Jurisprudência da Copa
Com
o início dos Jogos Olímpicos, um burburinho que vai além das vaias e
aplausos passou a eclodir nas arquibancadas. Pessoas com cartazes com
conteúdo político — em geral o bordão “Fora Temer” — são abordadas por
policiais que exigem recolher a faixa (veja vídeo abaixo). A
outra opção é se retirar do local. Filmagens de cenas como essa passaram
a ser compartilhadas e criticadas nas redes sociais, mas a determinação
supostamente autoritária tem o amparo na Lei 13.284.
O próximo passo seria analisar se o legislador avançou o sinal e
criou uma lei inconstitucional. Especialistas entendem que sim, a norma
fere a Carta Magna. Porém, a jurisprudência aponta em direção contrária.
Situação idêntica ocorreu na Copa do Mundo de 2014: uma lei específica
para o evento proibia manifestações políticas por parte dos torcedores
nos estádios. O texto foi levado ao Supremo Tribunal Federal, que
entendeu que a proibição era constitucional — mas houve divergência
entre os ministros.
As críticas para a lei de agora, da Olimpíada,
têm sido feitas por partidários ou simpatizantes da presidente afastada
Dilma Rousseff. A lei, no entanto, foi sancionada por ela, no dia 10 de
maio, em um de seus últimos atos no comando do Planalto. E em 2014,
quem questionou a lei da Copa — sancionada em 2012, também por Dilma —
foi o PSDB.
No julgamento de 1º de julho de 2014, o relator era o
ministro Gilmar Mendes, que defendeu a constitucionalidade da lei,
ressaltando que ela ajudava a prevenir conflitos em potencial. À época, o
ministro disse que era “notória a importância da liberdade de expressão
para o regime democrático”, mas que “o constituinte não a concebeu com
abrangência absoluta, insuscetível de restrição”.
Segundo Gilmar, quando
houver uma colisão de outros direitos fundamentais, cabe fazer a
ponderação entre eles e aplicar o princípio da proporcionalidade.
Como
de costume, a divergência veio do ministro Marco Aurélio, mas ele não
ficou sozinho: Joaquim Barbosa afirmou que, “se outros direitos forem
respeitados, não há razão para restringir a expressão do público nos
jogos da Copa ao que os organizadores e o governo entendem como
adequado, mas a expressão deve ser pacífica, não impedir que outros
assistam às partidas”.
Interpretação forçada
O jurista Lenio Luiz Streck vê uma interpretação
"forçada e em fatia" da lei por parte das autoridades. Isso porque o
artigo 28 contém incisos que proíbem manifestações racistas e xenófobas.
Até chegar ao inciso X, que dispõe: "Não utilizar bandeiras para outros
fins que não o da manifestação festiva e amigável". É baseado nesse
trecho que a polícia tem retirado os cartazes dos torcedores.
"O
inciso X deve ser lido no contexto no qual estão todos os outros
incisos. Ele veda a manifestação com bandeira de mensagens racistas e
xenófobas, e não a manifestação política. Para mim, isso está muito
claro", afirmou Lenio em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico.
Outro
ponto é que, no mesmo artigo, o parágrafo primeiro determina:
"É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de
manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da
pessoa humana". O jurista explica que o parágrafo tem prevalência sobre o
inciso em um texto legislatório. Assim, mesmo que se
utilizasse interpretação fechada do inciso X, o parágrafo primeiro deixa
claro que a liberdade de manifestação está garantida.
Em busca da liminar
Para o professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pedro Estevam Serrano,
a lei que veta a manifestação na Olimpíada é inconstitucional e todos
que querem se manifestar nos estádios devem ir à Justiça para obter
liminar. “A tendência da jurisprudência brasileira e mundial é fazer uma
desidratação dos limites da liberdade de manifestação. Desde que a
manifestação seja pacífica, ela não deve ser tolhida. O Brasil tem um
controle constitucional difuso e não concentrado. Por isso, quem quiser
se manifestar deve recorrer ao Judiciário e não depende de uma análise
da lei pelo STF”, disse Serrano em entrevista à ConJur.
Já o professor e advogado Eduardo Mendonça
entende que a lei não é totalmente arbitrária, mas mesmo o contexto no
qual ela foi criada não justifica a proibição de manifestação pacífica
como mostrar cartazes. “Devido ao momento político, o medo do legislador
era de que uma pessoa fizesse uma crítica política, alguém perto
discordasse e um tumulto começasse, colocando a segurança das pessoas em
risco. É um medo justificável, já que estamos num momento muito
polarizado. Mas vejo com desconforto essa lei, pois a presunção deve
sempre ser em favor da liberdade, e não o contrário.
Qualquer início de
tumulto teria a interferência dos seguranças e polícia, como é o que vai
acontecer de qualquer forma. É um trecho inconstitucional da lei”,
disse Mendonça.
Veja abaixo a ação da PM contra manifestação:
https://www.youtube.com/watch?v=16_41CCLpFw
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