Em comerciais de televisão, produtos e marcas, a mulher é tratada como brinde, imbecil ou hipersexualizada
Todo mundo já sabe: em comerciais de cerveja, estará
sempre muito calor e as mulheres vestirão um biquini fio dental nos
corpos belíssimos. Corpos esses sem língua, diga-se, porque elas nunca
falam nada. Quer vender detergente, sabão em pó ou qualquer outro
produto de limpeza? Direcione as propagandas paras mulheres, porque elas
ainda não saíram da cozinha.
Vemos isso o tempo todo, tomamos como verdade absoluta, e nem ligamos
muito para a representação da mulher nos comerciais. Fúteis, vazias,
competitivas com outras mulheres, rainhas do lar, vaidosas em nível
tóxico. "É só propaganda", diriam alguns. Alguns muitos. Outros vários
diriam que quem vê problema nessa má representação da mulher está é
"falta do que fazer". "Vai lavar uma louça", os engraçados de
Twitter responderiam. Na verdade, o sistema é esse, feroz, que se
retroalimenta dos pensamentos da sociedade. As propagandas são ruins
porque o público alvo é ruim, ou é o contrário? Difícil dizer.
Nos Estados Unidos há uma iniciativa chamada The Representation Project,
que cuida justamente de analisar como a mídia mostra as mulheres (veja
vídeo ao final do post). Aqui no Brasil não temos nada parecido, mas
grupos feministas online costumam questionar as empresas quanto aos seus
anúncios sexistas e muitas, muitas vezes misóginos.
Foi o que aconteceu durante a Copa das Confederações. A Ariel, marca
de sabão para lavar roupas, lançou uma propaganda no Facebook com
quadrinhos mostrando como a mulher também gosta de futebol. Seria ótimo
quebrar o estereótipo de que só homem gosta do esporte, enquanto as
mulheres são histéricas que só gritam nas partidas da seleção brasileira
e não sabem nem o que é um escanteio, mas a marca, pertencente à
Procter & Gamble, reiterou na série de quadrinhos como a mulher vê
futebol por causa das pernas dos jogadores e que "torce". Torce roupa.
Porque mulher esquenta barriga no fogão e esfria no tanque.
Falei com a assessoria de imprensa sobre os quadrinhos, e recebi a
seguinte resposta: "a P&G informa que em maio desse ano postou na
fanpage de Ariel um pedido de desculpas pela
tirinha criada para a Copa das Confederações. Vale ressaltar que a
empresa valoriza a diversidade, assim como o papel de importância da
mulher em nossa sociedade. A empresa informa ainda que levará em conta
todos os comentários e considerações que foram postados na época em sua
fanpage para as próximas campanhas da marca.".
Eles, pelo menos, assumiram que foi uma bola fora (e sim, nós sabemos
quando é lateral ou escanteio nesses casos). A cerveja Crystal, do
Grupo Petrópolis, infelizmente não fez o mesmo. Tentou mais ou menos
fugir da velha fórmula mulheres de biquini na praia (tem algumas à beira
da piscina, ora pois!), e colocou uma mulher... como brinde!
Vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=0CT8SCt6cTk
Não, Crystal, apenas não. Mulher nunca é um brinde. Ou não deveria ser. A resposta da marca foi: "O
Grupo Petrópolis sempre respeitou as mulheres e, em nenhum momento,
teve a intenção de tratá-la como objeto. A propaganda trabalha com
humor e respeito.". Interessante observar o uso da palavra brinde, que
não só é um objeto, como é um objeto que a pessoa ganha, sem maior
esforço. A saída escolhida pela Petrópolis foi dizer que isso, comparar
uma mulher a algo que se ganha, é piadinha. Humor é seeeeempre a
desculpa para qualquer erro.
Quer ver como é sempre tudo muito, muito engraçado? A resposta
da NET ao meu questionamento sobre o comercial abaixo parece até ter
sido escrita pela assessoria da Crystal: "As campanhas da NET
se caracterizam pela irreverência e bom humor. A empresa busca trazer
novidades e frescor em sua forma de se comunicar e para isso se utiliza
de temas ou situações que auxiliem neste fim. Especificamente no filme
citado, seguimos com a mesma intenção e em momento algum houve o intuito
de denegrir a imagem da mulher ou imprimir qualquer outra conotação,
apenas utilizou-se de um contexto usado no dia a dia das pessoas e em
tom de brincadeira.".
Vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=nEWO6UjzLqs
Que coisa engraçada tratar a
mulher como 1) desesperada por um príncipe; 2) interesseira a ponto de
trocar um príncipe por um cartão de crédito. Hum... não.
Outra tática utilizada
pelas empresas é dizer que algo - produto ou comercial - simplesmente
caiu no colo delas. É preciso apontar que antes de ir ao ar ou aparecer
nas araras das lojas, o produto ou propaganda passa por uma série de
pessoas. Tudo está sujeito à criação, aprovação, produção. Há muito
tempo e incontáveis oportunidades para alguém nesse ciclo simplesmente
dizer "ei, isso aqui está errado, não vamos colocar no ar/colocar à
venda".
No entanto, se alguém tem tal
iniciativa nesse processo, certamente sua voz não está sendo ouvida.
Enquanto isso, as empresas lavam as mãos a respeito da responsabilidade
acerca da equidade de gêneros. A Luigi Bertolli está vendendo, neste
momento, uma camiseta que diz:
Look like a girl
Act like a ladyThink like a man
Work like a boss
Pareça uma garota, se comporte como uma dama, pense como um homem, trabalhe como chefe.
Pense como um homem?
O que há de tão diferente no pensamento de um homem para que eu,
mulher, deseje ser como ele? Não está bom ser do jeito que eu sou e
pensar do meu jeito? Ou homens são mais inteligentes?
"A camiseta mencionada não tem qualquer objetivo machista,
feminista ou político. Trata-se apenas de mais uma estampa de moda que
combina frases irreverentes com as cores da estação. Sendo assim, a Luigi Bertolli não teve intensão ou pretensão de sugerir nenhum tipo de comportamento."
Ah, está tudo bem agora, então, ufa! Que bom que uma marca
denunciada por trabalho escravo e que não faz roupa para gorda não está
me dizendo como viver. Sinto um grande alívio agora.
É evidente que isso não é verdade. Uma marca vende não só um
produto, tangível, mas também um estilo de vida. O consumidor, então,
compra algo de acordo com o que lhe é vendido. Não é só a camiseta ou o
sabão em pó. Quando se trata de autoestima, então, ataca-se um ponto
fraco das mulheres. Até supermodelos dizem que às vezes não se sentem
tudo isso, imagine uma mulher comum, que trabalha, vai à faculdade,
cuida dos filhos, lava louça, entra em fila de banco.
As mensagens que ela recebe são de que ela precisa ser bonita,
atraente, sexy, ter a aparência de uma garota e comportamento de uma
dama. Ela precisa. É isso que é cobrado o tempo todo dela. E, se não der
pra ser tudo isso por si mesma, só resta competir com as outras
mulheres, tratando-as como café-com-leite.
Vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=h6jkO_1urfk
As mulheres precisam se unir e se empoderar, juntas, sem essa coisa
de competir entre si. É triste ver uma empresa voltada às mulheres com
esse tipo de discurso. No fim, se você não tiver uma aparência de
capuccino e for um mero café-com-leite, você não será a escolhida pelo
gatinho da balada. Não foi por causa dele que você saiu de casa?
Viu? Amigos de verdade não deixam os amigos saírem com meninas feias, diz a camiseta da Hering. Melhor ser um capuccino, garota, se não você está perdida. Segundo a assessoria da empresa, "em relação ao caso das estampas questionadas por consumidores, a Cia. Hering
esclarece que já tomou as providências necessárias para evitar estes
temas em seus produtos futuramente. A empresa reforça ainda que a
estampa não condiz com os princípios e os valores defendidos pela
marca".
Antes de eu questioná-los
acerca da estampa, consumidores já o tinham feito por meio das redes
sociais. Eles disseram que tirariam as camisetas das araras, mas dias
depois as lojas continuavam vendendo. Sabem o motivo? Porque não
importa. O sistema todo é assim. Este post poderia ser infinito, porque
todos os dias nos deparamos com a péssima representação das mulheres na
mídia.
O problema é que
acreditamos nisso tudo. Mais do que comprar o sabão, a camiseta ou a
maquiagem, nós compramos a ideia. E vivemos com ela, repetindo-a,
sentindo-a na pele. Você é café-com-leite, você não é bonita o
suficiente, você não será amada, você está gorda demais. E compre isso
aqui para diminuir o buraco que eu, empresa, criei em você.
***
Como a mídia errou ao representar as mulheres em 2013 (em inglês). Vídeo do The Representation Project. Vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=NswJ4kO9uHc
Nenhum comentário:
Postar um comentário