O episódio dos paraguaios barrados no Paraná demonstra a fragilidade dos acordos do Mercosul.
Ônibus com paraguaios com destino a
São Paulo foram barrados pela Polícia Rodoviária Federal no Estado do
Paraná, na última semana. Os números não estão totalizados, mas há, pelo
menos, 180 pessoas envolvidas.
A notícia correu os veículos de comunicação e, ato contínuo, as redes
sociais polvilharam comentários que defendiam o fim dessa “invasão” de
paraguaios e até ações dos próprios cidadãos contra esses “imigrantes
ilegais” – no melhor estilo dos grupos paramilitares que atuam na
fronteira entre Estados Unidos e México. Também falou-se em necessária
deportação de invasores.
Infelizmente, isso é decorrência de nossa falta informação com relação aos direitos dos imigrantes no Brasil.
Antes de mais nada: paraguaios podem entrar no Brasil sem precisar de
visto ou passaporte, contando apenas com seu documento de identidade.
Segundo João Guilherme Granja Xavier, diretor do Departamento de
Estrangeiros do Ministério da Justiça, eles não precisam de autorização
para entrar no Brasil. O acordo de residência entre Estados Partes do
Mercosul e associados, transformado em decreto em 2009, garante, que
brasileiros, argentinos, paraguaios, uruguaios, bolivianos, chilenos,
colombianos e peruanos estabeleçam residência em qualquer um desses
países.
Se quiserem morar no Brasil, eles podem fazer a solicitação em seu
país de origem ou regularizar sua situação caso já estejam por aqui.
“Poderão regularizar sua situação migratória, a qualquer momento, com
isenção de multas ou outras sanções administrativas”, afirma João
Guilherme.
O acordo de residência garante também que os cidadãos desses países
possam trabalhar no Brasil. De acordo com Renato Bignami, coordenador da
fiscalização de trabalho escravo contemporâneo da Superintendência
Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo, o ideal é que a pessoa
também solicite autorização no seu país de origem, mas caso já esteja
trabalhando por aqui, pode regularizar a condição sem multa ou punição.
Com base na legislação, mesmo que o interesse dessas pessoas seja o
de conseguir emprego em São Paulo, não podem ser impedidas de prosseguir
viagem. Primeiro, não cometeram nenhum delito ou infração. Além disso,
mesmo que venham a trabalhar no futuro, podem se regularizar a
posteriori.
“Se há indícios de que a pessoa foi ou está sendo vítima de tráfico
de pessoas, independentemente da nacionalidade, ela não poderá ser
expulsa do país. Pelo contrário, o Estado brasileiro deve garantir sua
proteção”, explica José Guerra, secretário-executivo da Comissão
Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. O Brasil é signatário
do Protocolo de Palermo, que trata do combate ao tráfico de pessoas e do
acolhimento a vítimas.
Então, o que aconteceu no caso dos paraguaios?
Segundo Pedro Paulo Bahia, assessor de comunicação do Departamento de
Polícia Rodoviária Federal (DPRF), agentes da instituição verificaram
que os ônibus com os paraguaios não haviam passado pelos procedimentos
de imigração.
Os nacionais dos países do Mercosul podem transitar livremente pela
área de fronteira sem apresentar documentos. Afinal, há uma intensa
troca econômica, social e cultural em cidades que são conurbadas, como
Chuy (Uruguai) e Chuí (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai) e Ponta
Porã (Brasil), ou que dependem uma da outra, como Foz do Iguaçu
(Brasil) e Ciudad del Est (Paraguai).
Porém, quando qualquer pessoa se desloca para além dessa faixa de
fronteira, deve fazer os procedimentos de imigração. Por exemplo, um
brasileiro deixando Ciudad del Est e indo para Assunção ou um paraguaio
vindo de Foz do Iguaçu para São Paulo. Segundo Pedro, os paraguaios têm o
direito de entrar livremente, mas deveriam ter passado por um dos
postos de controle se desejassem sair dessa região.
A DPRF encaminhou os paraguaios até a Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu.
Alexander Taketomi, chefe nacional do serviço de repressão ao
trabalho forçado do Departamento de Polícia Federal (DPF), afirma que os
paraguaios não foram expulsos, nem deportados, como circulou pela mídia
e redes sociais. Segundo ele, os grupos foram notificados a retornarem
até um posto de fronteira e fazer o procedimento imigratório para
entrada em território nacional. Após isso, foram liberados.
“A atuação da Polícia Federal nesses casos se restringiu à
fiscalização de imigração pois, até então, não havia outros elementos
que indicassem a ocorrência de eventuais crimes que justificassem a
instauração de investigação”, explica também Fabio Tamura, delegado da
Polícia Federal em Foz do Iguaçu.
Se eles se negarem a fazer esse procedimento, aí sim poderão ser alvo
de futura deportação ao serem abordados novamente pela Polícia Federal.
Enfim, eles foram barrados porque não passaram pela imigração, como prevêem as regras brasileiras.
Medo e desinformação
Por que, então, entraram no Brasil dessa forma?
Os agentes da Polícia Federal não têm uma resposta para isso ainda.
Conversei com paraguaios que já trabalharam em oficinas de costura aqui
em São Paulo. Medo e desinformação podem levar a não fazer o registro de
entrada. Alguns reclamaram de falta de informação sobre os próprios
direitos (em parte por culpa do governo paraguaio). Mas há também o medo
imposto por contratadores de emprego informal que, algumas vezes,
acabam em trabalho análogo ao de escravo. Digo algumas porque há um
estigma grande contra imigrantes latino-americanos em São Paulo, mesmo
que não tenham passado por essa forma de exploração.
Por fim, um lembrete: está em desuso o termo “imigrante ilegal”, uma
vez que não existe pessoa ilegal e sim que está descumprindo uma
legislação local. Historicamente, houve um preconceito contra esse grupo
que, agora, opta-se por evitar. O que podemos falar é em pessoa em
situação de imigração irregular, imigrantes indocumentados ou não
documentados.
Casos de tráfico de seres humanos – Policiais federais e policiais
rodoviários federais são orientados a não expulsar trabalhadores que
foram vítimas de tráfico de seres humanos ou trabalho escravo. A
recomendação se baseia na Resolução Normativa do Conselho Nacional de
Imigração, número 93, de 21 de dezembro de 2010. Ela prevê que poderá
ser concedido visto permanente ou permanência aos estrangeiros que
estejam no Brasil em situação de vulnerabilidade, vítimas do tráfico de
pessoas. Isso vale para exploração sexual, trabalho análogo ao de
escravo ou remoção forçada de órgãos.
A maior parte dos agentes e delegados não adota a expulsão como
regra, mas a existência de casos preocupou o Ministério da Justiça,
Ministério Público, órgãos governamentais e entidades da sociedade
civil.
A possibilidade de expulsão de vítimas é usada como ameaça por
contratadores de mão de obra para manterem os trabalhadores sob seu
controle. Temendo serem mandados embora do país sem remuneração,
permanecem sem reclamar das condições.
Um exemplo é uma trabalhadora boliviana de uma oficina que fornecia
para a marca 775 flagrada com mão de obra análoga à de escrava em 2010.
Após ter sido encontrada pela fiscalização do Ministério do Trabalho e
Emprego, ela optou por voltar para a casa. Mesmo assim, foi expulsa pela
Polícia Federal no momento de sair do país. As orientações do comando
da instituição podem não resolver imediatamente a situação devido à
burocracia para a regularização dos trabalhadores, por exemplo. Mas é
uma sinalização importante por parte de instituições que tem um papel
central no combate a esses crimes.
Leonardo Sakamoto
(Blog do Sakamoto - 21/01/2014)
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