sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Seguro ambiental - breve análise do seu status no Brasil

Antonio Fernando Pinheiro Pedro

Antonio Fernando Pinheiro Pedro - 02/10/2013 - 14h36

Questões concernentes aos danos ambientais e custos para sua remediação datam do período pós 2 ª Guerra Mundial e desenvolvem-se aceleradamente 80 e 90, principalmente nos Estados Unidos, França e Suíça. Assim, já na década de 70, apólices de responsabilidade civil contemplavam ressarcimento por danos causados por poluição súbita e acidental.

A poluição súbita é similar em mecanismos ao seguro de responsabilidade civil por acidentes.

O “X” da questão, que leva a resistências compreensíveis no mercado segurador, reside, no entanto, na cobertura por poluição gradual, ou seja, contaminação derivada da dispersão permanente e gradual de poluentes, resultando na contaminação do solo, água e danos a pessoas, fauna e flora, no espaço de anos.
A dificuldade de mensuração desse tipo de ocorrência, sua definição temporal e alcance do evento que demande a indenização, gera conflitos em todo o mundo.

Nos Estados Unidos, a cobertura é comercializada individualmente pelas seguradoras, com respaldo dos resseguradores. O regime jurídico da “common law” permite o estabelecimento de critérios diferenciados de responsabilização por dano ambiental e redação de clausulas bastante amplas nos contratos de cobertura de seguros. Um bom exemplo são os “danos ecológicos puros” – que garantem textualmente indenização pela “perda de uso” de determinado local atingido pelo desastre ecológico.

Na Europa, houve a inclusão do seguro contra poluição gradual na modalidade de seguro ambiental. França, Holanda e Itália são alguns dos países que adotaram esse tipo de seguro, que é coberto por um pool de seguradoras.
Em todos os casos há limitação, um teto para a cobertura oferecida.

Segundo a Diretiva Europeia 2004/35/CE, há responsabilização civil ambiental diferenciada de acordo com a classificação das atividades econômicas e profissionais em causa, fator que permite a adoção voluntária de um contrato de seguro pelos operadores de atividades potencialmente poluentes, pois há mensuração criteriosa de responsabilização e modelos pré-definidos de indenização, estabelecidos pela Diretiva, a qual, diga-se, deverá ser objeto de revisão em 2014.

No Brasil, a história da consolidação do mecanismo do seguro ambiental já data de quase cinquenta anos. Em 1967 foi criada a Divisão de Responsabilidade Civil Geral no âmbito do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil), sendo que desde aquela época são previstas condições especiais de cobertura para o risco de poluição, contaminação e vazamento, desde que originados de um acontecimento súbito e acidental, ocorrido na vigência do contrato de seguro.

Projetos de lei tramitaram e tramitam em várias unidades da federação No estado do Rio de Janeiro já se procurou estabelecer um seguro ambiental nominal, pouco efetivo e de validade legal duvidosa, que poderia vir a ser exigido pela autoridade no bojo de uma auditoria ambiental compulsória junto a atividades potencialmente poluidoras.

No estado de São Paulo, o Conselho Estadual do Meio Ambiente debruçou-se sobre uma minuta de decreto que visa regulamentar a Lei Estadual n° 13.577/2009, que dispõe sobre diretrizes e procedimentos para a proteção da qualidade do solo e gerenciamento de áreas contaminadas, concluindo pela não obrigatoriedade na contratação do Seguro, embora a legislação estadual estabeleça o instrumento dentre as garantias para remediação das áreas contaminadas e o mesmo  conste no Decreto nº 59.263, de 5 de junho de 2013, resultante da análise.

No âmbito federal já foi arquivado o Projeto de Lei nº 937, mas ainda vegeta nos escaninhos do parlamento nacional o Projeto de Lei nº 2.313, de 2003 que condiciona a concessão de licenças ambientais à contratação de seguros de responsabilidade civil por danos ambientais, auditoria ambiental e contratação de técnicos especializados para acompanhar o empreendimento. O Projeto de Lei 3.876/2008, por sua vez, pretende alterar a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, prevendo a contratação opcional de seguro de responsabilidade civil por risco e dano ambiental, no momento da emissão da licença ambiental prévia, como forma de permitir o início imediato da obra.

No campo dos marcos legais efetivos, há a Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei Federal 12.305/2010 onde o “Seguro Ambiental” é tratado no artigo 40 que reza:

“Art. 40. No licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades que operem com resíduos perigosos, o órgão licenciador do Sisnama pode exigir a contratação de seguro de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente ou à saúde pública, observadas as regras sobre cobertura e os limites máximos de contratação fixados em regulamento.

Parágrafo único. O disposto no caput considerará o porte da empresa, conforme regulamento.”
O Decreto regulamentador da lei endereça o estabelecimento dos limites máximos de contratação ao Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP.

O quadro legal, no entanto, ainda é conflitante, desestimulando parcela do mercado segurador.
A razão decorre da aplicação de regra muito genérica, de responsabilidade civil objetiva, estatuída no parágrafo 1º. Do art. 14 da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente – Lei Federal 6.938/1981, instituindo responsabilização do POLUIDOR independentemente de CULPA – seja esta contratual ou extracontratual.

A Lei conceitua poluidor como qualquer pessoa, física ou jurídica, responsável “direta ou indiretamente” por atividade que causa degradação ambiental.

A amplitude conceitual aliada ao estabelecimento de mecanismos ilimitados e sem critérios normativos de como se daria a indenização ou obrigação de fazer, no caso de reparação do dano, torna o contrato do seguro uma espécie de chute no escuro, com um volume de salvaguardas de parte a parte que praticamente conduz o resgate da cobertura à resolução do conflito no judiciário...

A questão do limite da cobertura e a eficácia do mecanismo de regulação contratual da responsabilidade há de estar firmemente posto entre as partes e ser indene de questionamentos judiciais por elementos externos à relação, como, por exemplo, o Ministério Público.

A pouca prática do seguro ambiental no país, não deriva, no entanto, apenas dessa indefinição legal (cuja lei de resíduos sólidos procurou setorialmente corrigir). A falta de estímulo ainda decorre, sem dúvida, da falta de punibilidade das empresas causadoras de danos ao meio ambiente, não tanto no que tange aos acidentes ambientais súbitos mas, sim, face ao evento da apuração de danos decorrentes da poluição gradual, de difícil apuração e remediação e, por conta disso, sujeita à intervenção administrativa da autoridade ambiental na condução da resolução dos conflitos decorrentes, geralmente por meio de planos de remediação longos e complexos.

Deve-se, ainda, observar que o descaso na adoção de um seguro ambiental decorre da facilidade com que o Estado brasileiro, por meio de suas agencias, em muitos casos de repercussão, dada a emergência e à pressão política, acaba assumindo a remediação imediata dos danos  causados ao meio ambiente, fazendo a sociedade como um todo arcar com os custos que seriam dos particulares responsáveis pelas emissões,  acidentais ou não, transferindo a responsabilização do poluidor efetivo a um posterius, geralmente judicializado.

A prática do seguro, porém, é assunto relevante merece contínua observação, em especial por requerer mudanças comportamentais na governança empresarial.

O fato é que o mercado segurador brasileiro contempla coberturas de riscos de poluição, tais como risco de vazamento durante o transporte rodoviário de mercadorias, risco de derrame de petróleo e/ou derivados e riscos decorrentes da prospecção e produção de petróleo (Petrobrás possui este tipo de seguro) e riscos decorrentes da produção de energia nuclear.

No âmbito dos negócios sustentáveis, que envolvam o seguro, a empresa que pretende fazer uma apólice de seguro de responsabilidade civil por poluição ambiental, deverá contar com um Sistema de Gestão Ambiental – SGA eficiente, que contemple um bom programa de gerenciamento de risco e monitoramento ambiental.

A seguradora, para fazer uma análise preliminar do risco e, estabelecer o prêmio em função das práticas de gestão adotadas pelo segurado, deverá efetuar uma inspeção ou mesmo uma auditoria ambiental, o que implica dizer que a empresa deve estar suficientemente preparada, para abrir suas portas para a seguradora, que levará em conta diversos aspectos, dentre outros, a localização do risco segurável e sua provável extensão e, do grau de risco associado à atividade que exerce.

As condições objetivas, portanto, demonstram que é primeiro de tudo necessário que o seguro ambiental em suas inúmeras modalidades seja praticado no Brasil com maior frequência, oferecendo uma base mais sólida ao patrimônio empresarial brasileiro.

Nunca é demais, por fim, afirmar que a questão ambiental é um eterno porvir, demandando capacidade plena de previsão e prevenção nas atividades econômicas que compõe nossa economia cada vez mais impactante.

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