Para Zeina Latif, independente do desfecho do impeachment, governo deve adotar uma agenda que tire o país da crise
Por Zeina Latif*
Cresce o apoio da sociedade ao impeachment, segundo pesquisas de opinião
recentes. Mas isso não significa que ele será aprovado pelo Congresso. Há
questões jurídicas e políticas que tornam o quadro incerto. Qualquer que seja o
desfecho do processo, é crucial que o governo, novo ou velho, esteja preparado
para apoiar tempestivamente uma agenda econômica consistente que tire o país da
grave crise.
Caso contrário, a recessão poderá ser mais severa e comprometerá
de forma preocupante o mercado de trabalho, sem contar o risco de inflação
crescente.
Um cenário com Dilma é certamente muito desafiador, para dizer o mínimo.
Além de não haver clareza sobre a gravidade da crise e suas causas, o déficit
de credibilidade, a incapacidade de apontar os problemas e erros e de propor a
correção de rumo e a falta de apoio político são fatores que ameaçam sua
gestão.
Não há mais tempo para diversionismo. A credibilidade se foi e há urgência
na resposta do governo à crise, que só tem agido para adiar o problema.
O quadro político hoje é ainda mais frágil do que o de 2015, quando Dilma
enfrentou a resistência da própria base aliada ao ajuste fiscal, fruto da
campanha eleitoral que pregou que a desaceleração da economia era temporária e
que os alicerces do crescimento estavam sedimentados. Não se discutiu na
campanha a imperativa mudança na condução da política econômica e a necessidade
de reformas, e isso retirou legitimidade da presidente para fazer o ajuste
fiscal. O PT contestou a inflexão (incompleta, diga-se de passagem) da política
econômica e o resultado é conhecido: o ministro Levy caiu e o risco fiscal
aumentou.
Agora é provável que a base aliada fique ainda mais arisca. Segundo a imprensa,
os petistas depositam em Lula a esperança de governabilidade do país, já que
Dilma não consegue. Enquanto isso, Lula indica que será o presidente de fato,
sinalizando mais afrouxamento fiscal e de crédito e corte da Selic. As reformas
estruturais estariam descartadas – tal como a proposta de reforma da
previdência mais palatável (porém, ineficaz) de Nelson Barbosa, que evita temas
polêmicos, mas necessários, como idade mínima, desvinculação do salário mínimo
e ajustes de regras especiais.
Lula poderá tentar uma reversão abrupta depois do impeachment, fazendo uma
segunda “Carta aos Brasileiros”. Mas não adianta fazer discurso de conciliação
e não entregar uma agenda fiscal ambiciosa o suficiente. Teria de trair suas
promessas e frustrar os anseios do PT e tentar novamente abraçar a agenda do
ajuste, que hoje teria que ser muito mais ambiciosa do que aquela desejada por
Levy, pois o quadro fiscal se agravou. Mas como virar o jogo depois de tantas
promessas ao PT, hoje com ânimos mais acirrados?
Quem aceitaria ser o Levy de
Lula?
O cenário recente é um agravante. Analistas políticos apontam que as
negociações no varejo poderão garantir a minoria necessária para barrar o
processo, mas não a maioria necessária para governar. O PMDB, que cumpriu
importante papel na aprovação das medidas de ajuste fiscal em 2015, procurando
um equilíbrio entre as propostas do governo e as demandas do PT, provavelmente
não terá a mesma postura.
Vale lembrar que Michel Temer assumiu a articulação
política do governo entre abril e agosto do ano passado. A não ser que Lula
proponha uma enorme correção de rumos, o que parece pouco provável, o bloco
oposicionista do PMDB não terá a mesma disposição para cooperar.
Difícil saber como se comportará a oposição tradicional. Antes de a discussão
de impeachment crescer, chegou-se a sinalizar a intenção de apoio a medidas que
vão na direção correta, superando a fase do “quanto pior melhor”. No entanto,
isso não impediu, já no calor das discussões de impeachment, a aprovação em
primeiro turno na Câmara da PEC da Saúde, que eleva o valor mínimo obrigatório
de repasse de recursos da União para entes subnacionais. A oposição pegou
carona na própria decisão de deputados do PT, que decidiram votar
favoravelmente à matéria, contrariando a posição do governo. O risco de a
oposição manter essa postura de aprovação de medidas irresponsáveis, seguindo o
PT, parece relevante, à luz dos fatos recentes.
Já temos presenciado uma mostra do que poderá acontecer no cenário de
continuidade. As últimas decisões do governo e o posicionamento do PT, se
confirmados, estarão contratando mais rombo fiscal. E a conta é grande.
Exemplos disso são a negociação da dívida dos Estados que poderá tomar um
caminho perigoso de não aprovação das contrapartidas, ficando apenas o ônus da
renegociação; a discussão sobre o Banco Central voltar a emitir papéis da
dívida pública, o que contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal; as propostas
recentes que aumentam a rigidez orçamentária e reduzem o rigor fiscal. Em
outras palavras, o governo tem optado por medidas que adiam o enfrentamento dos
problemas e flexibilizam metas fiscais, sem contrapartida de reformas
estruturais, aumentando o risco fiscal.
É difícil a materialização de cenários em que Lula entrega o que o PT deseja
ou, no outro extremo, promove um grande ajuste. Ele poderá ficar no meio do
caminho. No entanto, o “mais do mesmo” só irá agravar ainda mais a crise
econômica, cuja origem está na crise fiscal. Crise econômica se aprofundando
abala os alicerces da política. Assim, é difícil enxergar um cenário com Dilma
como um equilíbrio estável.
*Economista-chefe da XP Investimentos.
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O Brasil e seu equilíbrio instável da continuidade
Para Zeina Latif, independente do desfecho do impeachment, governo deve adotar uma agenda que tire o país da crise
Cresce o apoio da sociedade ao impeachment, segundo pesquisas
de opinião recentes. Mas isso não significa que ele será aprovado pelo
Congresso. Há questões jurídicas e políticas que tornam o quadro
incerto. Qualquer que seja o desfecho do processo, é crucial que o
governo, novo ou velho, esteja preparado para apoiar tem
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