Em oito meses, o governo Temer deslanchou quase metade de um programa de concessões em infraestrutura à iniciativa privada - duas vezes superior ao de Dilma
São Paulo – A julgar pelo barulho causado pelas
paralisações nas principais cidades brasileiras no dia 28 de abril, as
grandes reformas do governo Michel Temer, como a trabalhista e a da
Previdência, ainda vão enfrentar resistência para sair do papel.
Enquanto isso, uma agenda reformista de menor porte, mas com histórico
enroscado, dá sinais de que finalmente andou: as concessões em infraestrutura.
Em oito meses de Programa Crescer, um pacote federal para atrair
investidores aos projetos do setor, o governo já garantiu 20 bilhões de
reais em investimentos privados. É quase metade dos 45 bilhões de reais
previstos hoje no programa — e uma execução inédita para o padrão dos
pacotes de concessões em infraestrutura lançados nesta década. As
iniciativas anteriores, do governo Dilma Rousseff, foram marcadas por
planos ambiciosos e pouca entrega de resultados.
Na primeira tentativa, o Programa de Investimentos em Logística, de 2012, num montante de 213 bilhões de reais em investimentos
apresentados ao mercado, apenas um terço saiu do papel após quatro
anos. Além disso, boa parte desses negócios foi fechada com empreiteiras
hoje atoladas na Operação Lava-Jato e sem crédito para honrar os
contratos. Lançado em 2015 numa tentativa de recuperar uma economia em
queda livre, o Programa de Investimentos em Logística 2 foi ainda pior:
fomentou somente 3% dos 198 bilhões de reais em investimentos previstos
em 200 ativos — houve avanço apenas na licitação de 14 terminais
portuários.
Diante das incertezas atuais sobre a economia brasileira, o que explica o bom desempenho
do Programa Crescer em relação às tentativas anteriores? Em grande
medida, pesa a favor o fato de o governo Michel Temer dar condições mais
atraentes ao investidor. Um exemplo são os leilões de energia elétrica.
Na época de Dilma, que impunha controles rígidos sobre a lucratividade
do parceiro privado, os leilões não raro terminavam às moscas ou só
tinham lances da estatal Eletrobras.
Nos novos certames, o governo reajustou em 15% a taxa de retorno. O
resultado: no leilão mais recente, no fim de abril, houve uma média de
sete interessados por lote, uma concorrência motivada pela entrada de
estreantes e pela presença de investidores que haviam sumido com o
intervencionismo de Dilma, como a colombiana ISA Cteep, uma das
principais concessionárias de energia no país. Após um hiato de cinco
anos em leilões, a companhia voltou a investir no fim de 2016, já no
governo Temer, e arrematou cinco lotes na disputa de abril. “O governo
está oferecendo mais garantia de que vai deixar o mercado encontrar o
equilíbrio de preços”, diz Reynaldo Passanezi Filho, presidente da ISA
Cteep.
O risco de colocar dinheiro no Brasil caiu também por inovações do
Crescer, como a adotada no leilão dos aeroportos, em março, em que o
governo permitiu aos participantes usar parte do valor da outorga na
contratação de um seguro contra variações cambiais. A consequência é um
número maior de estrangeiros de olho nos ativos brasileiros. Trata-se de
um bom sinal para uma economia que precisa urgentemente de um novo
motor para o crescimento. De acordo com a consultoria GO Associados, a
fatia de projetos adquiridos por empresas com capital externo subiu de
10% nos pacotes de Dilma para 38% no Crescer.
A mudança acontece em conjunto com uma melhora geral do humor sobre o
país lá fora, motivada pela retomada da agenda de reformas. “A
percepção é que o Brasil entrou num ciclo positivo, diferentemente de
outros mercados emergentes, como África do Sul, México e Turquia”, diz
Luiz Sorge, presidente da gestora de investimentos do banco BNP Paribas
no Brasil, que deverá lançar no primeiro semestre um fundo de até 1
bilhão de reais para participar de projetos de infraestrutura por aqui
nos próximos 15 anos.
Até o fim do ano que vem, o planejamento do Crescer é levar ao
mercado os 49 projetos que restam dos 90 anunciados em março, na segunda
reunião do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), força-tarefa de
dez ministérios e bancos públicos para destravar os negócios no setor.
Mas esse número poderá aumentar com a inclusão de propostas hoje em
consulta por técnicos do governo ou pelo Tribunal de Contas da União,
que na época de Dilma não raro questionou os termos de projetos já
vendidos. “Só colocamos na lista os projetos que já passaram dessa
fase”, diz Adalberto Vasconcelos, secretário do PPI.
Um dos setores que mais devem se beneficiar daqui para a frente é o
de óleo e gás, que vem sofrendo com a falta de novas áreas para
exploração. No ano passado, só sete poços foram perfurados, o menor
número desde 1969, segundo a Agência Nacional do Petróleo. Na origem do
problema está a falta de um cronograma de licitações no setor — a última
rodada de áreas nas reservas do pré-sal, as maiores e mais rentáveis do
país, ocorreu em 2013.
A promessa é realizar dez rodadas de licitações até o fim de 2019 —
quatro serão neste ano e já estão na lista do Crescer. A expectativa é
grande por causa da decisão do Congresso de reduzir à metade o patamar
de componentes brasileiros no maquinário para a exploração de óleo e
gás, hoje em 25% do total, e devido ao fim da obrigação de a Petrobras
ser a operadora única dos campos. Se as rodadas forem bem-sucedidas, a
previsão é de até 17 novos poços abertos no ano que vem e de 45 em 2020,
retomando o patamar de 2013, quando o setor estava em plena expansão.
“Será o suficiente para investimentos de até 620 bilhões de dólares na
cadeia de óleo e gás em 15 anos”, diz Matheus Nogueira, diretor
executivo da consultoria Accenture Strategy.
Riscos ambientais
Embora o Crescer tenha um bom retrospecto até agora, há uma série de
riscos à frente. A começar pela qualidade dos ativos esperando leilão,
em especial o conjunto de ferrovias formado por Ferrogrão, entre Mato
Grosso e Pará; Norte-Sul, entre Tocantins e São Paulo; e Integração
Leste-Oeste, na Bahia. Desse conjunto, a expectativa é de investimentos
em torno de 15 bilhões de reais. “Entre essas ferrovias, só a Ferrogrão
tem uma clara viabilidade econômica”, diz o economista Cláudio
Frischtak, presidente da Inter.B, consultoria em infraestrutura. “As
demais carecem de demanda.”
O risco de faltar cargas pode diminuir com a aprovação da Medida
Provisória no 752, que obriga as concessionárias a transportar cargas de
concorrentes. Até o fechamento desta edição, no dia 1o de maio, a
votação estava na pauta da Câmara. Há ainda o risco de o licenciamento
ambiental dos projetos, seja os já leiloados, seja os que aguardam na
lista, se arrastar durante anos. No lançamento do Crescer, havia a
expectativa de os ativos irem a leilão já com essa etapa resolvida, o
que não ocorreu porque os projetos de agora são herdados da gestão Dilma
e já tinham um pedido de licença ambiental em andamento. “Não podíamos
parar o programa inteiro para ficar à espera de novos licenciamentos”,
diz Vasconcelos, do PPI. “A ideia é que os projetos que ainda serão
incorporados ao Crescer já saiam para leilão com essa etapa resolvida.”
Outra medida é estipular nos novos contratos as etapas e as condições
de demanda para cada obra acontecer. O intuito é evitar intervenções
desnecessárias, tornando o licenciamento ambiental imediato mais leve e,
em tese, mais rápido. Em oito meses, o programa de concessões do
governo federal conseguiu destravar investimentos parados há cinco anos
nas mãos do governo anterior. A torcida é para que o ritmo não
desacelere daqui em diante.
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