Libra não terá dinheiro do Tesouro', diz Mantega
João Villaverde, Adriana Fernandes, Lu Aiko Otta e Marcelo Moraes | Agência Estado
A Petrobras tem totais condições de pagar sua parte bilionária no
leilão do bloco de pré-sal do campo de Libra, que ocorre amanhã, e, por
isso, não contará com nenhuma ajuda do Tesouro Nacional. A informação é
do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que também é o presidente do
conselho de administração da estatal do petróleo. "Não haverá qualquer
interferência do Tesouro no leilão de Libra", assegurou Mantega, em
entrevista exclusiva ao Estado, concedida de seu gabinete em Brasília.
Como,
pelo regime de partilha da produção, que será inaugurado com a
exploração do bloco de Libra, a Petrobras vai deter no mínimo 30% do
consórcio que vencer o leilão de amanhã, a estatal também terá de pagar,
no mínimo, o equivalente a 30% do bônus de assinatura do contrato. O
bônus foi definido em R$ 15 bilhões, e a parcela da Petrobras será de
pelo menos R$ 4,5 bilhões. "A companhia tem caixa para isso", disse
Mantega.
Ao tirar qualquer possibilidade de o Tesouro
auxiliar a Petrobras, o ministro da Fazenda sinaliza com um objetivo
maior, que é o de melhorar a situação fiscal do País. Principal alvo das
críticas de economistas, investidores internacionais e agências de
rating, a política fiscal brasileira tem sofrido, entre outros aspectos,
pelos recorrentes repasses bilionários de recursos do Tesouro para o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na
entrevista ao Estado, Mantega informou pela primeira vez a quantia que o
BNDES receberá do Tesouro em 2013 - serão R$ 35 bilhões, ao todo.
Assim,
um empréstimo de R$ 20 bilhões do Tesouro para o BNDES será autorizado
nos próximos dias, uma vez que uma primeira parcela de R$ 15 bilhões já
foi transferida em junho, por meio de aumento de capital do banco.
Mantega
também falou sobre os rumos da política fiscal, garantiu que o ano
eleitoral de 2014 não vai alterar a condução da economia em Brasília, e
arriscou que o Produto Interno Bruto (PIB) do ano que vem pode crescer
4% caso a economia mundial melhore de forma mais consistente.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Muito
tem se falado que, dada a situação de caixa da Petrobras, por causa do
congelamento do preço da gasolina e a obrigação de realizar
investimentos, que o Tesouro Nacional poderia auxiliar a estatal no
leilão de Libra. É verdade?
Mantega -
Absolutamente não. O Tesouro não dará nem nunca deu ajuda para a
Petrobras. Não cabe a ele fazer isso. O Tesouro não vai participar da
operação de Libra, não tem por que participar. Na capitalização da
empresa, em 2010, foi outra história. O governo vendeu 5 bilhões de
barris à Petrobras, e ela nos pagou por isso, em exploração. Mas não
haverá qualquer interferência do Tesouro no leilão de Libra.
Mas,
com as dificuldades de caixa, a Petrobras terá condições de pagar pelo
menos R$ 4,5 bilhões pelo bônus de assinatura do contrato? Isso se ela
não superar os 30% de participação mínima, o que vai exigir ainda mais
recursos...
Mantega - Claro que terá condições. A
Petrobras tem caixa para isso, eu sei porque sou o presidente do
conselho de administração da empresa. O caixa da Petrobras tem várias
dezenas de bilhões de reais. Não vou dizer quanto porque isso é
confidencial. Mas posso dizer que o caixa da Petrobras é semelhante ao
de empresas do seu porte e magnitude. Ela tem caixa, e quando falta ela
faz captações externas, para complementar as necessidades. Neste ano ela
deve investir ao todo R$ 97 bilhões, e no primeiro semestre captou US$
11 bilhões.
O leilão de Libra é muito criticado
pela esquerda, porque ele representa a entrega do petróleo para
multinacionais, e pela direita, que o considera estatizante, diante da
participação obrigatória da Petrobras. Como o sr. vê?
Mantega -
O leilão de Libra não é estatizante. Ele será fruto de uma parceria
entre o setor publico e o privado, porque a Petrobras não tem o
monopólio como tinha no passado. Ela tem 30%, pode ter até um pouco
mais, e deverá se juntar a grupos privados para a exploração desse poço
maravilhoso que é um dos mais rentáveis do mundo. Para nós é importante
não só pelo bônus, mas porque ele vai provocar um volume de
investimentos inéditos, US$ 180 bilhões em 35 anos. Nos primeiros 10
anos, R$ 80 bilhões. Vai causar um grande estímulo para a economia. Vai
ter que construir navios, barcos... O Brasil vai ser um grande produtor.
Tem um grande potencial que vai ser aproveitado pelos brasileiros.
Um
reajuste no preço da gasolina não daria uma folga para a Petrobras? O
controle do preço força a empresa a vender o combustível mais barato do
que ela compra no exterior, certo?
Mantega - Não
há política de controle de preços, mas sim de ajuste, algo que se dá ao
longo do tempo. Quando o câmbio sobe, a Petrobras fica mais apertada,
mas aí ele cai e isso dá uma aliviada. A gente sempre vem buscando
aperfeiçoar esses modelos de preços. O câmbio foi a R$ 2,40 e em razão
da crise na Síria, o preço do barril de petróleo também subiu. Mas agora
o preço do barril caiu, e também a taxa de câmbio, então houve uma
aproximação dos preços.
O sr. vem falando em mudança no papel e, principalmente, no tamanho do BNDES. Como será isso, e quando começará efetivamente?
Mantega -
Temos desenvolvido o mercado de capitais, que a meu ver é a melhor
fonte de financiamento das empresas. Desde, é claro, que a Selic não
esteja em patamar elevado, como houve nas últimas décadas, porque ela
inviabiliza o mercado de capitais. Então uma reforma importante que nós
fizemos foi baixar a taxa, e isso permite que o mercado de capitais
ganhe força. Temos criado novos produtos, como um mercado forte de
debêntures e também de FIDCs. O movimento da Bovespa aumentou dez vezes
de 2002 para cá. A essa altura o BNDES pode diminuir o seu raio de ação e
se concentrar no seu básico, no seu ideal. Em infraestrutura ele estará
presente, mas temos conversado com todos os bancos privados e eles vão
entrar na infraestrutura também. Há uma evolução no papel dos bancos
privados. Então, estamos caminhando muito na expansão do mercado de
capitais, e o BNDES vai ficar para trás. Você acha que eu gosto de dar
subsídio para o BNDES? Isso afeta o Tesouro e me dá uma dificuldade
maior para fechar as contas, e para nós fechar as contas é fundamental.
Ainda
assim, um novo aporte do Tesouro ao BNDES terá de ocorrer nos próximos
dias, para completar as necessidades para o fim do ano...
Mantega -
É verdade. Este ano vai chegar a R$ 35 bilhões, ao todo. Vamos seguir
nossa trajetória de repasses menores, ano a ano. Foram R$ 100 bilhões em
2009, seguidos de R$ 80 bilhões em 2010, R$ 55 bilhões em 2011, e R$ 45
bilhões no ano passado. O BNDES deve ficar mais focado, e onde ele não
for mais necessário, ele vai sair. Temos de dar condições do setor
privado entrar.
O Brasil ainda precisa fazer superávit primário tão alto?
Mantega -
Temos sempre de fazer esforço fiscal, tem de ser permanente. Temos de
entregar um superávit que seja suficiente para estabilizar e reduzir a
dívida pública. Mas há flutuações na economia ao longo do tempo. Tivemos
uma flutuação em 2012 a partir de um benefício que demos na economia.
Fizemos muitas desonerações e isso pesou na nossa arrecadação, é claro.
Agora, é importante ou não desonerar a folha de pagamentos, a cesta
básica e outros itens? Todo mundo não reclamava dos tributos no Brasil?
Aí faço desonerações e passam a reclamar que o superávit primário não
foi o mesmo.
O sr. é favorável à proposta do seu ex-secretário executivo Nelson Barbosa, de criar uma banda para o superávit primário?
Mantega -
Sou tão favorável que ela já existe. A banda já está formalizada na
LDO. Ela estipula que o superávit primário será de 3,1% do PIB, mas dele
posso abater até determinado volume em investimentos e desonerações.
Com isso, você sabe qual é a banda inferior e a banda superior da meta
fiscal. Não é um sistema de banda? Já temos isso há muito tempo. Sempre
estamos atentos à questão fiscal, aqui não tem moleza nem com a inflação
nem com a política fiscal.
Essas medidas todas
têm sido tomadas por causa dos alertas recentes das agências de
classificação de risco, que ameaçam reduzir a nota do Brasil?
Mantega -
Eu não fico olhando para elas, não é isso que pauta a nossa política
econômica. Seria ridículo. Nós fazemos a mesma política fiscal de
sempre. Em alguns momentos tivemos dificuldades, e elas foram por causa
das desonerações. Nós demos uma desoneração de R$ 50 bilhões no ano
passado. Os Estados e municípios também fizeram um esforço menor. A
situação vai melhorar.
A meta fiscal então será maior em 2014 do que em 2013?
Mantega -
Nós paramos de fazer desonerações, não haverá novas desonerações. O
custo vai diminuir e a economia vai crescer mais, e quando ela cresce
mais a arrecadação aumenta. Em 2012 a economia cresceu pouco, e minha
arrecadação sofre quando crescemos apenas 0,9%. Agora vai crescer 2,5%, e
continuamos em ritmo ascendente, então certamente 2014 será melhor em
termos fiscais.
Dá para crescer mais que 3% no ano que vem?
Mantega -
É claro que dá. Mesmo sem grande recuperação da economia mundial, o PIB
vai crescer 3% no ano que vem, e se houver uma boa recuperação pode
chegar a 4%.
Como o sr. vê o horizonte para a taxa de câmbio e o papel do Banco Central?
Mantega -
O papel do BC é o de diminuir a volatilidade no mercado. O câmbio é
flutuante, e ele deu sinais positivos nesse sentido. A turbulência
arrefeceu, mas se o BC vai continuar ou não isso é assunto dele, não
meu. Sei que aquele dólar a R$ 2,40 era um câmbio estressado. Espero que
o mercado seja sábio e com a ajuda do BC deixe o câmbio em um patamar
adequado.
A condução da política monetária e da política econômica como um todo pode mudar em 2014, por ser um ano eleitoral?
Mantega -
A gestão da economia não vai mudar. Quero deixar isso muito claro: em
2010, por exemplo, nós subimos os juros. Se precisar, sobe. Este ano,
que já é quase eleitoral, os juros estão subindo. O que tem de ser
feito, mesmo que não seja algo popular, será feito. Não nos pautamos
pelo ciclo eleitoral.
Se o BC precisar elevar a Selic para dois dígitos, como ele sinaliza que precisará, ele vai poder?
Mantega -
Se ele precisar elevar, ele vai. Agora é preciso saber se ele quer
elevar. O mercado é que está dizendo. Eu não vi o BC falar nada disso.
Você viu o BC? Não confunda o BC com o mercado. Mas é claro que o BC tem
a liberdade para fazer o que achar o necessário. (João Villaverde,
Adriana Fernandes, Lu Aiko Otta e Marcelo Moraes)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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