Enquanto no resto do mundo os países exportadores de petróleo ficam com
80% do óleo-lucro – uma média de 72% do óleo produzido –, o governo
brasileiro fixou para o leilão de Libra o pagamento mínimo de 41,65% à
União. Em um campo sem riscos, de óleo de excelente qualidade, não seria
razoável menos de 80%
Com as bênçãos do governo e do Poder Legislativo,
um crime contra a soberania nacional está em andamento e já tem data marcada. O
Campo de Libra, situado na província brasileira do pré-sal, na Bacia de Santos,
que é a maior descoberta de petróleo convencional do século XXI, irá a leilão
no dia 21 de outubro, na primeira rodada de licitações da camada do pré-sal. O
pontapé inicial foi dado no dia 3 de setembro, com a publicação do edital. Todo
o processo culminará, em novembro, na assinatura dos contratos com os
consórcios vencedores, novos donos de um tesouro nacional desapropriado do povo
brasileiro.
A pressão das majors(ou Big Oils, ou
sete irmãs) sobre o governo brasileiro foi muito forte. O seminário sobre óleo
e gás em fevereiro de 2013 no Riocentro teve como tema central a reabertura dos
leilões. Depois veio o vice-presidente norte-americano Joe Biden pressionar,
pessoalmente, a presidente Dilma Rousseff e a presidente da Petrobras, Graça
Foster. A escolha de Libra para essa licitação sob o regime de partilha
satisfez as exigências. A área é imensa, e não será necessária a atividade de
exploração, pois o campo já foi descoberto. O ganhador só vai desenvolver o
campo, que hoje já se sabe conter muito petróleo. De acordo com testes de curta
duração feitos pela Petrobras, que perfurou o campo, os volumes in placesituam-se
entre 28 bilhões e 42 bilhões de barris. Se considerarmos um fator de
recuperação de 35% (média dos campos da Bacia de Campos), os volumes
recuperáveis podem variar entre 10 bilhões e 15 bilhões de barris. Mas geólogos
da Petrobras estimam em mais de 15 bilhões.
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) fixou em
41,65% a parcela mínima da União no leilão de um campo já perfurado, testado e
comprovado que abriga reservas fantásticas. Os dados que mais assustam, no
entanto, estão relacionados às facilidades oferecidas pelo governo para que as
empresas estrangeiras se apropriem de uma de nossas maiores e mais estratégicas
riquezas. O governo vem causando um prejuízo crônico à Petrobras, reduzindo
drasticamente seu caixa, obrigando-a, de forma ilegal, a comprar combustíveis
no exterior e vender mais barato para as distribuidoras, suas concorrentes. Ao
mesmo tempo, retoma o campo que estava com a Petrobras por conta da cessão
onerosa e estabelece um bônus de assinatura de R$ 15 bilhões, que prejudica a
Petrobras e impede a participação das demais empresas nacionais.
Enquanto no resto do mundo os países exportadores
de petróleo ficam com 80% do óleo-lucro – uma média de 72% do óleo produzido –,
o governo brasileiro fixou para o leilão de Libra o pagamento mínimo de 41,65%
à União. Em um campo sem riscos, de óleo de excelente qualidade, não seria
razoável menos de 80%. Estamos leiloando um bilhete premiado. Nenhum país
soberano e independente faz esse tipo de leilão. “A ideia é atrair as empresas
estrangeiras e não espantar investidores”, diz a ANP. As entidades
nacionalistas buscam instrumentos jurídicos para impedir o leilão.
O Congresso Nacional defendeu, até o último
minuto, a destinação mínima de 60% desse óleo-lucro para a União, mas foi
vencido ao final. Após reunião dos ministros da Educação, Aloizio Mercadante, e
das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, com os líderes do governo na
Câmara, a exigência dos 60% caiu “em nome de uma maior segurança jurídica das
empresas que disputarão a licitação”. A votação, em 14 de agosto, foi rápida
após o acordo com o Planalto e sepultou de vez a garantia de retorno decente
para o país. Os 41,65% são um valor irrisório para o que representa o manancial
do Campo de Libra. Ora, os leilões já não têm sentido por termos
autossuficiência para mais de cinquenta anos, quanto mais nas condições desse
campo perfurado, com reservas de 15 bilhões de barris e risco zero. Se alguém
arrematar por menos de 60%, o leilão representará um fabuloso prejuízo.
Pior é que a ANP e o governo enganam a nação
quando dizem que a União ficará com, no mínimo, 75% do petróleo. Ora, o
produtor fica com 40% do petróleo para remunerar seu custo de produção (esse
custo é cerca de US$ 40 por barril); o contrato prevê que os royalties,
de 15%, serão também ressarcidos ao produtor. Sobram 45% para a partilha. Se o
vencedor oferecer 60%, a União ficará com 60% de 45%, ou seja, 27% do petróleo
produzido. E o consórcio, este sim, ficará com 73% do petróleo. Absurdo!
De volta às privatizações
Em entrevista recente concedida ao jornalista
Paulo Henrique Amorim, o ex-presidente da Petrobras do governo Lula, Sérgio
Gabrielli, afirmou que leiloar Libra “vai na contramão da lei de partilha”. Ele
destacou outro ponto sensível do edital: o bônus de R$ 15 bilhões pedido pela
ANP à empresa vencedora do leilão. Segundo o ex-presidente, tais procedimentos
estão “mais próximos da concessão de FHC do que da partilha”. Ele se refere à
Lei das Concessões (Lei n. 9.478, de 1997), do presidente Fernando Henrique
Cardoso, que era destinada a áreas de alto risco exploratório e exigia um bônus
alto, uma vez que o concessionário passava a ser o proprietário do petróleo.
Na mesma entrevista, Gabrielli declarou: “Como
diminui o risco de exploração, o grande elemento a definir passa a ser como
partilhar o lucro futuro. Então, o grande elemento deve ser a participação no
lucro-óleo que deverá voltar ao Estado. À medida que você coloca um bônus muito
alto, a partilha do lucro no futuro é menor. Ao fixar o bônus alto, você tem
uma visão de curto prazo na exploração e no desenvolvimento de um recurso que
já tem o grau de confirmação muito alto. [...]. Mesmo com a certeza de que lá
tem petróleo, você submete todo o ganho potencial futuro do Estado a uma
parcela menor – o que é ruim, no novo conceito de partilha. [...] Nessa
operação de R$ 15 bilhões, o governo vai receber de imediato, mas a
consequência disso é que, no lucro do futuro, o governo vai ficar com uma fatia
menor”. Ou seja, o governo cobre o buraco do presente, mas compromete
seriamente o futuro.
Na verdade o governo estabeleceu um bônus alto
com dois objetivos: 1) dificultar a participação de empresas nacionais,
inclusive a Petrobras, estrangulada por ele; e 2) atingir a meta do superávit
primário, que precisa de R$ 15 bilhões para se completar.
Conjuntura internacional aterradora
O momento em que o leilão ocorre é outro ponto
relevante. A insegurança energética mundial é imensa. Estados Unidos, Europa e
Ásia, além do cartel internacional, estão cada vez mais dependentes do petróleo
das reservas mundiais, escassas, com cerca de 60% no Oriente Médio. Quando o
pré-sal foi descoberto, imediatamente foi reativada a quarta frota
norte-americana para “proteger o Brasil”, uma pressão militar óbvia. Ao mesmo
tempo, o cartel internacional das petrolíferas vem agindo pelos bastidores. No
setor, o lobbydo cartel está profundamente infiltrado dentro do
Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), da Federação das Indústrias de São Paulo
(Fiesp) e da Organização Nacional dos Industriais do Petróleo (Onip). Todos
eles juntos conseguem dobrar os três poderes do país. Só as manifestações do
povo nas ruas poderão reverter essa submissão.
Fernando
Siqueira
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