sexta-feira, 1 de abril de 2016

Bruce Martins: tributação de incentivo fiscal dado a empresas é espoliação


O advogado tributarista analisa as manobras da União para tributar créditos de ICMS
Por Laura D'Angelo
laura.cauduro@amanha.com.br
Bruce Martins: tributação de incentivo fiscal dado a empresas é espoliação

Estar em dia com a Receita Federal nunca foi uma tarefa fácil para as empresas. Mas os críticos do sistema tributário brasileiro, um dos mais intrincados do mundo, podem se preparar. Tudo pode piorar ainda mais, especialmente em uma era de crise fiscal sem precedentes, com o governo buscando aumentar sua arrecadação de qualquer maneira.

 Em uma iniciativa que torna o sistema tributário um obstáculo ainda maior ao investimento privado, a União resolveu taxar com Imposto de Renda, Cofins e outros impostos federais os incentivos concedidos pelos Estados às empresas – benefícios que sempre foram entendidos como isentos. Calcula-se que a tributação federal possa representar entre 35% e 40% do valor do subsído recebido. 

“O empresário acorda num dia sabendo que é devedor de impostos, num valor absurdamente alto, dos últimos cinco anos”, conta o advogado tributarista Bruce Bastos Martins, do escritório catarinense Lobo & Vaz. 

Há vários escritórios no país preparando artilharia contra o que consideram uma medida inconstitucional da União. Na entrevista que concedeu a AMANHÃ, Bruce Martins define a ofensiva do governo como uma tentativa de fazer receita a qualquer custo e alerta as empresas para se mobilizarem na proteção dos incentivos – sob pena de sangrarem até fecharem as portas. “É uma espoliação do empresariado pela Receita Federal”, dispara Martins.    


Por que a União está tentando tributar os incentivos que os Estados têm dado para atrair investimentos?
Há mais de três anos que a Receita Federal tem manifestado essa disposição. O governo, mais do que nunca, precisa de caixa e um modo para fazer isso é tributando os créditos presumidos de ICMS concedidos pelos Estados às empresas.  Ele quer cobrar sobre esses créditos PIS, Cofins, Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Sobre Lucro Líquido (CSLL). Para uma empresa que está enquadrada no regime de lucro real, por exemplo, a tributação federal pode representar entre 35% e 40% do valor econômico do incentivo.


A questão-chave é entender o conceito de crédito presumido de ICMS.
São renúncias financeiras que o Estado faz para estimular um certo investimento de uma determinada empresa. Essas renúncias financeiras do Estado são convertidas nos chamados créditos presumidos de ICMS, com o objetivo de estimular um setor específico da economia que é do interesse público fomentar. Mas a realidade é que os créditos presumidos dados à empresa são, na verdade, créditos fictícios. Eles não decorrem de uma transação realizada, de um fato gerador de imposto. E também não partem do interesse da iniciativa privada, e sim do interesse do setor público em viabilizar o investimento privado em um setor de interesse público. Por essa razão é que os valores dos créditos presumidos não são tributáveis, a nosso ver, por PIS, Cofins, IRPJ e CSLL, por exemplo. O Estado abre mão de parte da sua receita para que as empresas recolham menos tributos através dos créditos presumidos.


O crédito presumido de ICMS pode ser concedido a qualquer tipo e porte de empresa?
Cada Estado tem seu próprio regulamento de crédito presumido, mas ele não se limita somente às grandes companhias. Basta que a empresa esteja ativa no lucro presumido ou real, ainda que seja de pequeno porte, para poder receber esse incentivo. O crédito presumido é uma ferramenta incrível para incentivar o pequeno e médio empresário a competir no mercado nacional e, como consequência, para promover o empreendedorismo de uma forma geral. 


Qual é a base de argumentação da União para taxar benefícios fiscais dados pelos Estados? 
A União entende que esses subsídios configuram faturamento das empresas e devem, portanto, entrar na base de cálculo do PIS e da Cofins. No caso do IRPJ e da CSLL, ela considera que há duas situações: quando essas subvenções são destinadas ao investimento da empresa, não há tributação; quando é para o custeio, há tributação. E o que distinguiria um caso do outro? Essa é uma discussão que entra em questões tributárias e jurídicas não muito claras, pouco definidas, o que acaba dando uma brecha para o governo. 


Como a Receita Federal tem buscado esses tributos?
Um fiscal da Fazenda vai até à sede da empresa pedindo os documentos dos últimos cinco anos. Reconhecendo que a companhia não recolheu PIS, Cofins, IRPJ e CSLL sobre os créditos presumidos de ICMS, apresenta um auto de infração, considerando os valores com juros de mora e multa. Se a empresa não se defender, o auto é imediatamente lavrado com uma certidão administrativa e vai para execução fiscal já com os honorários do procurador da Fazenda incluído. A execução fiscal tem uma forte agressividade contra o patrimônio da empresa e, às vezes, até mesmo da pessoa física. Hoje, a Receita consegue, muitas vezes de maneira ilegal, direcionar a dívida da empresa para a pessoa física, como se isso fosse regra e não exceção. O modo como a União trabalha nesses casos é o mais agressivo possível.


A tributação é retroativa?
Sim, pois leva em conta os últimos cinco anos. Para completar o cenário kafkiano dos empresários, ele não só acorda num dia sabendo que é devedor de um valor absurdamente alto como também se descobre devedor dos últimos cinco anos nos quais ele procedia de uma forma que, tanto por juristas e contadores, era considerada correta. A política do governo de fazer receita a qualquer custo tem como primeiro alvo os empresários. Obviamente que isso é o coração da insegurança jurídica dos empresários, que não sabem exatamente no que suas empresas são tributadas ou não.


Pode-se dizer que a crise fiscal é o verdadeiro motivo dessa taxação?
Sem dúvida. A crise política, que é o grande motor das crises econômicas, faz com que o governo, num total desespero, aja de forma autofágica. Ele começa a tirar receita do setor que deveria ser o grande motor da receita do Estado. É o segmento empresarial que faz circular mercadorias, presta serviços e recolhe todos os tributos para o Estado. Essa política tributária inibe a atuação das empresas, que saem do mercado e, assim, acabam diminuindo a receita do governo.


Em que medida essa disposição da Receita pode inibir as negociações de incentivos fiscais que as empresas mantêm com os Estados?
Muito. Quando os Estados concedem um benefício a uma empresa, eles estão agindo em nome do interesse público de fomentar determinado setor econômico. Eles abrem mão da sua receita. A União está agindo tanto contra as empresas como contra os Estados. E nem preciso dizer que não existe melhor cenário para causar uma insegurança jurídica do que esse. Não se pode confiar na União nem no Estado, porque não se sabe se o que está fazendo é legal ou não, se é tributável ou não.


A União alega que inexiste norma prevendo a não tributação do benefício. É um argumento válido?
É um argumento de uma perversidade inigualável. O Direito procura regular situações que ocorrem. Você esperar que o legislador regule situações não ocorridas é de uma total insanidade. Ele teria de legislar não só as situações que acontecem como imaginar todas as possibilidades existentes de um caso específico. E o Direito não funciona assim. No Direito Tributário acontece a mesma coisa. O legislador coloca ali as situações que são tributáveis. E quais não são? Todas as demais. A União usa um argumento idêntico para definir quais empresas inseridas no lucro real têm direito de crédito de PIS e Cofins. Nas situações que não estão previstas para a concessão de crédito, a Fazenda alega que a empresa não pode receber. É impossível para o legislador contemplar todos os casos nos quais se emprega um trabalho que gere direito de crédito. A criatividade na criação de negócios dentro de uma atividade é ilimitada. O modo de pensar da União é perverso e é nitidamente uma maneira de fazer com que ela faça receita, não importando se isso vai ou não estar de acordo com a Constituição Federal e com as leis em vigor no Brasil, por exemplo.


No seu modo de ver, querer cobrar tributos sobre os créditos presumidos de ICMS é inconstitucional?
Sim. Os créditos presumidos possuem uma natureza não tributável. Se forem tributados, haverá uma agressão ao princípio de imunidade recíproca. Esse princípio protege as pessoas jurídicas de direito público, umas das outras, no que se refere à incidência de impostos. Uma pessoa jurídica de direito público não pode tributar a outra, nem ser tributada pela outra. Assim, a União não poderia cobrar tributo de uma receita que é do Estado e da qual ele abriu mão para estimular um setor da economia.


Como está o embate jurídico entre as empresas que receberam incentivos estaduais e a Receita Federal? Como têm decidido os tribunais até aqui?
Com relação ao PIS e ao Confins, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem apresentado um bom histórico a favor do contribuinte. Quanto ao IRPJ e à CSLL, que é uma discussão mais recente, a segunda turma do STJ tem se posicionado cada vez mais a favor dos contribuintes. Hoje se tem uma divisão entre a primeira e a segunda turma. A primeira tem se mostrado a favor da União, em considerar que o IRPJ e a CSLL incidam sobre os créditos presumidos de ICMS. A segunda, principalmente seguindo o entendimento do ministro Napoleão Maia Filho, considera o contrário, que os créditos presumidos são meras renúncias fiscais dos Estados e não poderiam ser considerados receitas nem tampouco lucros das empresas. Logo não são passíveis de nenhum tributo federal. Ele, inclusive, elenca o princípio da imunidade recíproca como uma forma de fortalecer essa tese.


E os Estados? Acompanham a briga a distância? Afinal, a tributação federal pode enfraquecer a capacidade que eles têm de oferecer incentivos atraentes às empresas.
Tenho acompanhado um movimento muito mais ativo do setor privado, através de federações e sindicatos patronais. Apesar de os Estados terem todo o interesse de agir em favor dos seus incentivos, eles não se movimentam de forma alguma. O setor público, por questões políticas, é mais moroso para compor algum tipo de força. A gente sabe que as questões políticas acabam se sobrepondo, principalmente quando a União e os Estados têm outros acordos firmados e preferem resguardá-los.


Como tem sido a mobilização do setor privado?
Está havendo um movimento político por parte dos empresários, de grandes empresas, para produzir uma lei, num primeiro momento por medida provisória, que estabeleça que qualquer tipo de subvenção legal não pode ser tributada por PIS, Cofins, IRPJ e CSLL. É para que haja maior segurança jurídica. Se será bem-sucedido ou não, só o futuro dirá. O empresariado brasileiro não deveria utilizar-se disso para poder dizer uma coisa que a Constituição Federal e as leis já deixam claro: créditos presumidos, enquanto receita dos Estados, não podem ser tributados. Mas é uma questão de sobrevivência. Se o empresariado não criar um corpo político para poder combater esse tipo de ação e de espoliação da Receita Federal, ele só irá sangrar. Sangrar até fechar as portas ou ter de sair do Brasil.


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