Tanto Washington quanto Agência Internacional de
Energia sonham com Pré-Sal e nossas exportações de combustíveis. Que há
por trás disso?
por André Garcez Ghirardi
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publicado
17/01/2014 17:29
Como é de costume, a Agência Internacional de Energia (AIE) divulgou em novembro seu Panorama Mundial de Energia 2013 (World Energy Outlook), com projeções para produção e uso das diversas fontes energéticas até 2035. Para o Brasil, esta edição doOutlook tem interesse especial, porque traz um capítulo especial sobre o futuro papel do país no comércio mundial de energia.
Reconhecida como uma das principais fontes de informação
sobre oferta e demanda de energia em todo mundo, a AIE nasceu em 1974,
para se ocupar especificamente da garantia de abastecimento de petróleo
aos países da OCDE (EUA, Europa Ocidental, Turquia, Japão, Coréia do
Sul, Austrália e Nova Zelândia).
Em suas próprias palavras, a Agência
foi criada em resposta à crise de 1973-74 no mercado mundial de
petróleo, com a função de coordenar a liberação de estoques de
emergência detidos pelos países membros da OCDE, caso ocorra interrupção
de grande porte no fornecimento mundial de petróleo. Ainda hoje, embora
tenha diversificado seu espaço de atuação, a AIE tem como seu foco
principal a segurança de suprimento de energia que significa,
essencialmente, a segurança de suprimento de petróleo.
Sempre atenta às futuras fontes de oferta e demanda de
petróleo, a AIE prevê que a produção no Brasil atingirá 6 a 7 milhões de
barris por dia em 2035. Para aquele mesmo ano, prevê que o consumo
interno do Brasil será de 3,5 milhões de barris por dia em 2035. Prevê,
portanto, que haverá um excedente exportável de petróleo brasileiro da
ordem de 3 milhões de barris por dia em 2035.
Os Planos
O horizonte das previsões da AIE vai além do que tratam
os documentos oficiais brasileiros sobre a produção e consumo de
petróleo. O atual Plano de Negócios da Petrobras (PNG 2013-17) projeta
produção diária de 4 milhões de barris de petróleo em 2020. Nada afirma
além de 2020, menos ainda sobre 2035. Por outro lado, considerando que
neste momento a companhia produz cerca de dois milhões de barris por
dia, o plano da Petrobras anuncia aumento de 100% na produção de
petróleo num horizonte de sete anos. O que torna pelo menos plausível o
número previsto pela AIE para 2035. Se a companhia vai dobrar a produção
nos sete anos entre 2013 e 2020, é razoável imaginar que possa agregar
outros 50% em quinze anos mais. A competência técnica existe. O
petróleo, também.
A projeção oficial do governo brasileiro foi publicada
através do Ministério de Minas e Energia (MME), no Plano Decenal de
Expansão de Energia (PDE 2022). Nele o ministério projeta
disponibilidade de excedente exportável de petróleo a partir de 2014,
iniciando com média diária de 170 mil barris, ultrapassando um milhão de
barris em 2018, e atingindo máximo de 2,3 milhões de barris em 2021. Há
um declínio do excedente exportável a partir de 2022, último ano
disponível na publicação. Ou seja, a projeção pública mais atualizada
feita pelo MME não chega a 2035 e, dentro do horizonte contemplado,
prevê exportação máxima de 2,3 milhões de barris por dia.
Consideradas em conjunto, essas informações nos dizem
que, para que se realizem as previsões da AIE a respeito das exportações
de petróleo do Brasil, seria necessário aumentar a produção diária
brasileira em cerca de um milhão e meio de barris entre 2022 e 2035.
Para isso, seria necessário oferecer outras áreas para exploração e
produção; seriam necessárias outras licitações. Considerando que a
demanda doméstica estaria plenamente atendida, essas licitações, se
acontecerem, atenderão exclusivamente o mercado de exportação. Nos
termos da lei, é do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) a
competência para deliberar sobre licitações para exploração. Tanto para
decidir se há ou não nova licitação, quanto para determinar o número de
blocos ofertados e sua localização.
A Pergunta
A diferença entre a previsão da AIE e as projeções do
governo brasileiro nos remete à pergunta: interessa ao Brasil exportar
tanto petróleo? Uma pergunta fundamental para a vida do país, e que terá
de ser respondida repetidamente pelo CNPE, enquanto durar o ciclo
exportador de petróleo que deverá ter início neste ano de 2014. Resumo
aqui, de forma muito simplificada, duas posições divergentes sobre a
resposta a essa pergunta fundamental. Uma é favorável à expansão das
exportações de petróleo em toda extensão possível. Outra, vê necessidade
de expansão controlada das exportações de petróleo.
A primeira corrente de opinião vê nas exportações de
petróleo uma atividade essencialmente benéfica para o Brasil: elas
permitem o crescimento das importações necessárias para sustentar a
expansão do consumo interno, sem causar déficit na relação comercial do
Brasil com o mundo. Além disso, as exportações de petróleo vão ajudar a
conter a inflação, pois tendem a valorizar o real – ou seja, barateiam
os produtos importados, cujo preço é fixado em dólares. Segundo essa
corrente, quanto mais petróleo o Brasil exportar, melhor será para a
condição material da população.
A segunda corrente de opinião vê potenciais benefícios
na exportação de petróleo, mas vê também possíveis ameaças para a
diversidade do parque industrial brasileiro, com possíveis efeitos
negativos sobre emprego e renda. Por isso, favorece a definição do
excedente exportável de petróleo em função de uma política industrial
que considere, sim, a necessidade de abastecimento doméstico de
combustíveis. Mas que atue para que o grande volume de receitas de
exportação não destrua a competitividade dos produtos brasileiros.
Segundo essa corrente de pensamento, a expansão acelerada da exportação
de petróleo poderia resultar numa valorização cambial exagerada, fruto
de receitas concentradas num único setor dominante da pauta de
exportações. Nessa visão, a exportação exagerada de petróleo seria
aquela que agrava a perda de diversidade da indústria brasileira, de sua
capacidade de colocar seus produtos no mercado mundial, e de sua
capacidade de absorver mão-de-obra. Isto é, aprofunda um processo de
regressão (primarização) da inserção do Brasil na economia mundial.
O debate sobre a desindustrialização da economia
brasileira já se instalou desde a abertura comercial na década de 1990.
Mas recentemente, ele ganhou complexidade com a perspectiva de o país
tornar-se um grande exportador de petróleo e, por causa disso, enfrentar
um novo ciclo de valorização da moeda e encarecimento dos produtos
brasileiros. Existem argumentos sólidos dos dois lados do debate.
Portanto, tudo indica que esse dilema permanecerá em pauta pelo resto do
século XXI.
Com Atua o Principal Cliente
Em sua visita ao país em março de 2011, o presidente dos
EUA explicitou que seu país desejava tornar-se o melhor cliente do
petróleo brasileiro. Isso
faz todo sentido, já que os EUA são os maiores importadores de petróleo
do mundo. Para eles, interessa – e muito – ter disponível mais um
grande exportador de petróleo, principalmente em se tratando de um país
da vizinha América do Sul, em sua esfera de influência direta, com
ambiente político estável e aberto à presença de empresas
norte-americanas.
Mas há um elemento aparentemente contraditório nessa boa
disposição norte-americana para importar petróleo brasileiro. Ela
precisa ser considerada, por quem se interessa pelo tem. Os EUA são a
potência hegemônica mundial, e berço de grande parte da indústria do
petróleo, possuidores de toda capacidade técnica e financeira para
exploração e produção de petróleo e todos os seus derivados. No entanto,
a despeito dessa inegável competência, 87% das áreas federais dos EUA,
inclusive a quase totalidade da plataforma continental, permanece
fechada à exploração petroleira. A informação oficial é que nas duas
costas há “baixo potencial de recursos ou baixo apoio para novas
potenciais concessões”. Na costa leste, as regiões designadas Mid-Atlantic eSouth-Atlantic
estão anunciadas como passíveis de “estudos sísmicos potenciais”, com a
ressalva de que não haverá concessões para tais estudos antes de 2017.
Ao apresentar a estratégia exploratória em seu próprio
mar territorial, os EUA declaram que não pode haver um procedimento
geral de licenciamento para todas as áreas (“one size fits all”),
sendo necessário considerar fatores tais como novas informações sobre
recursos potenciais, maturidade da infraestrutura de apoio, inclusive
ativos para resposta de emergência, e (vagos) interesses regionais. No
caso da costa do Atlântico, sua exclusão do plano de concessões
deveu-se, entre outros fatores, a considerações feitas pelo Departamento
de Defesa. O American Petroleum Institute
queixa-se dessas restrições para atuação da indústria petroleira em
território norte-americano, e considera altamente nocivo para o país que
quase todas as áreas federais permaneçam fechadas para exploração.
Queixa-se igualmente de que vigoram há quarenta anos,
nos EUA, leis que proíbem a exportação de petróleo sem licença prévia,
notadamente o Energy Policy and Conservation Act, de 1975, e o Export Administration Act,
de 1979. A despeito da crescente pressão dos produtores entusiasmados
com a bonança do óleo não-convencional, não há nenhuma movimentação
política de grande porte pedindo o fim do veto dos EUA às exportações de
petróleo. Numa sociedade radicalmente avessa à presença do governo no
mundo dos negócios, essa interferência estatal tão flagrante e longeva é
a comprovação concreta de que, em se tratando de comércio de petróleo, a
estratégia de Estado se sobrepõe aos interesses imediatos de negócio.
Em resumo, o país que mais conhece a indústria
petroleira e que se propõe ser o melhor cliente das exportações do
petróleo produzido no mar do Brasil restringe a exploração em sua
própria plataforma continental e proíbe a exportação de petróleo
produzido em seu território. Uma contradição a ser considerada pelo CNPE
ao definir o futuro das exportações brasileiras de petróleo.
Previsão de Quem?
Para concluir, lembro ao leitor que a Agência
Internacional de Energia foi concebida e instituída por ação pessoal de
Henry Kissinger. Era ele o Secretário de Estado dos EUA quando, em 1973,
os membros árabes da OPEP (OAPEP) impuseram um embargo formal ao
fornecimento de petróleo para os EUA e Holanda (por ser Amsterdam o
principal porto de comercialização de petróleo), em retaliação ao apoio
norte-americano a Israel, em guerra contra Síria e o Egito. Foi a
primeira vez em que o petróleo foi usado como arma política. A essa ação
política corresponderam reações também políticas dos EUA e aliados,
entre elas a criação da AIE. Ou seja, a AIE nasceu como organismo
político, para defender os interesses dos EUA e aliados no mercado
mundial de petróleo. Há quem diga que isso é coisa de um passado
distante, e que hoje a atuação da AIE é principalmente técnica, e que as
previsões da AIE sobre oferta e demanda de petróleo nada têm de
político, e são exclusivamente técnicas. É. Pode ser.
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