O ajuste comandado por Abilio Diniz quer devolver os bons resultados da BRF, uma ambição desafiada pela Carne Fraca
A tempestade perfeita ocorrida em 2016 abalou a estratégia
da BRF – até então tida como segura – de manter metade de sua receita
atrelada ao comércio exterior. O preço do milho, matéria-prima básica da
cadeia de frangos e suínos, inflou no Brasil, refletindo a quebra da
safra. Já a colheita recorde do grão nos Estados Unidos fez com que a
companhia de Itajaí (SC) perdesse competitividade lá fora. Se não
bastasse isso, enquanto os produtores brasileiros de frango reduziram a
produção ante o cenário adverso do setor, concorrentes ao redor do mundo
aproveitaram o momento de maior competitividade relativa e aumentaram a
oferta do produto.
Na Tailândia, por exemplo, a produção de carne da
ave cresceu 10,7% em 2016, e os volumes exportados para outros países da
Ásia aumentaram consideravelmente no segmento in natura. Na Europa, a
Polônia elevou a produção em cerca de 13% em 2016 (dados até outubro) e
elevou seus embarques para outros países do continente. O mesmo ocorreu
com a Ucrânia, que, além da alta na produção de frango, teve forte
crescimento no volume de exportação, com destaque para mercados do
Oriente Médio e da Europa.
Por aqui, a crise econômica fez com que
os consumidores buscassem produtos mais baratos. Por causa da política
de repasse de preços encabeçada pela BRF, a concorrência passou a
acompanhar o movimento de maneira mais rápida. No início do ano passado,
por exemplo, os reajustes de preços feitos pela BRF no Brasil para
compensar a alta dos grãos só foram seguidos por outros players dois
meses depois, o que ajudou a reduzir a participação de mercado da
empresa.
Isso fez com que a reintrodução da marca Perdigão, lançada no
segundo trimestre para ganhar mercado da Seara, tirasse share da própria
Sadia, grife de maior rentabilidade no portfólio da BRF. Esse conjunto
de fatores fez com que a companhia catarinense reportasse seu primeiro
prejuízo anual desde que foi criada, em 2009. No ano passado, a empresa
teve um prejuízo líquido de R$ 372 milhões, ante um lucro líquido de R$
2,9 bilhões em 2015. O revés foi provocado pelo desempenho do quarto
trimestre, período no qual a empresa teve perda de R$ 460 milhões. A BRF
também foi afetada pela alta do real perante o dólar. A valorização da
moeda brasileira reduziu a rentabilidade das exportações da empresa. No
acumulado de 2016, a receita líquida da companhia aumentou 4,8%,
chegando a R$ 33,7 bilhões. O crescimento das vendas no ano passado
decorreu, sobretudo, das aquisições feitas pela empresa no exterior.
O
resultado desanimador fez com que Abilio Diniz, presidente do Conselho
de Administração da companhia, viesse a público anunciar mudanças. A BRF
contratou a consultoria BCG para dar suporte ao novo desenho de gestão.
O plano foi apresentado em uma reunião de conselho que durou quase 10
horas – praticamente o dobro do tempo habitual. “Não queremos ficar à
mercê dos ciclos ou mesmo do câmbio”, afirmou Diniz. O empresário também
revelou a criação de um comitê para corrigir os erros, em particular na
ligação entre a cadeia produtiva e o consumidor. Diniz comentou durante
a análise do resultado anual, diante de analistas de mercado, que a
reorganização levada a cabo na empresa, a partir de 2013, fez com que
houvesse uma ruptura no gerenciamento da cadeia produtiva. A partir de
agora, no entanto, a BRF reestabelecerá o canal entre produção e vendas.
A
companhia também voltará a centralizar a maior parte das decisões, pois
a descentralização exercida tanto em nível global como regionalmente,
no Brasil, foi avaliada como muito excessiva. A decisão foi tomada ainda
no final do ano passado, mesmo com o comitê passando a operar apenas a
partir de fevereiro. O grupo composto por Abilio, Eduardo D´Ávila, José
Carlos Magalhães (sócio da Tarpon, gestora de recursos que tem uma fatia
da BRF) e Walter Fontana (membro do conselho de administração da BRF e
ex-presidente da Sadia) tem reuniões semanais. “Passamos a olhar muito
mais o consumidor. Acho que isso é certo, mas tem de equilibrar. O
consumidor puxa, mas você tem de empurrar com a produção”, admite
Diniz. Ele também negou boatos de que a Península, sua firma de
investimentos, estaria deixando a operação da BRF. “Está na hora de
olharmos primeiro no espelho e depois na janela, pois a janela você não
controla e o espelho você controla”, compara Diniz, buscando demostrar o
comprometimento com as mudanças em curso.
Política agressiva
Se
muitas coisas tendem a mudar na nova gestão comandada pelo comitê, a
política agressiva da BRF no exterior deve seguir inalterada. Pelo menos
foi o que deu a entender o CEO Pedro Faria. “Temos de compreender que,
na maior parte dos mercados onde atuamos, a BRF é, talvez, o maior
player e, de certa forma, temos a capacidade de comandar ações”,
argumenta. Na Arábia Saudita, por exemplo, a companhia repassou o
aumento de impostos para o preço final. No Oriente Médio como um todo,
porém, a empresa optou por se defender às custas da redução da
rentabilidade média de curto prazo. Essa estratégia fez com que se
reestabelecesse um nível de estoque mais saudável nesses mercados. “O
cenário competitivo que enfrentamos no Oriente Médio não é diferente
daquele a que estamos acostumados historicamente”, atesta Faria. Essa
parte do mundo, aliás, é a maior aposta da BRF no plano internacional.
Tanto é que, desde o inicio de janeiro, a empresa iniciou as operações
da OneFoods (anteriormente chamada de Sadia Halal). Esse braço é
destinado ao mercado halal, onde o processamento e o consumo de
alimentos é feito de acordo com as tradições muçulmanas. A BRF mira um
público consumidor aproximado de 1,8 bilhão de pessoas. Sediada em
Dubai, nos Emirados Árabes, a empresa tem cerca de 15 mil funcionários. O
fornecimento dos produtos será feito a partir de dez plantas
industriais: oito no Brasil, uma em Abu Dhabi e outra na Malásia. Hoje, a
companhia detém quase metade ( 45%) do mercado de frango em países como
Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Qatar e Omã.
Para
alguns especialistas, a escolha pelo mercado halal também configura a
ponta de lança para que a empresa de Itajaí se torne global, de fato. “A
BRF ainda é majoritariamente brasileira. A oportunidade de se tornar
global, operando fábricas fora do país, faz com que se mitigue o risco
interno”, opina Ronaldo Kasinsky, analista da área de alimentos e
bebidas do Santander. A ambição da empresa é que as suas unidades fabris
no exerior representem 25% da produção total dentro de alguns anos –
hoje, esse índice é de 10%. Também como parte desse plano, a BRF
anunciou, em janeiro, seu desembarque na Turquia, o maior consumidor de
frango halal do mundo. Lá, a companhia assumiu as operações da Banvit,
maior produtora de aves no país. A Turquia tem uma população de cerca de
80 milhões de pessoas, que responde por cerca de 10% do consumo halal
em todo o mundo. Ainda assim, o consumo local de frango per capita é
pequeno, cerca de 20 quilos ao ano, e o mercado de alimentos processados
apresenta baixa penetração. Ou seja, o país oferece grande potencial de
crescimento para a maior exportadora do Sul.
A BRF já afirmou no
passado que também planeja ter uma planta industrial na China, em até
cinco anos. Um passo foi dado em novembro de 2016, quando a
multinacional brasileira concluiu a aquisição de 1,9% de participação
na chinesa Cofco Meat. “A BRF vem dando pequenos passos para atingir o
objetivo de ser cada vez mais global. Isso demanda tempo e parcimônia.
Pode ser que os recentes anúncios a façam ampliar o prazo de seus
objetivos por dois ou mais anos, mas o que interessa é não desviar do
norte”, avalia Vinícius Piccinini, analista de renda variável da
Quantitas.
O desafio da Carne Fraca
A Carne Fraca, operação que apura o envolvimento de frigoríficos acusados de subornar fiscais para comercializar produtos em condições impróprias, também atingiu a BRF. Alguns países chegaram a interromper a exportação de carne, mas depois reconsideraram a decisão. A questão é simples: algumas nações são quase “dependentes” da proteína brasileira – e não podem simplesmente suspender a importação e desabastecer o país. Ainda que esse detalhe torne o cenário menos nebuloso, o quadro da BRF é bem mais complexo. “No curto prazo, o consumidor tem bons argumentos para pagar menos pela marca, o que deixa a companhia em uma posição muito ruim de negociação. O X da questão é entender qual será a capacidade dela de aguentar essa queda de braço, visto que a BRF lida com um produto perecível”, alerta Piccinini. Ou seja, o desafio de Abilio Diniz se tornou ainda maior.
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