A intenção era marcar 2013 como o ano em que governo federal havia
conseguido destravar os investimentos públicos em estradas e ferrovias.
Depois de um 2012 fraco nos desembolsos do Ministério dos Transportes -
ainda fustigado pelos escândalos de corrupção, que provocaram a faxina
da pasta no ano anterior - as obras ganhariam outro ritmo. O que se deu
foi exatamente o oposto.
Entre janeiro e outubro deste ano, apontam dados do Siga
Brasil/Siafi, compilados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), os investimentos em rodovias e ferrovias somaram R$ 6,7 bilhões.
Isso significa menos da metade do que o governo liberou para ser gasto
com essas obras ao longo deste ano, um orçamento total de R$ 14,6
bilhões. O resultado também é inferior ao verificado entre janeiro e
outubro do ano passado, quando foram executados R$ 7,9 bilhões. Pelos
cálculos do Ipea, 2013 caminha para registrar o pior resultado de
execução orçamentária dos Transportes desde o início do governo Dilma
Rousseff, com investimento total de até R$ 9 bilhões. Em 2012, foram R$
10,4 bilhões, e no ano anterior, R$ 12,9 bilhões.
Em entrevista ao Valor, o ministro César Borges, que
assumiu a pasta em abril, rebate os dados do Ipea e afirma que há
espaço para acelerar investimentos até o fim do ano. Nas contas dele, os
investimentos somam R$ 7,6 bilhões até agora e a perspectiva é fechar
2013 com aporte total de R$ 10,8 bilhões, um pouco acima do ano passado.
O ministro reconhece, no entanto, que sobram obstáculos para
comprometer seu otimismo.
Em tom de autocrítica, Borges diz compreender o desinteresse do
empresariado em muitas obras públicas, por conta de um "cipoal de
dificuldades" que, segundo ele, passa por um processo complicado de
licenciamento, além de alterações constantes de contratos, devido a
intervenções do Tribunal de Contas da União (TCU). O resultado é uma
crescente insegurança jurídica, situação que já afastou grandes
construtoras de licitações do Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (Dnit).
"Essa situação tem trazido problemas. Todas as empresas maiores da
construção civil se afastaram do Dnit. Nenhuma hoje está trabalhando com
ele, salvo raras exceções. Essa é a realidade. Pegue a lista das
maiores empresas da construção civil e veja quais delas estão
trabalhando com o Dnit", diz o ministro.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Havia uma forte expectativa de
investimento em 2013, depois de dificuldades enfrentadas em 2011 e 2012.
Não é um resultado frustrante para o governo?
César Borges: O primeiro quadrimestre deste ano
realmente foi sofrível. Havia falta de aprovação do Orçamento, os
projetos do Crema [programa de recuperação e manutenção de rodovias do
Dnit] não estavam contratados. Tivemos um período relativamente fraco,
embora não tenha sido muito diferente do início de anos anteriores.
Entrei no ministério em abril. A partir daí, começamos, com o Ministério
do Planejamento, a fazer um esforço grande, cobrando performance. Os
projetos do Crema foram revistos. A partir de maio, o resultado começou a
crescer, mas quando chegou junho, tivemos a greve do Dnit.
Valor: Qual foi o impacto efetivo da greve?
Borges: Foi muito forte. Tivemos 74 dias de greve.
Nossa média de pagamento mensal, que tinha chegado a mais de R$ 800
milhões, caiu pela metade em junho, julho e parte de agosto. Só
começamos a reagir depois disso, voltando a atingir a média de R$ 1
bilhão em setembro. Essa era a meta que queríamos ter registrado nos
meses anteriores, mas não conseguirmos cumprir por conta da greve. Ainda
assim, prevemos chegar à marca de R$ 9 bilhões em desembolsos só com o
Dnit neste ano [valor referente a projetos listados no PAC e que inclui
custeio e investimentos].
Valor: Qual é a dificuldade em investir aquilo a que se propõe?
Borges: Atribuo isso a um conjunto de fatores. Vou
listar algumas condições que afetaram o resultado. Como disse, tivemos
uma publicação tardia da LOA [Lei Orçamentária Anual] 2013 e os
contratos dependem do empenho para dar ordem de serviço. O atraso na
implantação do Crema está relacionado a alterações de medição do
serviço. Esse problema foi solucionado no segundo semestre e as medições
já dobraram, chegando a quase R$ 500 milhões por mês. Mas há outras
dificuldades no caminho.
Valor: Quais?
Borges: O atraso na liberação de licenças pelos
órgãos de meio ambiente e Funai [Fundação Nacional do Índio] está
prejudicando o andamento de grandes obras. É o caso da BR-230 no Pará,
uma obra de R$ 600 milhões; da BR-280 em Santa Catarina, de R$ 1 bilhão;
da BR-116 no Rio Grande do Sul, que vai receber R$ 200 milhões, e das
BRs 163 e 364, no Mato Grosso, que somam R$ 500 milhões. Queremos dar
ordem de serviço nessas estradas, estamos trabalhando nisso, mas o
processo de licenciamento precisa mudar.
Valor: Mudar como?
Borges: Uma portaria interministerial, de 2011,
permitiu que órgãos anuentes, como Funai, Fundação Palmares e Instituto
Chico Mendes fizessem suas próprias regulamentações sobre como atuar no
licenciamento. Então, cada um fez a sua interpretação de sua obrigação
institucional. Isso redundou numa situação em que uma série de
exigências vai hoje para o Ibama, que acaba não podendo dar licença
ambiental, porque tem que atender reivindicações desses órgãos. O Ibama
acaba não fazendo uma análise se a exigência é cabível ou não. Todas as
exigências são simplesmente repassadas. Isso precisa ser reformulado.
"A insegurança jurídica traz problemas. As maiores empresas da construção se afastaram do Dnit"
Valor: Que medida será tomada?
Borges: Estamos trabalhando, com a Casa Civil,
Ministério do Planejamento e Ministério do Meio Ambiente, na
reformulação dessa portaria, para dar ao Ibama a condição de verificar o
que é procedente ou não. Queremos que ele atue como responsável pelo
que vem desses outros órgãos, e que deixe de atuar simplesmente numa
posição de repassador. Não vamos ter mais que negociar com outros
órgãos. Nossa negociação passa a ser exclusivamente com o Ibama.
Valor: Quando essa portaria será publicada?
Borges: Isso é coisa para já, para este ano ainda. O
texto já está bastante delineado. Já mandei todas as propostas do
Ministério dos Transportes para a versão que recebi. A Casa Civil está
concluindo esse processo. Teremos uma nova portaria interministerial,
que vai disciplinar as regras da portaria anterior, que ficou muito
aberta. Agora, paralelamente, é preciso lembrar que também há
dificuldades que fogem do nosso controle.
Valor: Por exemplo?
Borges: Se uma empresa tem problema
econômico-financeiro e entra em processo de recuperação judicial, o que
nós podemos fazer? O que nos resta é fazer o distrato, levantar o que é
obra remanescente, para então poder relicitar. Isso tem acontecido
muito. Em outra situação, o TCU, em sua ação institucional e
fiscalizatória, chega à conclusão de que certa obra tem indício de
sobrepreço e isso leva à retenção de pagamento. Essa decisão tem forte
repercussão na iniciativa privada. Se a empresa é de grande porte, manda
fazer oitivas com o tribunal e, paralelamente, tem condições de
continuar a tocar a obra. Mas se é uma empresa pequena, ela tem receio
de prosseguir, porque não tem fôlego para passar por um período de
retenção e de estabelecer um contraditório com o TCU. O que ela faz é
paralisar a obra. Um caso emblemático é a BR-101, no Estado de Alagoas,
em dois lotes da construtora Barbosa Mello.
Valor: O que aconteceu?
Borges: Havia uma recomendação do TCU para retenção
de R$ 40 milhões. A empresa não concordou com as alegações. O TCU reviu a
situação e chegou à retenção de R$ 2 milhões, mas manteve uma previsão
de chegar à retenção de até R$ 20 milhões. Isso gerou insegurança
jurídica. A empresa alegou que ainda teria de passar por oitivas e que a
obra se tornaria insustentável, se, no futuro, tivesse que reter mais
R$ 20 milhões. Então, ela decidiu que seria melhor entregar o contrato
do que assumir esse risco. Foi o que ela fez. A insegurança jurídica tem
trazido problemas. Todas as maiores empresas da construção civil se
afastaram do Dnit. Nenhuma hoje está trabalhando com o Dnit, salvo raras
exceções. Essa é a realidade. Pegue a lista das maiores empresas da
construção civil e veja quais estão trabalhando com o Dnit.
Valor: O que os empresários do setor alegam?
Borges: Ouvimos críticas sobre alterações de termos
dos contratos e em relação aos preços de nossa tabela, o Sicro [Sistema
de Custos Rodoviários], praticado pelo Dnit. A empresa ganha uma
licitação, às vezes até com deságio sobre o valor estipulado. Então, o
TCU vai analisar item por item da composição unitária de cada preço,
depois de feita a licitação. Só que isso tem subjetividade. Quando uma
empresa entra numa licitação, ela faz uma composição dentro de sua
conveniência e inteligência de engenharia. Dou um exemplo. Uma empresa
decide lançar a viga de um viaduto usando um guindaste, quando o
contrato previa que isso deveria ser feito por treliça metálica. Mas ela
decide usar o guindaste, porque vai obter melhor produtividade. O TCU
vai dizer que ela tem que reverter essa produtividade a favor do erário,
porque decidiu usar o guindaste. A empresa simplesmente desiste. Tudo
isso mexe com preços, e também com prazos.
Valor: O atraso nas obras também tem pesado nessa avaliação das empresas?
Borges: E muito. Obra, para qualquer construtor, tem
que ser feita no prazo que ele previu. Se essa obra de dois anos passa a
ter quatro anos, o custo indireto da empresa cresce, mas o contrato não
prevê isso. É um risco da empresa. É preciso lembrar ainda que, nessa
situação, entra outro item, o de desapropriação, que envolve muitos
processos judiciais e que pode comprometer o cronograma. A maior queixa
que recebo hoje das empresas que atuam nas ferrovias é que não se tem
continuidade de lotes para trabalhar, porque são interrompidos por
questões de desapropriação. Esses fatores todos criam um cipoal de
dificuldades que, às vezes, impedem o governo de gastar. É fundamental
dizer que o governo está disponibilizando recursos como nunca em seu
Orçamento. O pagamento acontece sempre em dia, estamos pagando
mensalmente. Por isso, essa situação dá angústia.
"Se o governo se dispôs a gastar e deu a dotação orçamentária de R$ 15 bilhões, nós queremos executar toda ela"
Valor: O que pode ser feito para acelerar a execução orçamentária em 2014?
Borges: Não queremos ter descontinuidade dos
contratos no início do ano. A lei orçamentária está para ser modificada.
Anteriormente, enquanto você não tinha o Orçamento aprovado, podia
gastar só com custeio. Se tudo der certo, em 2014 poderemos gastar com
investimento, antes da aprovação da LOA. É uma flexibilidade que
teremos. Os investimentos estarão disponíveis no início do ano.
Valor: O setor privado está ficando de mau humor por causa dessas dificuldades?
Borges: Do ponto de vista de recebimento, o grande
problema que qualquer país, ou gestor público, enfrenta é o risco de
atraso de pagamento. Isso não existe no Brasil. A questão que se coloca
hoje, portanto, é esse imbróglio todo. Por isso, o empresário tem
receio. É um posicionamento compreensível, não acho que seja errado. Se
você é dono do patrimônio de uma empresa, você não vai entrar em uma
obra em que acha que pode perder dinheiro. Nós estamos vivendo isso
agora na Fiol [Ferrovia de Integração Oeste-Leste, em construção na
Bahia], uma obra onde, depois de muito tempo, conseguimos liberar alguns
trechos, tanto do ponto de vista ambiental quanto de auditorias feitas
pelo TCU. Então, fomos falar com a empreiteira para retomar as obras no
lote que estava parado, e ouvimos que não existe mais interesse em
retomar a obra.
Valor: Onde isso ocorreu? Com qual empreiteira?
Borges: Tive essa desagradável surpresa no lote 5 da
Fiol, que era da construtora Mendes Júnior. Ela está rescindindo o
contrato. Procuramos a segunda colocada na licitação, a Andrade
Gutierrez, que também disse que não quer fazer a obra. Agora falaremos
com a terceira colocada na licitação.
Valor: E todo esse desinteresse é atribuído a quê?
Borges: A primeira colocada revelou que, como foi
feita uma série de novas sondagens no projeto, os quantitativos da obra
foram muito reduzidos em relação às expectativas anteriores. A segunda
colocada analisou, mas não entrou, porque acredita que a obra pode
demorar mais que o esperado. Se elas não querem entrar, o que eu posso
fazer? Não posso obrigar empresa a fazer obra. Se o terceiro não quiser,
vamos ter que relicitar. Estamos com o mesmo tipo de dificuldade no
lote 1, que chega até Ilhéus (BA). A construtora SPA tinha uma parceria
com a empresa Delta, que deixou as obras e saiu do consórcio. Ficou a
SPA, que agora está com dificuldades financeiras e, por conta disso, não
pode receber absolutamente nada. Foi dada uma oportunidade à empresa,
em juízo, mas ela não conseguiu executar um desempenho satisfatório.
Então o que vamos fazer? Rescindir o contrato com a SPA. A segunda
colocada, que é a Andrade Gutierrez, já nos disse que não quer o lote.
Agora, também vamos ter que procurar a terceira colocada.
Valor: O desempenho em 2014 será melhor do que neste ano?
Borges: Trabalhamos para isso. A nossa preocupação é
a execução orçamentária em sua totalidade. Se o governo se dispôs a
gastar e deu a dotação orçamentária de R$ 15 bilhões, nós queremos
executar toda ela. As dificuldades existem, o nosso desafio é nos
prepararmos estrategicamente para superar as deficiências internas que
todo órgão tem. Não vamos dizer que há órgão perfeito. O governo tem
dado as condições. O Dnit, por exemplo, absorveu agora 800 funcionários
concursados, que vieram reforçar o quadro. Paralelamente, temos que
enfrentar as dificuldades externas. Não adianta ficar lamentando.
Podemos até tentar corrigir e acelerar processos pontualmente, mas temos
que estar estrategicamente preparados para esse enfrentamento. É o que
estamos buscando.
Valor: Sobre as concessões, o governo pretendia
licitar o trecho da Ferrovia Norte-Sul entre Açailândia (PA) e
Barcarena (PA). Agora, fala-se que a prioridade é conceder a Ferrovia de
Integração do Centro-Oeste, no Mato Grosso. O que aconteceu?
Borges: No início, o que se pretendia era fazer esse
trecho da Norte-Sul, pelo fato de ser um trecho menor, de 450
quilômetros, que exigiria menos investimento. Todos os outros trechos
são maiores. Mas houve levantamentos sobre os riscos de engenharia do
trecho. Paralelamente, havia um projeto básico já bem avançado para a
Fico, além de interesses empresariais nesse trecho. Avaliando essas
características, se deu preferência à Fico.
Valor: Quando deve ocorrer o leilão dessa ferrovia?
Borges: Nós entregamos o edital no dia 1º de
novembro para o TCU. Está em análise. O que temos certo para este ano
são os dois trechos de rodovias, a BR-060/153/262, que é um trecho só, e
a BR-163 no Mato Grosso. Estamos dependendo ainda do tribunal em
relação a outros trechos de rodovias. Temos datas reservadas para os
leilões na Bolsa de Valores de São Paulo. O mais provável é que outros
leilões sejam realizados a partir de janeiro do ano que vem.
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