segunda-feira, 24 de julho de 2017

Não à volta do protecionismo ao etanol – Por Bob Dinneen e Joel Velasco







O aumento da tarifa de importação desse combustível no Brasil só terá perdedores.

Nos anos 1980 e 1990, o Brasil e os Estados Unidos travaram dura disputa sobre o comércio de etanol – combustível renovável proveniente de cana-de-açúcar no Brasil e de milho nos Estados Unidos. Como defensores de nossas respectivas indústrias, tivemos inúmeras discussões sobre o tema.

Brasileiros argumentavam que a tarifa de importação nos Estados Unidos protegia indevidamente os produtores de etanol americanos. Estes reclamavam dos juros subsidiados e de isenção tributária da produção brasileira. Trocamos farpas em audiência no Congresso americano, na imprensa e em vários fóruns internacionais sobre biocombustíveis e comércio.

Há cerca de uma década, os dois países puseram suas diferenças de lado e chegaram a um acordo para permitir o livre-comércio de etanol. O Brasil suspendeu sua tarifa de 20% por meio da lista de exceções do Mercosul e os Estados Unidos abandonaram seus incentivos fiscais e tarifas de importação.

Somos, ambos, a presença dominante no setor, com mais de 80% da produção global. Sabemos das dificuldades para mudar mentalidades protecionistas arraigadas e para a abertura ao mercado global de biocombustíveis. Mas os benefícios da liberalização estão claros. O Brasil tem ajudado os Estados Unidos a alcançarem metas nacionais e estaduais de biocombustíveis com a oferta de etanol de cana-de-açúcar, combustível considerado avançado, com baixa emissão de carbono. E os Estados Unidos têm sido parceiros confiáveis na oferta de etanol ao mercado brasileiro. Quando há aumento na demanda ou queda na produção no Brasil, o produto americano traz estabilidade ao mercado. Essa dinâmica comprova que um mercado internacional competitivo traz aos consumidores mais opções, melhores preços e menos volatilidade nesse setor.

Não surpreende, assim, que as indústrias brasileira e americana de etanol venham trabalhando juntas para abrir novos mercados e fomentar maior cooperação para benefício dos consumidores dos dois países, hoje, e de todo o mundo no futuro próximo. Nossos países têm cooperado no desenvolvimento de tecnologias e de mercados, investindo milhões de dólares em projetos como etanol de celulose para carros, bioquerosene para aviões e uma enorme gama de produtos renováveis, a partir do açúcar.

A associação internacional de advocacia pró-biocombustíveis, a Global Renewable Funds Association (GRFA), foi formada para promover a educação em relação aos biocombustíveis e abrir novos mercados para os nossos produtos.

Missões internacionais dos Estados Unidos e do Brasil têm beneficiado mercados emergentes, como China, Índia e México. A demanda em outros países tem crescido à medida que os benefícios econômicos e climáticos do etanol se tornam evidentes. Há algumas semanas, por exemplo, conseguimos a aprovação de mistura de 10% de etanol na gasolina no México, expandindo um mercado crescente. Na COP-21, em Paris, as indústrias do etanol de vários países uniram forças para exaltar os benefícios do biocombustível em termos de emissões de gás carbônico. Independentemente da posição deste ou daquele país acerca do Acordo de Paris sobre Clima, acreditamos que, seja o etanol brasileiro ou americano, os benefícios do biocombustível renovável são ingrediente importante para nações interessadas em reduzir o seu consumo de petróleo e outros combustíveis fósseis.

Diante do progresso alcançado, perguntamos, perplexos: por que o governo brasileiro contempla agora uma volta às políticas protecionistas do passado, propondo, via Câmara de Comércio Exterior (Camex), uma tarifa na importação do etanol?

As razões para rejeitar tal proposta são as mesmas de uma década atrás. O aumento da tarifa de importação de etanol no Brasil terá apenas perdedores. Os consumidores pagarão mais ao abastecer os seus carros. Os produtores em ambos os países perderão com a adoção de medidas retaliatórias, num momento delicado de recuo de acordos internacionais de comércio. E emissões de carbono aumentarão, pois o protecionismo no etanol levará a um forte aumento do consumo de gasolina.

É verdade que a exportação de etanol americano para o Brasil cresceu nos últimos dois anos. Além dos abalos impostos ao setor sucroenergético brasileiro pela crise econômica que o País atravessa, a demanda internacional de açúcar tem levado usinas brasileiras a dar prioridade à produção de açúcar. 

O fato de a produção americana suprir essa necessidade pontual é boa notícia para o consumidor brasileiro e não deveria ser pretexto para restaurar políticas protecionistas ultrapassadas. Quando os Estados Unidos e outros mercados se beneficiaram de grandes importações de etanol brasileiro, não houve reclamação no Brasil.

O argumento segundo o qual o protecionismo é necessário para proteger o meio ambiente, dada a diferença de emissão de carbono entre o etanol de milho e o de cana-de-açúcar, não faz sentido. Qualquer biocombustível é melhor do que o petróleo, que não é regulado nem paga tarifa. Hoje, especialmente, quando temos questionamentos sobre políticas de combate às mudanças climáticas, via Acordo de Paris, não devemos criar divergências em busca de ganhos de curto prazo.

Como concorrentes que ganharam o respeito mútuo depois de anos de disputas, conclamamos os líderes brasileiros a dizer não ao protecionismo. Nossos países já trabalharam muito para transformar o etanol numa importante commodity global. Os consumidores ganham quando as indústrias competem umas com as outras. Continuemos o trabalho iniciado de construir um mercado mundial aberto e crescente para o biocombustível (Bob Dinnen é diretor-presidente da Associação de Combustível Renovável (RFA, em inglês), a maior associação de produtores de etanol dos estados unidos; Joel Velasco e sócio da consultoria Albright Stonebridge Group, foi, de 2007 a 2011, representante-chefe na América do Norte da União da Indústria da Cana-de-açúcar (Unica); 

O Estado de S.Paulo)


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