O que os donos do hotel Saint Peter em Brasília ganharam do governo e do PT para, em troca, empregar o mensaleiro José Dirceu com salário de R$ 20 mil. Até o Cade entrou na jogada
Josie Jeronimo e Izabelle Torres
Localizado no degradado Setor Hoteleiro
Sul de Brasília, o Hotel Saint Peter não é o que se pode chamar de um
empreendimento de luxo. Nos corredores, carpetes manchados e restos de
material de obra. Nas varandas, roupas penduradas para secar ao sol dão
a impressão de um alojamento decadente e deixam claro que o perfil dos
hóspedes do local não é dos mais exigentes. A propaganda para atrair
clientes mostra o que o hotel considera seu ponto forte: “profissionais
qualificados trabalham focados para fazer de sua hospedagem um momento
único e especial”. Se de fato são “qualificados” e “focados”, só quem
se hospeda lá poderá atestar. Uma coisa é certa: o hotel abrigará um
profissional ilustre da política.
Quem adentrar na recepção e perguntar
pelo gerente irá se deparar com o ex-ministro condenado ao regime
semiaberto no processo do mensalão, José Dirceu. O ex-chefe da Casa
Civil de Lula apresentou à Justiça a carteira de trabalho já assinada
pelo hotel com o salário de R$ 20 mil para atuar como
gerente-administrativo. Pelo combinado, Dirceu vai ganhar uma pequena
sala próxima ao lobby do hotel e oficialmente terá a missão de resolver
problemas “complexos” como a reforma da piscina e a recuperação da área
da cobertura.
NO LOBBY
Localizado no Setor Hoteleiro Sul de Brasília, o Hotel Saint Peter topou
empregar José Dirceu como gerente-administrativo. O mensaleiro
vai ganhar uma pequena sala próxima ao lobby do hotel
Mas não foi o talento para resolver problemas de reformas ou a
experiência como lobista que levaram Dirceu até o novo emprego. Seus
amigos estavam com dificuldades para encontrar um local de trabalho
adequado e que aceitasse o desgaste público de tê-lo como funcionário.
Foi então que petistas resolveram cobrar dos donos do Hotel Saint Peter,
Paulo Masci de Abreu e seu filho Raul Rothschild, uma antiga dívida com
o PT, mostrando que a troca de favores entre governo e os empresários
vai muito além do fato inusitado de encontrar José Dirceu dando
expediente em hotel decadente.
Os Rothschild Abreu atuam no ramo empresarial e de comunicação desde a
década de 1990, mas o poder da família deu um salto a partir de 2005.
Nesse ano, Paulo Masci de Abreu ganhou o direito de explorar por dez
anos concessão de frequência da Fundação Assistencial, Educacional e
Cultural Áudio, entidade sem fins lucrativos. Depois disso, a lista de
rádios só cresceu, assim como a chegada de verbas publicitárias oficiais
nas contas das empresas.
TROCA DE FAVORES
As rádios do dono do Saint Peter, Paulo Masci de Abreu, recebem
recursos do Ministério da Integração, da Previdência,
do Ministério do Trabalho e do Banco do Brasil
Além de apoio em publicidade institucional, os Rothschild Abreu
conquistaram vitórias importantes no Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade), órgão subordinado ao Ministério da Fazenda, justamente
na mesma semana em que Dirceu assinou seu contrato de trabalho com o
Hotel Saint Peter. Desde outubro de 2011, os empresários aguardam
parecer da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e do Cade sobre
a operação de compra de três emissoras de tevê UHF. Paulo de Abreu
escalou seus filhos Raul e Cintia para solicitar a compra das tevês,
mas, como os nomes dos dois constam no quadro societário de outras
concessões de empresas de comunicação, o empresário nomeou duas outras
pessoas para assumir o negócio.
Apesar do drible na legislação, a Anatel não se opôs e deu parecer
positivo em consulta sobre suposta concentração de veículos de
comunicação com um mesmo dono. Mas para o negócio – de cerca de R$ 500
milhões – ser fechado não bastava o aval da Anatel. O Cade também
precisava se pronunciar, mas o processo estava parado havia quase dois
anos. Na véspera da decretação da prisão de Dirceu, no dia 14 de
novembro, o processo entrou na pauta do conselho e no dia 20 recebeu
parecer favorável à realização do negócio. Isso apesar de existir lei
federal limitando o número de empresas concentradas em um mesmo grupo.
INFERNO ASTRAL
A vinculação política e econômica do hotel que empregou Dirceu com
o governo federal pode prejudicar a contratação do ex-ministro
Os favores concedidos pelo governo petista ao milionário Paulo de
Abreu e sua família não param por aí. O Ministério das Comunicações tem
feito ao longo dos anos acompanhamento superficial nas concessões e
outorgas das rádios da família. Não por acaso, pelo menos dez delas
possuem autorização para funcionar em locais isolados, mas suas antenas
estão em áreas privilegiadas das grandes cidades. Mudanças feitas sem
qualquer autorização. Na Polícia Federal, quatro investigações sobre o
grupo de comunicação e o descumprimento de leis caminham a passos lentos
e nunca tiveram um desfecho. Paulo de Abreu ainda mantém contratos de
gavetas em que ele é o proprietário de pelo menos outras cinco rádios
que ainda constam no nome de antigos proprietários.
As rádios do novo chefe de Dirceu têm recebido apoio institucional de
vários órgãos do governo federal. Só da Secretaria de Comunicação da
Presidência da República foram mais de R$ 150 mil nos últimos três anos
para a Mundial FM, uma das 13 empresas de comunicação registradas em
nome da família. A rádio é comandada por Luci Rothschild Abreu, mulher
de Paulo. As rádios da família Rothschild Abreu também recebem recursos
do Ministério da Integração, da Previdência, do Ministério do Trabalho e
do Banco do Brasil para veicular publicidade institucional. Os valores
desses repasses não são públicos.
Enquanto os donos do Hotel Saint Peter comemoram as recentes
conquistas dos seus negócios, a Justiça analisa as condições e os termos
do contrato de Dirceu. A primeira etapa é o parecer do Ministério
Público. Depois, uma junta de assistentes sociais da Vara de Execuções
Penais do Distrito Federal visitará os empregadores para uma entrevista e
somente depois sairá a decisão.
O presidente da Associação Nacional de
Magistrados Estaduais (Anamages), Antonio Sbano, explica que a
vinculação política e econômica do hotel que empregou Dirceu com o
governo federal pode prejudicar a contratação do ex-ministro. “Se for
comprovado que é uma coisa que está mascarando alguma situação, o juiz
de execução pode negar.” Para o advogado de Paulo de Abreu, Miguel
Pereira, não há qualquer risco de o pedido ser negado sob alegação dessa
proximidade.
“O trabalho é idôneo. Essa proximidade com José Dirceu não
existe. Se colocar os dois na mesma sala com outras pessoas, é capaz de
Dirceu nem saber quem é o Paulo”, diz. O desafio para Dirceu será
mostrar que seu trabalho no hotel será mesmo gerenciar os problemas
administrativos e que isso nada tem a ver com a imensa lista de favores
que Paulo Abreu vem recebendo dos petistas.
Fotos: TERCIO TEIXEIRA/FUTURA PRESS; Adriano Machado; Nacho Doce/Reuters
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