É
consabido que a solução de controvérsias no Brasil possui um nítido
viés contencioso e que há sentimento arraigado de que contendas somente
se resolvem no Judiciário. Para reverter essa situação, ultimamente, tem
havido esforço, para que, em nossas escolas de Direito, essa questão
seja discutida e seja ressaltada a existência de outros meios, mais
aptos, mais rápidos e mais baratos de se solver diferendos.
A posição do Brasil em diversos rankings
não é nada alentadora, o que é comprovado por sucinta amostragem.
Segundo o Banco Mundial, em 2014, o Brasil figurava na 120º posição,
entre 189 países, no quesito melhor ambiente para negócios, bem abaixo
de outras nações latino-americanas, como México (39º) e Chile (41º);
embora acima da Argentina (124º). Conforme o Doing Business Report,
no Brasil eram necessários 100 dias, em 2013, e 83, em 2014, para a
abertura de uma empresa. Investigação do Fórum Econômico Mundial, que
examinou 144 países, classificou o Brasil entre os últimos colocados em
alguns aspectos: peso das regulações governamentais (143º), confiança
nos políticos (140º), desperdício do governo (137º) e desvios dos
recursos públicos (135º).
A Justiça brasileira, em todas as suas
instâncias, é criticada pela morosidade, ineficiência dos serviços
judiciários, informatização insuficiente, além de falta de planejamento
estratégico e de gerenciamento. Tais problemas aumentaram depois do
crescimento incrível das demandas, que se seguiu à entrada em vigor da
Constituição de 1988. Pesquisas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
feitas em 2011 e 2012, revelaram que os setores públicos federais e
estaduais detinham 39,3 dos processos iniciados no primeiro grau e nos
juizados especiais; sendo os três maiores litigantes, o Instituto
Nacional de Seguro Social (INSS), a Caixa Econômica Federal e a Fazenda
Nacional. Pesquisas levadas a cabo pela Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB), em 2010 a 2013, demonstram, que, em 8 das 10 unidades
da Federação estudadas, os municípios, os estados e a Federação são
responsáveis pela maior parte das ações interpostas.
A
Constituição e a legislação infraconstitucional, bem como a diversidade
das respectivas interpretações contribuem enormemente para propiciar a
judicialização e alimentar a cultura da litigação contenciosa. A
lentidão excessiva do Judiciário, por seu turno, completa o círculo
vicioso. Ademais da morosidade processual, a instabilidade das decisões
judiciais provoca insegurança jurídica, afasta investimentos e prejudica
as relações comerciais. Em suma, os aspectos acima comentados
desestimulam transações comerciais, aumentam os riscos dos investimentos
e influem negativamente no desenvolvimento econômico brasileiro.
Para
verificar se a essa verdade empírica, soma-se a verdade científica, o
Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES), think tank
sem fins lucrativos, acaba de realizar, sob a coordenação da
professora doutora. Maria Teresa Sadek (recém empossada como diretora no
CNJ), pesquisa comparativa, que analisou o contencioso judicial,
trabalhista, tributário e cível de algumas empresas no Brasil, Argentina
e Chile. A Argentina foi escolhida pelos avanços de seus métodos
consensuais de resolução de conflitos; enquanto que o Chile, por suas
políticas favoráveis ao mercado e por ter modernizado seu Judiciário. O
intuito foi trazer elementos que contribuam para aclarar as relações
entre Direito e o desenvolvimento econômico.
Foram utilizados o
método quantitativo (análise de dados fornecidos pelas empresas) e o
qualitativo (entrevistas com advogados corporativos, para identificar
percepções acerca da Justiça e respectivas consequências sobre as
empresas e a economia do país); bem como feitos estudos de caso.
Para
a pesquisa, cujo relatório final tem 74 páginas, foram selecionadas
três grandes empresas, que atuavam em diferentes setores da economia dos
três países escolhidos, além de ter relevância no mercado
internacional. Obviamente, a análise tomou em conta aspectos que
permitissem a comparação, bem como o tamanho de cada empresa nos países.
Primeiramente,
vejam-se os números encontrados, com relação à empresa do setor
financeiro. O número geral de processos dessa empresa, no Brasil, foi de
5.890 vezes mais ações do que na Argentina; e 23.560 vezes,
relativamente ao Chile. Tendo em vista as proporções “normalizadas”, que
levam em conta o parâmetro “número de clientes”, no tocante ao volume
de ações trabalhistas: a empresa no Brasil possui 1.486 vezes mais ações
trabalhistas, em comparação com a Argentina; e 30.461 vezes, se
cotejada com o Chile. As especificidades do setor tributário dificultam e
mesmo impedem a comparação. Por isso a pesquisa, nesse aspecto,
cingiu-se à relação entre os números do Brasil e do Chile, tendo chegado
à conclusão que, no Brasil, há 7 mil vezes mais ações tributárias do
que no Chile. Já no âmbito cível, a empresa do setor financeiro, em
2014, possuía 1.321,6 vezes mais ações do que na Argentina; e 48
mil vezes mais do que no Chile. Nesse último caso, existe uma ação para
cada 50 clientes, enquanto que na Argentina e no Chile, há uma ação,
respectivamente, para cada 443 e 20.948 clientes.
Em segundo
lugar, observem-se os números da empresa no setor de agronegócio. Para
se ter ideia da dimensão da empresa em cada país pesquisado, levou-se em
conta o respectivo faturamento em dólares norte-americanos. No Brasil, a
empresa fatura 2,9 vezes mais do que na Argentina e 14,8 vezes mais do
que no Chile. A empresa possui no Brasil, em termos absolutos, 5 vezes
mais ações judiciais do que na Argentina; e 14,8 vezes mais do que no
Chile, Assim, em termos absolutos, a empresa no Brasil ostenta 5 vezes
mais ações do que na Argentina e 78 vezes mais, relativamente ao Chile.
No âmbito trabalhista, para cada 2,85 empregados no Brasil, existe uma
ação trabalhista; enquanto que na Argentina, essa relação é de 1 ação
para cada 8,97 empregados; e no Chile é de 1 ação para cada 26,7
empregados. Em números absolutos, a empresa possui 9,6 mais ações
trabalhistas do que na Argentina e 125, relativamente ao Chile. A
possibilidade de se fazer acordo é 16 vezes menor no Brasil, do que na
Argentina e no Chile. Passando-se à esfera tributária, a empresa tem no
Brasil 10,2 vezes mais ações em comparação com a Argentina e 25,5 vezes
mais ações do que no Chile. O valor provisionado no Brasil para ações
tributárias é 7 vezes maior do que o verificado na esfera trabalhista.
Por
fim, são os seguintes os números encontrados para a empresa do setor de
bens de consumo. Para que a comparação fosse adequada, considerou-se a
dimensão da empresa em cada um dos países, consoante o volume de
negócio, partindo do volume da produção em hectolitros, no ano de 2014: o
Brasil produz cerca de 4,96 vezes mais volume do que a Argentina e
78,33 vezes mais do que o Chile. A empresa tem no Brasil 7,78 vezes mais
ações do que na Argentina e 25,53 vezes mais se comparada com o Chile.
No que tange aos números totais de processos, em termos absolutos, a
empresa no Brasil possui 38,6 vezes mais ações do que na Argentina; e 2
mil vezes no cotejo com o Chile. É de 0,52% do montante faturado por
ano, a relação entre valor provisionado e faturamento no Brasil; e de
0,89% para a Argentina; não havendo números para o Chile. Na esfera
trabalhista, há uma ação trabalhista, para cada 1,6 empregados no
Brasil. Na Argentina essa relação é de 1 ação para cada 9,3 empregados;
enquanto que no Chile, é de 1 ação para cada 27,11 empregados. A empresa
no Brasil possui 36,9 vezes mais ações do que a Argentina; e 1,548,5
vezes em relação ao Chile; em termos absolutos. No âmbito tributário, a
empresa no Brasil possui 334 vezes ações do que na Argentina;
impossibilitada a comparação com o Chile, nesse aspecto. Finalmente, na
esfera civil, a empresa no Brasil, tem, em termos absolutos, 18 vezes
mais ações do que na Argentina; e 723 vezes mais de que no Chile.
Tão
importante quanto os números da pesquisa, que acabam de ser
revisitados; e que, por saltarem aos olhos, prescindem de comentários
explicativos; são as percepções que os entrevistados têm sobre o impacto
da atuação da legislação e do Poder Judiciário no desempenho das
empresas e, por consequência, na economia dos países pesquisados,
particularmente do Brasil. Essas percepções dizem respeito às leis; aos
vários ramos do Poder Judiciário e respectivos desempenhos; ao ambiente
de negócios; às gratuidades da Justiça; e ao dano moral. Tais
percepções, pela sua importância, serão examinadas, detidamente, em
continuação.
João Grandino Rodas é
professor titular da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal
Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA)
e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.
http://www.conjur.com.br/2016-nov-03/olhar-economico-contencioso-juridico-empresas-brasil-argentina-chile
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