O ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica diz que o governo contrariou as leis de mercado – e que corremos até risco de apagão durante a Copa
LEANDRO LOYOLA
07/02/2014 21h16
- Atualizado em
07/02/2014 21h18
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A quarentena faz bem ao professor Edvaldo Alves de Santana. Livre de
amarras após deixar seu posto de diretor na Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) e “sem cerimônia para dar notícia ruim”, Edvaldo pode
falar o que pensa sobre o setor elétrico – após 39 anos de trabalho (13
na agência, oito deles como diretor). Ao deixar a Aneel no final do ano
passado, Edvaldo fez várias críticas em uma mensagem. Ele afirma que o
governo – com a ajuda da Aneel – errou na medida provisória que reduziu as contas de luz e gerou uma conta de R$ 22 bilhões a pagar pelo contribuinte brasileiro.
ÉPOCA – Por que temos tantos apagões?
Edvaldo Santana – A explicação não é tão direta. As empresas reclamam muito que, nos últimos dez anos, o foco tem sido a redução da tarifa. Então a Aneel aperta muito nos custos. Pode ser que essa redução de receita tenha sido excessiva, a ponto de as empresas instalarem equipamentos que não seriam os mais adequados.
ÉPOCA – Por que temos tantos apagões?
Edvaldo Santana – A explicação não é tão direta. As empresas reclamam muito que, nos últimos dez anos, o foco tem sido a redução da tarifa. Então a Aneel aperta muito nos custos. Pode ser que essa redução de receita tenha sido excessiva, a ponto de as empresas instalarem equipamentos que não seriam os mais adequados.
ÉPOCA – Ao sair da Aneel, no final do ano, o senhor enviou uma
mensagem dizendo que o governo errou na medida provisória que reduziu o
valor da conta de luz. Por quê?
Edvaldo – Tudo isso tem de ser feito conforme regra de mercado, para não tirar os incentivos (às empresas). A conta foi errada. Pagaram-se R$ 12 bilhões em indenizações às usinas. Elas reclamam mais R$ 10 bilhões. Quem ajudou o governo, a própria Aneel, infelizmente se envolveu com isso, fez a conta errada. Não conhecia todo o sistema a ponto de orientar a conta da maneira mais correta.
Edvaldo – Tudo isso tem de ser feito conforme regra de mercado, para não tirar os incentivos (às empresas). A conta foi errada. Pagaram-se R$ 12 bilhões em indenizações às usinas. Elas reclamam mais R$ 10 bilhões. Quem ajudou o governo, a própria Aneel, infelizmente se envolveu com isso, fez a conta errada. Não conhecia todo o sistema a ponto de orientar a conta da maneira mais correta.
ÉPOCA – O senhor disse que, nesse caso, a Aneel se envolveu em
um “vale-tudo, a ponto de esconder notas técnicas”. Que notas eram
essas?
Edvaldo – Dois diretores da Aneel participaram (das negociações no governo), mas não como Aneel. Eles iam lá individualmente. O Nélson Hubner (então diretor-geral da Aneel) e o próprio Romeu Rufino, o diretor-geral atual. Eu também, se fosse chamado, participaria. Talvez eu, como não tenho a menor cerimônia para dar notícia ruim, fosse descartado. Como não era a Aneel que participava oficialmente, as notas técnicas feitas não foram aprovadas pela diretoria. Mas seguiram para o ministério e para a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) como se fossem. Se fosse para a diretoria aprovar, não seriam aprovadas sem audiência pública. É ali, em audiência pública, com transparência, que se resolve todo esse problema.
Edvaldo – Dois diretores da Aneel participaram (das negociações no governo), mas não como Aneel. Eles iam lá individualmente. O Nélson Hubner (então diretor-geral da Aneel) e o próprio Romeu Rufino, o diretor-geral atual. Eu também, se fosse chamado, participaria. Talvez eu, como não tenho a menor cerimônia para dar notícia ruim, fosse descartado. Como não era a Aneel que participava oficialmente, as notas técnicas feitas não foram aprovadas pela diretoria. Mas seguiram para o ministério e para a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) como se fossem. Se fosse para a diretoria aprovar, não seriam aprovadas sem audiência pública. É ali, em audiência pública, com transparência, que se resolve todo esse problema.
ÉPOCA – O governo fez pressão pela redução da tarifa?
Edvaldo – O governo tinha uma boa ideia na mão e não soube usar os instrumentos ideais para pô-la em prática. Aí acabou fazendo uma coisa dificílima de consertar. Não sei se a hora era aquela. Como posso reduzir o preço de um produto que pode faltar? Foi como dizer ao consumidor: “Pode consumir que o custo da energia está baixo”. E o custo da energia está elevado. A gente tem de dizer a verdade para o consumidor. Foi um equívoco muito grande da Aneel.
Edvaldo – O governo tinha uma boa ideia na mão e não soube usar os instrumentos ideais para pô-la em prática. Aí acabou fazendo uma coisa dificílima de consertar. Não sei se a hora era aquela. Como posso reduzir o preço de um produto que pode faltar? Foi como dizer ao consumidor: “Pode consumir que o custo da energia está baixo”. E o custo da energia está elevado. A gente tem de dizer a verdade para o consumidor. Foi um equívoco muito grande da Aneel.
ÉPOCA – Foi feito rápido demais?
Edvaldo – Não. Levou mais de um ano. Se tivessem aproveitado todo esse tempo para ouvir as pessoas que deveriam ser ouvidas, teria sido muito melhor. As pessoas que estavam mais envolvidas, pelo que sei, não têm o conhecimento total. Alguns não sabem nem o que significa passar o risco regulatório para o consumidor. Não têm a menor noção.
Edvaldo – Não. Levou mais de um ano. Se tivessem aproveitado todo esse tempo para ouvir as pessoas que deveriam ser ouvidas, teria sido muito melhor. As pessoas que estavam mais envolvidas, pelo que sei, não têm o conhecimento total. Alguns não sabem nem o que significa passar o risco regulatório para o consumidor. Não têm a menor noção.
ÉPOCA – Quem eram essas pessoas?
Edvaldo – O (Maurício) Tolmasquim (presidente da EPE), os diretores da EPE, o (Márcio) Zimmermann (secretário executivo do Ministério de Minas e Energia), o Nélson Hubner, o Romeu (Rufino)... Desses que eu listei aí, não tem um só deles que tenha um conhecimento profundo de operação do sistema. Nenhum deles. Não tem como você colocar só cinco, seis pessoas numa sala, e essas pessoas terem o conhecimento total para fazer uma mudança de tal profundidade como essa.
Edvaldo – O (Maurício) Tolmasquim (presidente da EPE), os diretores da EPE, o (Márcio) Zimmermann (secretário executivo do Ministério de Minas e Energia), o Nélson Hubner, o Romeu (Rufino)... Desses que eu listei aí, não tem um só deles que tenha um conhecimento profundo de operação do sistema. Nenhum deles. Não tem como você colocar só cinco, seis pessoas numa sala, e essas pessoas terem o conhecimento total para fazer uma mudança de tal profundidade como essa.
ÉPOCA – Corremos risco de enfrentar um novo racionamento?
Edvaldo – O governo tem dito que o risco de racionamento é zero. Na realidade, o risco nunca é zero. Eu diria que, hoje, o risco está bem maior do que em outubro passado. Os reservatórios que interessam, do Sudeste e do Nordeste, começam a encher a partir de novembro. O tempo está passando, e a chuva não está caindo. Com isso, há o risco maior de haver racionamento. (Esse risco, no entanto) é bem menor que em 2001/2002, porque hoje há muitas térmicas. Desde que se queira pagar pelo custo da térmica, o risco de racionamento é muito menor.
Edvaldo – O governo tem dito que o risco de racionamento é zero. Na realidade, o risco nunca é zero. Eu diria que, hoje, o risco está bem maior do que em outubro passado. Os reservatórios que interessam, do Sudeste e do Nordeste, começam a encher a partir de novembro. O tempo está passando, e a chuva não está caindo. Com isso, há o risco maior de haver racionamento. (Esse risco, no entanto) é bem menor que em 2001/2002, porque hoje há muitas térmicas. Desde que se queira pagar pelo custo da térmica, o risco de racionamento é muito menor.
ÉPOCA – Há risco de termos apagões durante a Copa do Mundo, já que o consumo crescerá?
Edvaldo – A Copa do Mundo não afetará de maneira significativa o consumo de energia elétrica. Se fosse assim, todos os anos a Coelba, da Bahia, e a Celpe, de Pernambuco, teriam de fazer reforço para receber 1 milhão de pessoas durante quatro dias do Carnaval. Quando o governo começou com essas obras da Copa, vários Estados e empresas aproveitaram e colocaram como se fossem obras da Copa obras que, na verdade, não eram da Copa. A Copel (companhia de energia do Paraná) queria colocar como obra da Copa um cabo submarino adicional para a Ilha do Mel. Se tiver corte de carga durante a Copa, pode ter certeza: não foi por causa da Copa, foi porque há problemas maiores.
Edvaldo – A Copa do Mundo não afetará de maneira significativa o consumo de energia elétrica. Se fosse assim, todos os anos a Coelba, da Bahia, e a Celpe, de Pernambuco, teriam de fazer reforço para receber 1 milhão de pessoas durante quatro dias do Carnaval. Quando o governo começou com essas obras da Copa, vários Estados e empresas aproveitaram e colocaram como se fossem obras da Copa obras que, na verdade, não eram da Copa. A Copel (companhia de energia do Paraná) queria colocar como obra da Copa um cabo submarino adicional para a Ilha do Mel. Se tiver corte de carga durante a Copa, pode ter certeza: não foi por causa da Copa, foi porque há problemas maiores.
ÉPOCA – Mas e se a seca continuar?
Edvaldo – Aí vem outro problema que eu acho uma brutalidade enorme com o consumidor. Até a semana passada, havia 13.000 megawatts de termelétricas acionados (energia comprada quando falta energia das hidrelétricas). Se (o governo) pedisse para cada um de nós desligar uma lâmpada, não precisaria acionar essas térmicas. Essa térmica faz com que o consumidor tenha de pagar uma conta mais cara. É assim porque o governo não quer falar em conservar energia, porque fica parecendo racionamento. Na realidade, é explicar ao consumidor que, se todos fizermos muito pouco, não precisamos pagar tanto.
Edvaldo – Aí vem outro problema que eu acho uma brutalidade enorme com o consumidor. Até a semana passada, havia 13.000 megawatts de termelétricas acionados (energia comprada quando falta energia das hidrelétricas). Se (o governo) pedisse para cada um de nós desligar uma lâmpada, não precisaria acionar essas térmicas. Essa térmica faz com que o consumidor tenha de pagar uma conta mais cara. É assim porque o governo não quer falar em conservar energia, porque fica parecendo racionamento. Na realidade, é explicar ao consumidor que, se todos fizermos muito pouco, não precisamos pagar tanto.
ÉPOCA – Em geral, o governo atribui os apagões a fatores aleatórios ou climáticos, como um raio ou uma queimada. Somos azarados ou essas explicações são inverossímeis?
Edvaldo – O caso do raio, em outubro de 2009, naquela subestação de Itaberá é um bom exemplo. De todos esses apagões, foi o maior deles. Uma, duas horas após o acidente, as autoridades vieram à televisão, para dizer que tinha sido um raio. O relatório de fiscalização da Aneel, que aplicou uma multa de mais de R$ 30 milhões em Furnas, não fala em raio. Como as autoridades começaram a falar em raio, Furnas investiu uma fortuna em equipamentos para reforçar os para-raios. Para mim, gastou dinheiro à toa, porque foi problema de manutenção nas instalações. O presidente do Conselho de Administração da Eletrobras é o secretário executivo do ministério (de Minas e Energia, Márcio Zimmermann). Ele também é o presidente do Conselho de Administração do ONS. O presidente do Conselho de Administração do ONS não pode ser a própria pessoa que controla 70% do sistema de transmissão. Se ele e o diretor-geral do ONS falam que foi raio, e tentam justificar o raio, dali em diante toda a cadeia para apuração da realidade fica comprometida. Furnas procurou desqualificar o relatório da Aneel, em lugar de usar o relatório para fazer as melhorias cabíveis. O caso da queimada (no Piauí, em agosto do ano passado): é impossível uma queimada numa linha de transmissão que transporta 1.000 megawatts provocar a derrubada do sistema em 10.000 megawatts.
Edvaldo – O caso do raio, em outubro de 2009, naquela subestação de Itaberá é um bom exemplo. De todos esses apagões, foi o maior deles. Uma, duas horas após o acidente, as autoridades vieram à televisão, para dizer que tinha sido um raio. O relatório de fiscalização da Aneel, que aplicou uma multa de mais de R$ 30 milhões em Furnas, não fala em raio. Como as autoridades começaram a falar em raio, Furnas investiu uma fortuna em equipamentos para reforçar os para-raios. Para mim, gastou dinheiro à toa, porque foi problema de manutenção nas instalações. O presidente do Conselho de Administração da Eletrobras é o secretário executivo do ministério (de Minas e Energia, Márcio Zimmermann). Ele também é o presidente do Conselho de Administração do ONS. O presidente do Conselho de Administração do ONS não pode ser a própria pessoa que controla 70% do sistema de transmissão. Se ele e o diretor-geral do ONS falam que foi raio, e tentam justificar o raio, dali em diante toda a cadeia para apuração da realidade fica comprometida. Furnas procurou desqualificar o relatório da Aneel, em lugar de usar o relatório para fazer as melhorias cabíveis. O caso da queimada (no Piauí, em agosto do ano passado): é impossível uma queimada numa linha de transmissão que transporta 1.000 megawatts provocar a derrubada do sistema em 10.000 megawatts.
ÉPOCA – Temos mais problemas de gestão ou de infraestrutura no sistema elétrico?
Edvaldo – Temos problemas de infraestrutura, com obras atrasadas por problema ambiental. Hoje, a capacidade de transmissão é mais que o dobro da carga, portanto o problema de infraestrutura não é o que provoca grandes ocorrências. O total de carregamento do sistema de transmissão em situação normal é de apenas 30% do que poderia passar num dia. O sistema funciona com folga de 70%. Na Europa, esse índice de carregamento é quase 60%. A rigor, há mais transmissão do que precisaria – desde que o controle e a coordenação fossem mais adequados.
Edvaldo – Temos problemas de infraestrutura, com obras atrasadas por problema ambiental. Hoje, a capacidade de transmissão é mais que o dobro da carga, portanto o problema de infraestrutura não é o que provoca grandes ocorrências. O total de carregamento do sistema de transmissão em situação normal é de apenas 30% do que poderia passar num dia. O sistema funciona com folga de 70%. Na Europa, esse índice de carregamento é quase 60%. A rigor, há mais transmissão do que precisaria – desde que o controle e a coordenação fossem mais adequados.
ÉPOCA – O senhor falou que, perto de o senhor sair, houve um retrocesso. Que retrocesso é esse?
Edvaldo – É o Tesouro voltar a pagar a conta (da energia). Tirou-se o incentivo, via mercado, para os geradores fazerem o que deveriam fazer para ganhar dinheiro. Essa intervenção (da medida provisória que reduziu a conta de luz) tira todo o incentivo para a empresa buscar a eficiência. Já foi assim até 1998 e não deu certo. Gerou uma conta de US$ 27 bilhões que o Tesouro teve de pagar. Agora, voltou a ser como era na época mais triste do setor elétrico.
Edvaldo – É o Tesouro voltar a pagar a conta (da energia). Tirou-se o incentivo, via mercado, para os geradores fazerem o que deveriam fazer para ganhar dinheiro. Essa intervenção (da medida provisória que reduziu a conta de luz) tira todo o incentivo para a empresa buscar a eficiência. Já foi assim até 1998 e não deu certo. Gerou uma conta de US$ 27 bilhões que o Tesouro teve de pagar. Agora, voltou a ser como era na época mais triste do setor elétrico.
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