No
Brasil atual, a livre iniciativa e o trabalho não são livres. São totalmente
regulamentados. E quem resolve empreender ou tirar um sonho do papel é visto
como louco — ou como desempregado e desesperado.
Isso
é reflexo das leis e normas existentes no país e não da nossa "cultura da
dependência". Muito se fala sobre isso, com muitas pessoas dizendo que o
Brasil sempre foi avesso à livre iniciativa. Falso. O brasileiro sempre foi um
povo empreendedor e construtor de riquezas. Quem acaba com a liberdade de
trabalhar e empreender é o estado.
Nossas
leis e constituições simplesmente não reconhecem esse valor inerente ao povo
brasileiro. Quer ver uma prova?
O
Brasil livre, de jura e de fato, nasceu junto com a independência do país.
Nossa primeira constituição foi escrita em 1824, inspirada na Constituição dos
Estados Unidos, criada 35 anos antes. Ela impunha limites ao estado, e não ao
cidadão empreendedor. Além de segurar o apetite do estado em tornar-se cada vez
maior, essa constituição garantia que as pessoas nunca teriam sua livre
iniciativa censurada pelo poder público.
Porém,
após a constituição de 1824 (clique para ler na integra),
nossos políticos conscientemente foram transformando o Brasil em um estado
tirânico que age à revelia do indivíduo. Com efeito, houve uma verdadeira
involução jurídica desde então nesse aspecto.
Para
tornar a demonstração do que eu quero dizer mais clara, e também para que não
fique a impressão que estou fazendo uma livre interpretação dos fatos, vou
transcrever literalmente, inclusive com o português da época, as cláusulas de
liberdade individual que regulamentavam o trabalho com o passar das constituições.
Teço
breves comentários abaixo de cada uma das alterações, somente para ilustrar o
que foi alterado.
Constituição de 1824
"Nenhum gênero de trabalho, de cultura, indústria
ou comércio pode ser proibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos,
à segurança, e saúde dos cidadãos".
Comentário:
Em duas linhas a constituição brasileira de 1824 reduz ao máximo o que o
governo pode regular em nossos trabalhos ou empresas. Nada é proibido, exceto
aquilo que ofenda o bom senso. Sensatez igual não se viu mais. Vejamos.
Constituição de 1891
"É garantido o livre exercício de qualquer
profissão moral, intellectual e industrial".
Comentário:
a primeira carta magna da república. Atenção para o termo
"garantido". Fica claro desde o começo que o estado é quem garante as coisas no Brasil, mesmo
aquilo que é um direito natural. Com esta constituição, a liberdade deixa de
ser sua e não mais pode ser garantida diretamente por você, mas sim pelo
estado. A liberdade é do estado, e ele a concede aos cidadãos, em uma espécie
de cessão de direitos. Percebam a inversão de valores.
Constituição de 1934
"É livre o exercício de qualquer profissão,
observadas as condições de capacidade technica e outras que a lei estabelecer,
ditadas pelo interesse público".
Comentário:
A primeira constituição de Getúlio Vargas determinou que só pode ser feito o
que for de interesse público, e o responsável por interpretar o que é de
interesse público tem, de fato, o poder para interpretar o que o brasileiro
pode ou não fazer.
Constituição de 1937
"A liberdade de escolha de profissão ou do gênero
de trabalho, indústria ou commercio, observadas as condições de capacidade e as
restricções impostas pelo bem publico, nos termos da lei".
Comentário:
Getúlio Vargas decretou o chamado Estado Novo no mesmo dia em que promulgou uma
nova constituição. A partir de então, até a escolha do tipo de empreendimento
deveria ser analisada para ver se estava de acordo com a lei.
Constituição de 1946
"É livre o exercício de qualquer profissão,
observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer".
Comentário:
Se, por um lado, a mudança foi boa, pois aquela "liberdade de
escolha" foi removida do artigo, por outro, a liberdade de exercício é que
passou a ser regulada, o que torna o efeito ainda mais perverso, já que a
partir de então até a forma como um trabalho era exercido passava a ser
controlada pelo governo.
Constituição de 1967
"É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício
ou profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer".
Comentário:
Com a nova mudança, acrescentou-se o "trabalho" e o
"ofício" sob o poder regulatório da constituição, já que o trabalho
regulado cria o trabalho não-regulado. Foi uma tentativa de extensão de
controle malfeita.
Constituição de 1988
"É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício
ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".
Comentário:
A partir de 1988, não somente as escolhas das pessoas foram limitadas por sua
capacitação, mas o órgão responsável por julgar se você pode ou não realizar
tal tarefa não é mais você, nem seu empregador ou cliente, mas um burocrata do
estado. A partir de 1988 a liberdade de poder trabalhar deixou de existir por
completo.
Liberdade para trabalhar: acabando aos poucos
Quando
pensamos em leis e constituições antigas pensamos em retrocesso. Ledo engano.
Essa é a versão criada pelas escolas durante o século XX para validar a
república presidencialista e a lógica de avanços do poder do estado contra uma
sociedade livre.
Fica
documentado, portanto, que, desde a primeira constituição da república, a
capacidade de escolher e exercer qualquer trabalho foi sendo continuamente
limitada ao ponto atual da estagnação.
A
ideia de que a liberdade de trabalho é um direito natural e que não deve ser
condicionada a qualquer regulamentação deve preceder a elaboração de qualquer
constituição. Toda constituição deve, no mínimo, reconhecer isso.
Porém,
basta ler as constituições do Brasil do século XX para perceber que esse
conceito desapareceu. O Brasil do século XXI terá de resgatar princípios
atemporais para não ficar no eterno atraso.
*. Luiz Philippe Orleans e Bragança é
bacharel em Administração de Empresas pela FAAP, mestre em Ciências Políticas
por Stanford (EUA), e possui MBA pelo INSEAD, da França. Já trabalhou no JP
Morgan, em Londres, e no Lázard Freres, em Nova York. Foi Diretor de
Desenvolvimento de Negócios da America Online (AOL) na América Latina (AOL).
Atualmente, possui uma empresa na área de distribuição de moto-peças e uma
incubadora de tecnologia.
https://groups.google.com/forum/#!msg/advocaciaejustica/Mgp1RScvTOA/3WSQ1pmEBwAJ
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