Publicado por Marcelo Cometti -
28
De acordo com artigo 966, § único do CC,
não se considerada empresário quem exerce profissão intelectual de
natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de
auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão
constituir elemento de empresa.
O citado dispositivo legal
exclui, portanto, do conceito de empresário aqueles que têm no exercício
de atividade intelectual, sua profissão. É o caso dos médicos,
dentistas, escritores, escultores, que mesmo exercendo suas profissões
de natureza científica, literária ou artística com profissionalismo e de
forma organizada, não serão considerados empresários.
Conforme Alfredo de Assis Gonçalves Neto (Direito de Empresa.
RT, 2010, p. 74), não é empresário quem exerce atividade intelectual
por qualquer meio, organizadamente ou não, em caráter profissional ou
não, qualquer que seja o volume, intensidade ou quantidade de sua
produção. Neste sentido mesmo sentido, estabelece o Enunciado 193 da III
Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça,
que “o exercício de atividade de natureza exclusivamente intelectual
está excluído do conceito de empresa”.
Portanto, a atividade
intelectual, ainda que econômica e exercida profissionalmente e de forma
organizada, não será considerada uma atividade própria de empresário,
não sujeitando o profissional que a exerce ao regime jurídico do Direito
Empresarial.
Neste contexto, as profissões intelectuais se distinguem da profissão de empresário devido a uma diversa valoração social.
Em outras palavras, o acesso à profissão não é livre, como ocorre com a
atividade empresarial, dependendo de formação intelectual muito mais
severa e da inscrição do profissional na respectiva corporação; no
exercício da profissão intelectual imperam premissas de decoro que
impedem, por exemplo, a livre concorrência; e não existe no exercício de
uma profissão intelectual a produção em massa, característica da
atividade empresarial.
Ocorre, entretanto, que o citado dispositivo contém em sua parte final uma exceção. Trata-se do elemento de empresa.
Assim, se o exercício da profissão intelectual constituir elemento de
empresa, o sujeito que a exerce será considerado empresário.
A exceção contida na parte final do parágrafo único do Artigo 966 do Código Civil, tem gerado certa controvérsia na doutrina que, muitas vezes, associa o elemento de empresa à pessoalidade no exercício da profissão intelectual, ou mesmo à organização da estrutura necessária para a exploração da atividade. Não me parecem, contudo, acertadas essas opiniões.
Ora,
se o elemento de empresa consistisse no exercício da atividade
intelectual organizada com profissionalismo e finalidade econômica, o
disposto no artigo 966, parágrafo único do Código Civil
se faria letra morta, dada a sua absoluta redundância. Isso porque se a
atividade intelectual não fosse assim explorada, já estaria excluída do
conceito de empresário pela redação do próprio caput do citado artigo.
Talvez
a razão da dificuldade na interpretação e conceituação do “elemento de
empresa” esteja no fato de que, muito embora tenha sido inspirado no
artigo 2.238[1] do Código Civil Italiano, sua versão para o nosso Código Civil sofreu uma supressão que pode ser a causa de sua equivocada interpretação por parte da doutrina. Neste sentido, tinha dado ao parágrafo único do artigo 966 (então artigo 1.027 do Projeto do Código Civil), redação muito parecida com a utilizada pelo Código Civil
Italiano: “salvo se o exercício da profissão constituir elemento de
atividade organizada em empresa”. No entanto, ao ser aprovado pela
Câmara dos Deputados, sofreu uma simplificação com a supressão das
palavras “atividade organizada em”, tornando-o mais lacônico e
permitindo interpretações que não coadunam com a proposta do citado
dispositivo legal.
No Código Civil Italiano, o trabalhador autônomo é disciplinado em capítulo distinto (Capo II – Delle professioni intellettuali) daquele que trata do empresário comercial (Capo I – Dell’impresa in generale), não sendo, portanto, submetido ao regime jurídico do empresário. O Capítulo II do Livro V do Código Civil
Italiano disciplina o trabalho autônomo, ou seja, as profissões
intelectuais, dispondo de forma detalhada sobre a atuação do
profissional, suas relações com o cliente e suas responsabilidades. No
entanto, nos termos do citado artigo 2.238, se o exercício da
profissão constituir elemento de uma atividade organizada em forma de
empresa, serão também aplicáveis as normas relativas a esta.
Conforme
Alfredo de Assis Gonçalves Neto (ob. cit., p. 75), a profissão
intelectual, no sistema italiano, não tem qualquer vinculação com a
matéria relativa à empresa; se ela, entretanto, for exercida como parte de uma atividade empresarial,
continuará subornada às regras do capítulo que lhe é próprio, sendo-lhe
aplicáveis, então, complementarmente, as disposições referentes à
empresa.
Para Francesco Galgano (Diritto commerciale – L’imprenditore.
Zanichelli, 1986, p. 31), as normas sobre empresa não se aplicam,
porém, aos bens organizados pelo profissional intelectual para o
exercício de sua profissão. Mesmo quando os escritórios profissionais
apresentam, sob muitos aspectos, semelhanças com a empresa; mesmo que,
na prática, essas semelhanças tendam a se ascentuar, na medida em que
cresce o espírito mercantil de muitos profissionais intelectuais, e os
conceitos de “aviamento”, de “clientela”, de “cessão” do escritório
profissional e de “preço de cessão” sejam frequentemente utilizados
mesmo nesse campo, resta, porém o fato de que os profissionais
intelectuais não são, pelo nosso código civil, empresários e que sua atividade profissional não é legislativamente qualificada como atividade de empresa”.
Na mesma linha, Tulio Ascarelli (Corso di Diritto Commerciale.
Giuffrè Editore, 1962, pp. 161-185) adverte que a classificação legal
dos que exercem profissões intelectuais entre os trabalhadores autônomos
induz, frequentemente, a reconhecer na falta de organização a razão da sua exclusão do âmbito dos empresários. Isto, todavia, me parece em contraste com o artigo 2.238, primeiro parágrafo,
que faz referência à aplicação das normas em tema de empresa só quando o
exercício da profissão constitua “elemento de uma atividade organizada
em forma de empresa”; trata-se, portanto, de uma hipótese distinta
daquela da contratação de pessoal e, assim, da objetiva existência de
uma organização, que pode até ser relevante e importar em uma certa
“despersonalização”, perante a qual podem, na verdade, também propor-se
problemas não distantes daqueles que se propõem com relação aos
empresários. Não é, pois, uma pretensa constante falta de organização
que leva a excluir os que exercem profissões intelectuais do âmbito dos
empresários.
Portanto, ao contrário do que muitos
“pretensos” doutrinadores e professores afirmam, o elemento de empresa
não tem qualquer relação com a organização ou não da atividade
intelectual, com o seu exercício ou não de forma profissional, com o
número de empregados contratados ou mesmo o seu faturamento. Ser a
profissão intelectual “elemento de atividade organizada em empresa”, ou
simplesmente, “elemento de empresa”, significa ser parcela dessa
atividade e não a atividade em si, isoladamente considerada. É o caso,
por exemplo, do médico que agrega a prática da medicina um “SPA”, onde
ao paciente se oferece repouso e alimentação; do veterinário que, além
do seu oficio, em uma pet shop vende ração para os animais,
medicamentos, bem como hospeda os animais na viagem de seus donos.
[1] Art. 2.238. Se
l'esercizio della professione costituisce elemento di un'attività
organizzata in forma d'impresa, si applicano anche le disposizioni del
Titolo II (2082 e seguenti).
Nenhum comentário:
Postar um comentário