Empresas e produtores rurais têm se deparado com entendimentos
distintos da Justiça em processos relacionados à aplicação do novo
Código Florestal a conflitos iniciados antes da vigência da norma. São
casos de companhias ou pessoas físicas que respondem a ações civis
públicas ou firmaram Termos de Ajuste de Conduta (TACs) anteriores à
aprovação da legislação e que, agora, buscam no Judiciário a aplicação
da nova norma, que seria mais benéfica. A orientação dos Ministérios
Públicos de São Paulo e de Minas Gerais é exir o cumprimento dos termos
assinados antes da nova lei.
A Lei nº 12.651, o Código Florestal, foi aprovada em 2012. A norma
substituiu a nº Lei 4.771, de 1965, e recebeu muitas críticas na época
de sua aprovação. Dentre os pontos polêmicos da legislação estão a
redução das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e a anistia para quem
deixou de pagar multas referentes a desmatamentos realizados antes de
julho de 2008.
Grande parte das discussões judiciais trata da redução das APPs,
faixas que devem ser preservadas pelos proprietários rurais nas margens
dos rios e topos de morros, por exemplo. O código alterou as regras para
o cálculo desses espaços, beneficiando os produtores.
É o caso de uma companhia cafeeira localizada em Sabino, interior de
São Paulo. A empresa firmou, na vigência da lei anterior, acordo com o
Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) comprometendo-se a
plantar cerca de 76 mil mudas de espécies nativas da região em uma área
de 45,95 hectares. A medida seria necessária para restaurar uma APP
localizada em sua propriedade.
Na Justiça, a companhia alega que o plantio não seria mais necessário
após a aprovação do novo código, pois a norma determina que não será
exigida APP no entorno de reservatórios artificiais de água.
O processo foi julgado pela 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), para a qual a obrigação
contraída com o MP deveria ser mantida. Conforme o relator,
desembargador João Negrini Filho, o artigo 5º da Constituição prevê que a
lei não poderá prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e
a coisa julgada.
Apesar de já existir uma decisão do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) no mesmo sentido da 1ª Câmara, a questão ainda é divergente.
Exemplo disso é um julgamento da mesma 1ª Câmara Reservada ao Meio
Ambiente do processo de uma usina de cana-de-açúcar de Araraquara,
interior de São Paulo. Após analisar o processo, o TJ-SP entendeu que a
APP deveria ser reduzida, de acordo com o novo código.
A usina, que responde a uma ação civil pública, foi condenada a
reservar uma área para proteção ambiental às margens de um curso d'água
que corta sua propriedade. Como o processo foi proposto na vigência da
lei antiga, o MP-SP pedia que a área fosse contada a partir do leito
máximo do ribeirão, no período de maior incidência de chuvas. O novo
código, entretanto, determina que o espaço de preservação seja contado
desde a borda regular do rio. "Isso dá uma diferença favorável ao
proprietário", diz a advogada da usina, Gislene Barbosa, do L.O Baptista
SVMFA.
Segundo o advogado Antonio de Azevedo Sodré, do Azevedo Sodré
Advogados, a nova regra é quase sempre benéfica aos produtores. "Em um
caso no qual o curso regular do rio tem 10 metros [de largura], ele
chega a ter de 20 a 40 metros na época da cheia, dependendo da geografia
do local", diz.
Ao analisar o caso, o relator desembargador Antonio Celso Aguilar
Cortez entendeu que o artigo 526 do Código de Processo Civil
determinaria a aplicação do código novo. A norma estipula que "se,
depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou
extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz
tomá-lo em consideração".
A advogada Luciana Gil Ferreira, sócia do Bichara, Barata & Costa
Advogados, concorda com o posicionamento e afirma que a multiplicidade
de entendimentos judiciais sobre o tema gera insegurança jurídica. "O
novo código está vigente, mas o Ministério Público não quer aplicar",
diz.
O procurador Adriano Andrade de Souza, do MP-SP, diz que o órgão tem
atuado em muitos casos em que produtores rurais tentam aplicar o novo
código a ações ajuizadas na vigência da norma antiga. "Tem alguns que
não estão cumprindo TACs, solicitando revisão, mas nosso posicionamento é
não aceitar", afirma.
Segundo o procurador, a maioria dos MPs estaduais defende a aplicação
do código antigo. Em São Paulo, uma orientação do Procurador-Geral de
Justiça aos procuradores determina que os TACs, nesses casos, devem ser
cumpridos na forma como foram celebrados.
No recurso avaliado pelo STJ, um produtor rural do Paraná tentava
anular uma multa de R$ 1,5 mil, aplicada pelo Ibama por exploração
irregular de APP. O proprietário alegava que a autuação deveria ser
cancelada, por ser anterior a julho de 2008, mas os ministros da 2ª
Turma entenderam o contrário. "Na dúvida, a opção do juiz deve ser pela
irretroatividade, mormente quando a ordem pública e o interesse da
sociedade se acham mais bem resguardados pelo regime jurídico
pretérito", disse o relator do processo, ministro Herman Benjamin.
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