domingo, 1 de dezembro de 2013

Quero falar com o gerente


O que os donos do hotel Saint Peter em Brasília ganharam do governo e do PT para, em troca, empregar o mensaleiro José Dirceu com salário de R$ 20 mil. Até o Cade entrou na jogada

Josie Jeronimo e Izabelle Torres
 
Localizado no degradado Setor Hoteleiro Sul de Brasília, o Hotel Saint Peter não é o que se pode chamar de um empreendimento de luxo. Nos corredores, carpetes manchados e restos de material de obra. Nas varandas, roupas penduradas para secar ao sol dão a impressão de um alojamento decadente e deixam claro que o perfil dos hóspedes do local não é dos mais exigentes. A propaganda para atrair clientes mostra o que o hotel considera seu ponto forte: “profissionais qualificados trabalham focados para fazer de sua hospedagem um momento único e especial”. Se de fato são “qualificados” e “focados”, só quem se hospeda lá poderá atestar. Uma coisa é certa: o hotel abrigará um profissional ilustre da política. 

Quem adentrar na recepção e perguntar pelo gerente irá se deparar com o ex-ministro condenado ao regime semiaberto no processo do mensalão, José Dirceu. O ex-chefe da Casa Civil de Lula apresentou à Justiça a carteira de trabalho já assinada pelo hotel com o salário de R$ 20 mil para atuar como gerente-administrativo. Pelo combinado, Dirceu vai ganhar uma pequena sala próxima ao lobby do hotel e oficialmente terá a missão de resolver problemas “complexos” como a reforma da piscina e a recuperação da área da cobertura.
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NO LOBBY
Localizado no Setor Hoteleiro Sul de Brasília, o Hotel Saint Peter topou
empregar José Dirceu como gerente-administrativo. O mensaleiro
vai ganhar uma pequena sala próxima ao lobby do hotel

Mas não foi o talento para resolver problemas de reformas ou a experiência como lobista que levaram Dirceu até o novo emprego. Seus amigos estavam com dificuldades para encontrar um local de trabalho adequado e que aceitasse o desgaste público de tê-lo como funcionário. Foi então que petistas resolveram cobrar dos donos do Hotel Saint Peter, Paulo Masci de Abreu e seu filho Raul Rothschild, uma antiga dívida com o PT, mostrando que a troca de favores entre governo e os empresários vai muito além do fato inusitado de encontrar José Dirceu dando expediente em hotel decadente.

Os Rothschild Abreu atuam no ramo empresarial e de comunicação desde a década de 1990, mas o poder da família deu um salto a partir de 2005. Nesse ano, Paulo Masci de Abreu ganhou o direito de explorar por dez anos concessão de frequência da Fundação Assistencial, Educacional e Cultural Áudio, entidade sem fins lucrativos. Depois disso, a lista de rádios só cresceu, assim como a chegada de verbas publicitárias oficiais nas contas das empresas.

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TROCA DE FAVORES
As rádios do dono do Saint Peter, Paulo Masci de Abreu, recebem
recursos do Ministério da Integração, da Previdência,
do Ministério do Trabalho e do Banco do Brasil

Além de apoio em publicidade institucional, os Rothschild Abreu conquistaram vitórias importantes no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão subordinado ao Ministério da Fazenda, justamente na mesma semana em que Dirceu assinou seu contrato de trabalho com o Hotel Saint Peter. Desde outubro de 2011, os empresários aguardam parecer da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e do Cade sobre a operação de compra de três emissoras de tevê UHF. Paulo de Abreu escalou seus filhos Raul e Cintia para solicitar a compra das tevês, mas, como os nomes dos dois constam no quadro societário de outras concessões de empresas de comunicação, o empresário nomeou duas outras pessoas para assumir o negócio.

Apesar do drible na legislação, a Anatel não se opôs e deu parecer positivo em consulta sobre suposta concentração de veículos de comunicação com um mesmo dono. Mas para o negócio – de cerca de R$ 500 milhões – ser fechado não bastava o aval da Anatel. O Cade também precisava se pronunciar, mas o processo estava parado havia quase dois anos. Na véspera da decretação da prisão de Dirceu, no dia 14 de novembro, o processo entrou na pauta do conselho e no dia 20 recebeu parecer favorável à realização do negócio. Isso apesar de existir lei federal limitando o número de empresas concentradas em um mesmo grupo.

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INFERNO ASTRAL
A vinculação política e econômica do hotel que empregou Dirceu com
o governo federal pode prejudicar a contratação do ex-ministro 

Os favores concedidos pelo governo petista ao milionário Paulo de Abreu e sua família não param por aí. O Ministério das Comunicações tem feito ao longo dos anos acompanhamento superficial nas concessões e outorgas das rádios da família. Não por acaso, pelo menos dez delas possuem autorização para funcionar em locais isolados, mas suas antenas estão em áreas privilegiadas das grandes cidades. Mudanças feitas sem qualquer autorização. Na Polícia Federal, quatro investigações sobre o grupo de comunicação e o descumprimento de leis caminham a passos lentos e nunca tiveram um desfecho. Paulo de Abreu ainda mantém contratos de gavetas em que ele é o proprietário de pelo menos outras cinco rádios que ainda constam no nome de antigos proprietários.

As rádios do novo chefe de Dirceu têm recebido apoio institucional de vários órgãos do governo federal. Só da Secretaria de Comunicação da Presidência da República foram mais de R$ 150 mil nos últimos três anos para a Mundial FM, uma das 13 empresas de comunicação registradas em nome da família. A rádio é comandada por Luci Rothschild Abreu, mulher de Paulo. As rádios da família Rothschild Abreu também recebem recursos do Ministério da Integração, da Previdência, do Ministério do Trabalho e do Banco do Brasil para veicular publicidade institucional. Os valores desses repasses não são públicos.

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Enquanto os donos do Hotel Saint Peter comemoram as recentes conquistas dos seus negócios, a Justiça analisa as condições e os termos do contrato de Dirceu. A primeira etapa é o parecer do Ministério Público. Depois, uma junta de assistentes sociais da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal visitará os empregadores para uma entrevista e somente depois sairá a decisão. 

O presidente da Associação Nacional de Magistrados Estaduais (Anamages), Antonio Sbano, explica que a vinculação política e econômica do hotel que empregou Dirceu com o governo federal pode prejudicar a contratação do ex-ministro. “Se for comprovado que é uma coisa que está mascarando alguma situação, o juiz de execução pode negar.” Para o advogado de Paulo de Abreu, Miguel Pereira, não há qualquer risco de o pedido ser negado sob alegação dessa proximidade. 

“O trabalho é idôneo. Essa proximidade com José Dirceu não existe. Se colocar os dois na mesma sala com outras pessoas, é capaz de Dirceu nem saber quem é o Paulo”, diz. O desafio para Dirceu será mostrar que seu trabalho no hotel será mesmo gerenciar os problemas administrativos e que isso nada tem a ver com a imensa lista de favores que Paulo Abreu vem recebendo dos petistas.  


Fotos: TERCIO TEIXEIRA/FUTURA PRESS; Adriano Machado; Nacho Doce/Reuters

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