Às vésperas de trocar ofertas nas negociações de um acordo com o
Mercosul, a União Europeia "emparedou" o Brasil na Organização Mundial
do Comércio (OMC), apresentando uma queixa formal contra medidas de
política industrial adotadas pelo governo nos últimos anos. A UE
questiona incentivos tributários como o Inovar-Auto, programa que tenta
atrair montadoras de veículos para o país, e exigências de conteúdo
nacional em equipamentos eletrônicos. O bloco também diz ter incluído,
na contestação, benefícios a produtos da Zona Franca de Manaus e
"vantagens fiscais" a exportadores.
O governo brasileiro saiu em defesa de sua política. "Estamos
confiantes de que temos argumentos sólidos para provar a nossa plena
conformidade com as regras multilaterais de comércio", disse o ministro
das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo.
Os dois lados terão 60 dias para resolver a disputa com uma
negociação. "A expectativa, em qualquer processo dessa natureza na OMC, é
de que as consultas sejam bem sucedidas, que as partes [os países]
cheguem a um entendimento ainda nessa fase, sem a necessidade de se
recorrer a um contencioso", afirmou o diretor-geral da organização,
Roberto Azevêdo, após evento na Confederação Nacional da Indústria
(CNI). Ele disse ter sido informado sobre a queixa europeia ontem de
manhã, assim que chegou ao Brasil. Se não houver solução amigável no
prazo estipulado, a UE pode pedir a abertura de uma arbitragem pelo
órgão de solução de controvérsias da OMC.
O Mercosul e a UE estão em plena negociação para um acordo de livre
comércio. Em janeiro, está prevista a primeira troca de ofertas entre os
blocos, quando as duas partes vão apresentar suas propostas de queda
gradual de tarifas. O governo brasileiro evitou fazer comentários sobre
os efeitos da reclamação aberta ontem na OMC nas conversas para avançar
no acordo. Questionado sobre o assunto, o chanceler brasileiro se
limitou a afirmar que esse tipo de procedimento faz parte das regras do
organismo multilateral. "Não quero fazer nenhum tipo de ilação sobre
motivações ou impactos. Faz parte das regras que um país ou um grupo de
países busque a OMC para a solução de controvérsias."
O bloco europeu questiona principalmente o regime automotivo adotado
pelo Brasil, o Inovar-Auto. Nesse programa, a equipe econômica buscou
estimular o setor por meio de benefícios tributários para automóveis
produzidos no país e, ao mesmo tempo, elevou impostos sobre veículos
estrangeiros.
De forma geral, a acusação é de que o Brasil viola as regras
internacionais de comércio com políticas tarifárias que discriminam
empresas do exterior. Benefícios tributários para outras mercadorias,
como smartphones, semicondutores e computadores também fazem parte da
queixa.
A CNI também saiu em defesa das ações adotadas pelo governo. Para o
presidente da entidade, Robson Andrade, o Brasil não é um país
protecionista, mas sim França e a Alemanha, por exemplo. Ele citou ainda
dificuldade de exportar veículos para a Europa e produtos manufaturados
para os Estados Unidos. "Muitas vezes não é preço, e sim questões de
especificações técnicas, barreiras não tarifárias que esses países
adotam", disse Andrade.
Essa não foi a primeira vez que medidas para incentivar a produção de
carros no Brasil foram tema de reclamação em reuniões da OMC por parte
de europeus, japoneses e americanos.
Em 2011, o governo elevou o Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI) dos carros importados em 30 pontos percentuais, deixando de fora
apenas os veículos trazidos do México e do Mercosul. A medida tentava
conter sobretudo a importação dos modelos chineses, em franca expansão.
Depois, em 2012, foi criado o programa Inovar-Auto, que alivia o
adicional do tributo para quem produz no país. Incentivadas pela medida,
marcas de luxo como BMW, Audi e Land Rover, hoje importadas da Europa,
decidiram instalar fábricas no país. Para minimizar as críticas
internacionais, o governo adotou uma cota de importação para as marcas
estrangeiras. O Inovar-Auto permite que até 4,8 mil veículos, pro
importador, possam entrar no país sem pagar o imposto elevado.
A Comissão Europeia reclamou várias vezes com o Brasil por causa das
medidas. Sem mudanças e com as medidas se "proliferando", o bloco
decidiu recorrer à OMC. O bloco europeu alega que o Brasil tem usado o
sistema tributário de modo incompatível com os compromissos da OMC,
dando vantagens aos produtores nacionais e os protegendo de competição.
Essas medidas têm um impacto negativo nas exportações da União
Europeia, que enfrenta maior tributação do que os competidores locais.
As medidas restringem o comércio e resultam e aumento de preços para os
consumidores brasileiros, menor oferta e acesso restrito a produtos
inovadores", afirma texto dos representantes do bloco na OMC.
O diretor-geral do organismo multilateral frisou que grande parte das
queixas abertas não resultam em um contencioso. Ele lembrou que o
próprio Brasil apresentou diversos questionamentos na OMC que se
resolveram em um consentimento entre os dois lados. "Não estou dizendo
que não vai chegar a um contencioso, mas não é descabido de que haja uma
solução negociada antes de se chegar a um contencioso", disse.
Para Azevêdo, "cada caso é um caso" e, portanto, é "impossível traçar
um paralelo" entre um procedimento anterior e a reclamação feita pela
União Europeia contra a política industrial brasileira. "Não existem
casos idênticos na OMC até quando as medidas [adotadas] são muito
parecidas, porque, do ponto de vista comercial e econômico, são
diferentes", completou. (Com agências noticiosas)
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