O Banco Central registrou a entrada no país de R$ 26,6 bilhões
Apesar de ser chamado de "repatriação",
essa não é a melhor definição para o programa que legalizou bilhões em
recursos clandestinos no exterior. Um levantamento feito pelo Estado,
por meio da Lei de Acesso à Informação, identificou que a imensa maioria
do dinheiro não voltou para o Brasil. Segundo a Receita Federal, foram
regularizados R$ 152,7 bilhões até agora, mas permanecem lá fora R$
126,1 bilhões - quase 83% do total. O Banco Central registrou a entrada
no país de R$ 26,6 bilhões. Detalhe: o grosso, R$ 151,6 bilhões,
pertence a pessoas físicas. Segundo advogados que trabalharam na
regularização, essa parcela menor foi trazida, principalmente, pelos
pequenos investidores, com menos de R$ 1 milhão. Tanto é assim que os
quase R$ 27 bilhões repatriados entraram no Brasil por meio de 10.194
contratos de câmbio. Isso indica que, na média, cada contrato foi de R$
260 mil.
Investidores
com valores maiores ainda resistem. Contam que tiraram o dinheiro do
país para ter uma espécie de "seguro" contra a instabilidade do Brasil e
não acham que é hora de voltar. "A maior parte dos investidores prefere
deixar o dinheiro lá fora até as coisas se acalmarem; querem ter uma
reserva em moeda forte contra os riscos econômicos e políticos daqui.
Tem crise, desemprego, Lava Jato. Ainda não estão acreditando no
Brasil", diz Ordélio Azevedo Sette, sócio fundador do Azevedo Sette
Advogados, que já fez mais de 100 procedimentos de regularização.
A
legalização mostrou que é antiga a prática de "exportar" capital
clandestinamente em tempos mais sensíveis. Pode-se dizer que o fluxo do
dinheiro ilegal conta a história das crises brasileiras. "No meio do
trabalho da repatriação, a gente pode ver, claramente, que os grandes
movimentos de envio de recursos para o exterior foram em momentos
pré-riscos políticos", diz o advogado tributarista Tiago Dockhorn, sócio
do escritório Machado, Meyer, que coordenou pessoalmente mais de uma
centena de repatriações. Dockhorn pontua as ocasiões que mais lhe
chamaram a atenção: 1986, época do Plano Cruzado, do presidente Sarney;
1990, no confisco de Fernando Collor de Mello; 2002, quando ficou claro
que Luiz Inácio Lula da Silva ganharia as eleições. "Passamos por tudo
isso e estamos todos aqui, vivos, com o país aberto e funcionando."
Câmbio
Há
razões financeiras também para manter o dinheiro fora do Brasil. Se o
recurso foi conquistado no exterior, não está sujeito à tributação. Mas
se for dinheiro gerado no Brasil e remetido para fora, a variação
cambial vai fazer a diferença na volta. É preciso pagar imposto de 15% a
22,5%, dependendo do tamanho do ganho com a oscilação do valor da
moeda. Pela lei da repatriação, o patrimônio mantido no exterior foi
declarado com base num dólar a R$ 2,65. Hoje a cotação passa de R$ 3.
Quem trouxer o dinheiro agora vai ter um custo.
Pesa também a
questão da diversificação. "A realidade do mercado lá fora é totalmente
outra: tem cultura de investimento de longo prazo, uma enorme
diversificação de produtos que a gente ainda não encontra aqui, por mais
que o mercado local já tenha se desenvolvido", diz Adalberto
Cavalcanti, sócio da RB Capital, uma subsidiária do grupo financeiro
Orix. O Orix serve de exemplo. Tem sede no Japão, está presente em 37
países e oferece alternativas de investimento como obras de
infraestrutura em municípios, construção de aeroportos e projetos de
energia solar.
Os especialistas também acreditam que, após
estruturar um investimento no exterior, fica desconfortável voltar
atrás, de uma hora para outra. "Há também uma razão psicológica para
esse dinheiro não estar voltando: a pessoa organizou esse dinheiro lá
fora, muita gente até herdou ou está com o dinheiro há muito tempo no
exterior, e não pensou na sua situação patrimonial em termos de lá fora e
aqui dentro - mantém lá fora para não ter de tomar a decisão agora",
diz Beny Podlubny, sócio da XP Investimentos, a maior corretora do país.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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