Eles estão contribuindo para uma queda nas reservas internacionais do país por se recusarem a depositar os dólares que compraram em bancos locais
Buenos Aires - Jorge Lischetti se inscreveu para comprar dólares do governo no dia em que a Argentina
flexibilizou os controles. Ele guardou os US$ 300 que lhe permitiram
comprar em janeiro em sua casa, em Buenos Aires, e fez o mesmo no
primeiro dia de fevereiro.
Argentinos como Lischetti, um assessor legal de 24 anos de idade, estão
contribuindo para uma queda nas reservas internacionais do país por se
recusarem a depositar os dólares que compraram em bancos locais.
Mais de doze anos depois que a Argentina restringiu os saques em
dólares e converteu as poupanças nessa moeda para pesos em meio a uma
crise econômica que levou a um calote de US$ 95 bilhões, 91 por cento
daqueles que satisfazem os requisitos para comprar moeda estrangeira do
governo estão pagando uma sobretaxa de 20 por cento para retirar o
dinheiro.
“A história na Argentina é assustadora o suficiente para fazer você
querer manter seu dinheiro fora do banco”, disse Lischetti, em
entrevista, na capital argentina.
Os argentinos se inscreveram para comprar e levar para casa US$ 215
milhões desde que a presidente Cristina Kirchner abriu as compras de
dólares, no dia 27 de janeiro, piorando uma queda nas reservas, que já
atingiram a maior baixa em sete anos.
Os 19 por cento de desvalorização da moeda da Argentina, no mês
passado, e a flexibilização dos controles cambiais refletem os esforços
de Cristina para esfriar as negociações no mercado negro, onde o peso é
36 por cento mais barato que pela taxa oficial.
Ricos, 20%
A Receita Federal argentina recebeu 463.327 pedidos para compra de
moeda estrangeira desde que o governo permitiu, pela primeira vez em 18
anos, que os argentinos mais ricos comprem dólares para economizar pela
taxa de câmbio oficial.
Deste total, 423.645 escolheram pagar uma taxa de 20 por cento sobre o
valor da troca para receber em dinheiro vivo, segundo dados da AFIP,
sigla pela qual o órgão é conhecido.
“Em um contexto de incerteza como esse, os argentinos que viveram
tempos de hiperinflação e numerosas megadesvalorizações querem manter
seus dólares”, disse Belén Olaiz, analista da abeceb.com, uma empresa de
pesquisas de Buenos Aires.
Na crise financeira de 2001, a Argentina congelou as poupanças para
interromper uma corrida aos bancos, uma medida chamada de “corralito”.
No início do ano seguinte, o governo forçou os bancos a converter as
poupanças denominadas em dólar para pesos, o que reduziu as economias
das pessoas a um quarto de seu valor.
Os argentinos têm estimados US$ 160 bilhões em fundos não declarados
mantidos no exterior ou guardados em casa, segundo o governo.
O Federal Reserve, o Banco Central americano, estimou em um relatório
de 2006 que a Argentina, que a CIA diz que é o 33º país mais populoso do
mundo, tinha pelo menos US$ 50 bilhões em dinheiro americano, em torno
de um em cada nove dólares que circulavam no exterior à época.
Relaxamento cambial
Taxas de juros
A redução dos controles cambiais depois que Cristina Kirchner proibiu a
maior parte das compras de dólares, em outubro de 2011, significa
também que os argentinos podem obter um lucro rápido de 30 por cento em
pesos trocando os dólares no mercado de câmbio ilegal, segundo Olaiz.
O peso é negociado a 7,8777 por dólar no mercado oficial e a cerca de 12,40 por dólar nas ruas de Buenos Aires.
A taxa implícita para a compra de dólares é de cerca de 9,46 pesos,
depois de somada a taxa para se manter o valor adquirido em dinheiro
vivo. Cinco operadores do mercado negro entrevistados na rua Florida, no
centro de Buenos Aires, dizem que não viram nenhum sinal de
consumidores fazendo isso.
No dia 26 de janeiro, o chefe de Gabinete da Presidência argentina, Jorge Capitanich, criticou aqueles que acumulam dólares.
“É muito egoísmo guardar dinheiro embaixo do colchão quando você
poderia comprar um título do governo”, disse ele, em entrevista à rede
de televisão C5N.
No mais recente esforço para segurar as reservas e atrair investidores
para ativos em pesos, as autoridades elevaram as taxas de juros e
prometeram que o peso se estabilizará em cerca de 8 por dólar.
Contudo, as taxas de juros não compensam uma inflação estimada em 28
por cento e os contratos a termo de moeda sem entrega física mostram que
os operadores acreditam que o peso vai enfraquecer para 11,7 por dólar
ao longo dos próximos 12 meses.
“As pessoas não sabem se estamos no meio de uma crise e se esses
dólares valerão muito mais no futuro ou se haverá uma outra
desvalorização”, disse Olaiz.
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