A explosão do consumo de alimentos na China mudou a trajetória do
agronegócio brasileiro. Na primeira metade deste ano, quase um terço de
tudo o que o setor exportou destinou-se ao país asiático,
esmagadoramente produtos ligados à indústria alimentar. Até onde irá o
‘apetite’ chinês? Há razões para otimismo, mas não para uma euforia
displicente.
A dinâmica que explica o crescimento do consumo não se esgotou. A
economia chinesa seguirá expandindo-se, a população crescerá pelo menos
até 2030, o fluxo campo-cidade deve manter-se acima de 10 milhões ao ano
e o aumento da renda, somado à urbanização, continuará induzindo
mudanças no padrão alimentar (mais proteína animal e lácteos).
Do lado da oferta, obstáculos virtualmente insuperáveis inibem a
expansão da agropecuária chinesa: terras agricultáveis no seu limite
físico, estrutura fundiária fragmentada e um passivo ambiental
(reconhecido pelo governo) que afetou solo, rios e lençóis freáticos.
Estudo dom Departamento de Agricultura dos EUA, de 2014, com
projeções até 2023, prevê que as importações de carne bovina e suína
acumulariam, cada qual, aumento de quase 60% no período, acompanhadas
por crescimento discreto das importações de carne de aves. Para a soja, a
importação estimada é de cerca de 112 milhões de toneladas em 2030,
equivalente a 75% do total mundial.
Também para o milho, o crescimento previsto é dramático, fazendo
supor o fim da política chinesa de autossuficiência para o cereal. No
açúcar, diversas análises aponta para o declínio da produção doméstica e
aumento da demanda. São dados animadores, mas que não devem induzir à
acomodação.
O agronegócio brasileiro está exposto, numa escala sem precedentes,
aos movimentos e humores do mercado chinês. O caso da soja é
preocupante: 75% do total exportado em 2015 destinou-se à China.
Há
outras vulnerabilidades. O rigor na aplicação das normas sanitárias e
fitossanitárias pelas autoridades chinesas (às vezes justificável,
outras nem tanto) provoca súbitas interrupções do fluxo comercial, como
ocorreu com o milho e o frango americanos e com a carne bovina
brasileira.
Disfunções do sistema de preços mínimos geram surtos de importação,
logo seguidos de medidas ‘corretivas’, com consequente insegurança para o
exportador. Foi o caso do milho no início deste ano e, agora, do
açúcar. E há de se ter em conta a existência de concorrentes de peso
(EUA, UE, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Tailândia), alguns deles
com acesso preferencial ao mercado chinês.
A lista não é exaustiva. A aprovação de novos eventos de OGM a as
preocupações da China com sua segurança alimentar mereceriam capítulos à
parte.
Nenhum desses riscos colaterais deve ser motivo de desestímulo. O que
se requer é atenção e cuidado redobrados. A aposta na China ficou alta
demais para não merecer tratamento diferenciado.
Começando pelo setor
privado, é espantoso constatar que se contam nos dedos da mão as
empresas brasileiras do agronegócio que mantêm representação presencial
em Pequim.
As associações de classe, por sua vez, estão inteiramente ausentes,
excetuada uma representação quase fictícia da CNA. O quadro é insólito
para um comércio de dezenas de bilhões de dólares quando se constata a
presença, em Pequim ou outras cidades de associações de classe
americanas (de soja e de carnes, entre outras), independentemente da
força dominante das tradings. Conclui-se, como dizem alguns, que o
Brasil não ‘vende’, o Brasil é ‘comprado’. É urgente mudar essa atitude.
É necessário mudar também a forma desatenta com que o setor vislumbra
seu próprio futuro. Projeções de demanda, como as citadas acima, têm
seu valor limitado para o Brasil, se não se buscar compreender o que
será a futura competitividade brasileira face aos concorrentes, operando
em condições diferenciadas de custos e de acesso. Faltam estudos nessa
linha.
No plano governamental, a incapacidade de ação no quesito logística é
o retrato de um Brasil sem fôlego para investir e enredado em suas
próprias amarras ao tentar atrair quem invista. Mesmo com uma
infraestrutura de transportes mais eficiente, a distância geográfica,
por si só, já colocaria o Brasil em desvantagem. Não é preciso dizer
mais.
Se resultados nessa área não são viáveis a curto prazo, há espaço
para ações ma categoria ‘melhores práticas’, duas em particular. O
sistema brasileiro de inspeção e certificação sanitária, embora
satisfatório, tem que estar submetido a permanente aperfeiçoamento.
Falhas podem redundar no fechamento do mercado por meses ou anos e não
faltarão interessados em explorar a situação.
Na vertente política, a construção da confiança recíproca requer
visitas anuais do ministro da Agricultura à China, prática que teria que
estar complementada por frequentes convites a ministros e outras
autoridades chinesas para conhecerem de perto a excelência alcançada
pelo Brasil no setor. Na China, barreiras ao acesso podem ser
científicas ou técnicas no seu embasamento, mas são políticas no seu
tratamento.
É imperativo, até mesmo para melhor compreender a própria China,
explorar comercialmente outros espaços na Ásia. O recente périplo do
ministro Blairo Maggi, inédito em sua cobertura geográfica, requer
continuidade.
Até onde se pode prever, a China continuará gerando demanda e
absorvendo o que o Brasil tiver a ofertar a preços competitivos. Mas, o
agronegócio brasileiro ainda não se deu conta de sua própria dimensão
nem parece preocupado em articular ação externa compatível com a escala
de seus interesses. É possível fazer melhor
(Valdemar Carneiro Leão foi
embaixador do Brasil na China)
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