sexta-feira, 11 de abril de 2014

Uma disputa e tanto


Claudius
por Silvio Caccia Bava

Em setembro de 2011, a OAB ajuizou junto ao Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – a ADI 4.650 – contra o financiamento de campanha eleitoral feito por empresas. Contou com a CNBB, o PSTU, o Instituto de Pesquisa em Direito Eleitoral da Uerj e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) como amici curiaeda ação, isto é, copatrocinadores. O argumento central é que o financiamento empresarial de campanhas eleitorais fere a democracia, que é uma relação entre cidadãos, e que essa distorção acaba submetendo a democracia aos interesses do poder econômico.

Uma breve retrospectiva sobre a questão pode ajudar a compreender a importância dessa iniciativa. A Lei Orgânica dos Partidos Políticos, de 1965, proibia as doações de empresas privadas a campanhas eleitorais, o que se manteve até o impeachment do presidente Collor, em 1992. Foi no governo Fernando Henrique Cardoso que o Congresso Nacional aprovou as Leis n. 9.096/1995 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos) e n. 9.504/1997 (Lei das Eleições), que permitem doações financeiras por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais e a partidos políticos. Tal modificação nas regras do financiamento eleitoral deu um enorme poder às grandes empresas, que passaram a ser determinantes para a eleição de candidatos. Essa é mais uma das características do período, no qual o neoliberalismo impôs a hegemonia do “mercado” no comando da sociedade. Em 2010 foram grandes empresas que bancaram 95% do custo das campanhas eleitorais. Apenas 4,9% das doações vieram de pessoas físicas, ao passo que em 2004 essa fatia era de 27%. 

O custo das eleições teve também um aumento estratosférico. Nas eleições de 2002, os gastos totais de campanhas eleitorais somaram R$ 800 milhões. Em 2010, eles chegaram a R$ 4,9 bilhões, segundo o juiz eleitoral Márlon Jacinto Reis, um dos criadores do MCCE. Para eleger um deputado federal, gastou-se em 2010, em média, R$ 1,1 milhão; um senador, R$ 4,5 milhões; um governador, R$ 23,1 milhões. O encarecimento das campanhas é um funil: quanto mais caras, menos chances para os que têm menos recursos.

Os resultados são evidentes: 62% dos deputados federais eleitos – 320 parlamentares – receberam doações de apenas 5% das empresas que financiaram campanhas eleitorais naquele ano. E assim se formam as bancadas dos interesses privados. Esses gastos também são considerados um bom investimento, uma vez que, para cada real investido nas campanhas eleitorais, as empresas obtêm R$ 8,50 em contratos públicos, segundo pesquisa do Instituto Kellogg Brasil. Entre as principais empresas doadoras em 2010 estão: Camargo Corrêa, OAS, Andrade Gutierrez, Siderúrgica Gerdau, Banco Alvorada (Bradesco), BMG, Itaú/Unibanco, Santander, JBS/Friboi, Ambev, Votorantim Comércio de Energia. Os investimentos são altos. Segundo a Transparência Brasil, o custo total das eleições de 2010 e 2012 chega a R$ 10,8 bilhões. Apenas para comparar, nas últimas eleições ocorridas na França, no ano passado, somado todo o dinheiro empregado nas campanhas eleitorais presidenciais e legislativas, foram gastos US$ 30 milhões.

Em 5 de novembro de 2013, o grupo de trabalho criado na Câmara dos Deputados para discutir a reforma política aprovou o texto da Proposta de Emenda à Constituição que estabelece mudanças no sistema eleitoral e de representação dos partidos. Quanto ao financiamento de campanhas, a proposta mantém a legislação atual e determina que cada partido político poderá escolher se quer receber dinheiro privado, público ou ambos.

Em 20 de novembro de 2013, o Senado aprovou uma minirreforma eleitoral que, no entanto, também mantém o financiamento por empresas de campanhas eleitorais. As mudanças são tópicas e, segundo avaliações, favorecem os grandes partidos e reduzem o poder de fiscalização da Justiça Eleitoral, entre outras coisas.

No julgamento pelo STF da ADI 4.650, iniciado em 11 de dezembro de 2013, quatro dos onze ministros dessa instituição votaram a favor da proibição do financiamento de campanhas eleitorais pelas empresas. São eles: Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Joaquim Barbosa. O ministro Teori Zavascki pediu vista da ADI, e o julgamento foi suspenso sem data para ser retomado. Faltam dois votos para que se obtenha a maioria, e a expectativa é de que, dos sete ministros que faltam votar, ao menos dois concordem com a tese da proibição. Para concluir a votação, Teori Zavascki precisa devolver o processo ao pleno do STF. Se a decisão de impedir o financiamento de campanhas eleitorais por empresas ocorrer antes do dia 10 de junho, ela vale para a eleição deste ano.

Na corrida contra o tempo, para tentar impedir uma possível decisão do STF proibindo o financiamento privado de campanhas eleitorais, a Câmara dos Deputados se prepara para votar logo sua proposta de reforma eleitoral. Aí, como se sabe, a “bancada das empresas” tem maioria.

Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil

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