advocacia. Que tipo
de Justiça esse homem defende? Com que critérios ele se mobiliza para
lutar pela paz social? Quando chegam os clientes no escritório dele, ele
faz processo seletivo, pra ver quem merece mais ou menos defesa de
direitos?
Imaginem as clientes mulheres, contratando os serviços dele para afastar maridos agressores. A consulta deve seguir a linha “mas
a senhora está de TPM? Porque se estiver, este hematoma no seu rosto
deve ser algum delírio derivado da sua disfunção hormonal. Não há causa
de pedir, seu marido não lhe bateu, é sua imaginação. Acontece, a
senhora é mulher”.
Se ele trata as mulheres da forma como
descrita na peça dele, elas, que possuem um padrão social minimamente
aceito, por favor imaginem como ele trata negros e LGBTs. Tenho até medo
do exercício criativo de pensar na consulta que esse homem daria a um
casal LGBT que queira lavrar casamento, ou a um homem negro que sofre
discriminação no atendimento em um restaurante.
Nós, advogados – mulheres e homens – não podemos tolerar a permanência deste ser na OAB.
Cada segundo que passa em que ele ainda pode se dizer advogado é uma
mancha indelével no bom nome da advocacia (e dessa vez, não podemos
colocar a culpa na Globo). Marcos David Figueiredo de Oliveira
desprestigia a classe com essa forma tacanha de pensar e agir no
exercício da advocacia.
Apoio a expulsão SUMÁRIA dos quadros. Faço um apelo especial a Kátia Boulos,
presidente da Comissão Permanente da Mulher Advogada na OAB-SP: que
supervisione o processo disciplinar a que deve ser sujeito este advogado
com a máxima diligência. Porque se ele se dirige assim à magistrada e à
promotora, como acham que ele trata suas sócias, advogadas empregadas e
estagiárias? Como podemos valorizar as mulheres nessa carreira, Dra.
Kátia, com alguém dessa estirpe entre nós? Não podemos. Assim, jamais
conseguiremos. E isso não pode prosperar.
Ele não merece ser
advogado. Não merece estar conosco na luta pela Justiça. Pode ser
militar, lá na brigada do Bolsonaro, mas acredito que nós, mulheres e
homens essenciais à administração da Justiça e brigando por ela todo
dia, estaríamos muito melhor sem ter Marcos David Figueiredo de Oliveira
entre nossos pares.
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