DAVOS - Marcelo Neri, o economista que chefia a Secretaria de Assuntos
Estratégicos, lamenta que o Brasil viva o que chama de "situação
bipolar": uma boa parte do empresariado está pessimista com os rumos da
economia, ao passo que o que Elio Gaspari chamaria de "andar de baixo"
está satisfeito com a inclusão ocorrida nos últimos anos.
O ideal, para Neri, seria que "pessimistas fossem menos pessimistas, e otimistas menos otimistas".
A segunda parte da equação é inalcançável, brinca o ministro, na medida
em que "o brasileiro foi heptacampeão mundial de otimismo" (ficou em
primeiro lugar na pesquisa Gallup sobre a satisfação com a própria vida,
entre 2006 e 2012).
Em 2013, no entanto, as coisas mudaram ligeiramente: houve uma queda na
satisfação, para o 18º lugar no mundo, coincidindo com as manifestações
de junho. Mas, já em outubro, de 0 a 10, o brasileiro dava 7 para a sua
satisfação com a vida, o terceiro lugar no planeta.
O ministro tem uma explicação para a "bipolaridade": economistas e
executivos costumam olhar muito para o PIB, que, de fato, está crescendo
mediocremente, como disse ontem a mexicana Alícia Bárcenas,
secretária-executiva da Cepal, a Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe.
Já o comum dos mortais olha para a sua própria vida e vê que ela
melhorou nos últimos anos, inclusive no ano passado: enquanto o PIB per
capita, até novembro, crescia apenas 1,8%, a renda mediana subia 5,2%.
Como, então, explicar os protestos de junho? Para Neri, "a casa
melhorou, mas o seu entorno [leia-se: serviços públicos] não. As pessoas
querem uma outra agenda, após o crescimento com redução da
desigualdade".
Neste ponto, uma observação pessoal que já fiz várias vezes ao hoje
ministro e da qual ele não discorda: caiu a desigualdade entre salários,
mas não entre o rendimento do capital e do trabalho, até porque é muito
difícil medir o primeiro desses rendimentos.
E os rolezinhos? Neri admitiu, em mesa-redonda ontem em Davos: "Não acho que saibamos o que está acontecendo".
Mas, em conversa com jornalistas, arriscou palpites: primeiro, a
sociedade está muito mais interligada, do que decorre o uso das redes
sociais como ponto de referência para os rolezinhos, e "a população
jovem nunca foi e nunca mais será tão grande como agora".
É desse Brasil "bipolar" que Dilma embarcou ontem para se apresentar
amanhã a uma parte do público, inclusive estrangeiro, que está
majoritariamente entre inquieta e pessimista sobre o Brasil.
Palpite meu: se ela focar sua fala na sessão plenária e na conversa
reservada com executivos no "feel good factor", esse sentir-se bem do
andar de baixo, não vai desfazer o mal-estar. O que o povo de Davos quer
são certezas sobre a situação fiscal brasileira, ou seja, sobre as
sobras para pagar a dívida.
Não por acaso, esse tema apareceu no primeiro lugar entre os riscos
globais medidos por uma grupo de peritos para o Fórum Econômico Mundial,
ao lado do crescimento da desigualdade.
crossi@uol.com.br
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