sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Moedas de emergentes sofrem com crise argentina e aversão a risco


Por Angela Bittencourt, Assis Moreira e Silvia Rosa | Valor, com Dow Jones Newswires

SÃO PAULO  -  A aversão ao risco dominou os mercados mundiais na sexta-feira, pelo segundo dia consecutivo, com pressões sobre as moedas dos mais importantes países emergentes. A crise cambial vivida pela Argentina - cuja divisa tombou ontem perante o dólar - repercute nas negociações com as moedas emergentes, que já sofriam com indicadores mais fracos das economias chinesa e americana. O resultado foi uma semana de forte valorização do dólar, em prejuízo do dinheiro brasileiro, turco, indiano, russo e sul-africano.

O nervosismo ganhou tamanha magnitude que, no Brasil – economia em condições incomparavelmente mais favoráveis que a Argentina --, ontem o dólar esticou ao preço mais alto desde agosto (R$ 2,4030, alta de 1,31%) e os juros futuros dispararam. Embora esses ativos tenham devolvido na sexta-feira parte dos ganhos exagerados da véspera, a tensão persiste.

Nesta sexta-feira, a moeda americana subiu 1,7% perante a lira turca e 1,36% sobre o rublo. Avançou 1,2% frente à rúpia e 1% em relação ao rand sul-africano. No Brasil, o dólar cedeu um pouco de terreno, ao fechar o pregão em queda de 0,25%, mas acumulou elevação de 2,17% frente ao real na semana.


Cenário desfavorável


A intervenção do governo da Argentina para conter a alta do dólar no país provocou o resultado contrário: na quinta-feira, a moeda americana disparou 14% no câmbio oficial, fechando a 7,75 pesos, e no mercado paralelo a 12,85 pesos. Hoje, o dólar oficial encerrou a 8 pesos para a venda, alta de 1,51% e, no mercado paralelo, a 11,7 pesos. A moeda americana reduziu a valorização hoje após a decisão do governo de afrouxar as restrições de mercado de câmbio para pessoas físicas

À situação delicada na Argentina, soma-se o fato de que muitos estrategistas acham que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) vai anunciar um novo corte de US$ 10 bilhões no programa mensal de compra de bônus na reunião da próxima semana. Diante desse cenário, os investidores fogem do risco e se refugiam em ativos considerados mais seguros, o que agrava a tendência de desvalorização das divisas de emergentes.


Desconversa em Davos


A crise cambial na Argentina atraiu atenções no Fórum Econômico Mundial. Jornais internacionais distribuídos no evento traziam manchetes com a situação do país. Entretanto, várias personalidades, indagadas sobre a crise argentina, evitaram comentar abertamente o assunto.

Uma que se esquivou foi a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde. “Adoro vocês brasileiros, mas realmente não vou falar sobre Argentina”, disse, ao ser questionada pela reportagem do Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor. O ministro de Finanças da França, Pierre Moscovici, preferiu suspender uma entrevista quando a pergunta foi também sobre a Argentina.

Mas a avaliação é que o país pode ter um fôlego se conseguir chegar logo a um acordo com o Clube de Paris sobre suas dívidas com credores oficiais. Isso poderia dar uma mensagem ao mercado de que Buenos Aires busca saídas. A Argentina tem dívidas com 16 dos 19 países membros do Clube, mas os dois lados divergem sobre o montante do débito, se US$ 6,8 bilhões e US$ 10 bilhões, dependendo da forma como são calculados os juros acumulados e as multas pelos atrasos.


Ecos na América Latina


A repercussão da crise cambial na Argentina sobre países vizinhos e outros emergentes não é objeto de consenso entre especialistas ouvidos pelo Valor PRO. O secretário-geral da Secretaria Geral Ibero-americana (Segib), Enrique Iglesias, acredita que a turbulência tem impacto no resto da América Latina e vai ser sentida por algum tempo.

Para uma alta fonte financeira internacional com foco em emergentes, que prefere não ter o nome publicado, a crise cambial na Argentina ficará contida no país. Ao seu ver, os mercados percebem a distinção entre a Argentina e outros países da região. “A situação na Argentina é preocupante para os argentinos, fundamentalmente”, afirmou.

Por sua vez, um importante banqueiro, que pediu que seu nome não fosse citado, disse que a crise argentina atinge o Brasil, mas que o país se “descolou” dos problemas do vizinho.

Já o presidente do BTG Pactual, André Esteves, avalia que as turbulências cambiais vividas pela Argentina não deveriam afetar outros mercados emergentes. Para ele, eventos na Turquia (onde denúncias de corrupção atingem o governo e agravam a desvalorização da moeda) são mais importantes. “A Argentina não está integrada ao sistema financeiro global dadas suas ações históricas. O que está acontecendo na Turquia é muito mais importante para a confiança dos mercados emergentes”, afirmou, em Davos.

Outra fonte do setor financeiro, também ouvida em Davos, notou que, em todo caso, a retirada gradual da injeção de liquidez promovida pelo Federal Reserve terá impacto nos emergentes. E, se a Argentina ocupar as manchetes e outras moedas de emergentes caírem cada vez que os resultados econômicos da China são anunciados, isso torna-se um complicador adicional.

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