A
exigência de que uma empresa apresente certidão negativa de débitos
tributários para ter seu plano de recuperação judicial é, na prática, um
empecilho à recuperação de companhias em dívida. A conclusão
é do juiz Marcelo Barbosa Sacramone, da 1ª Vara de Falências e
Recuperações Judiciais de São Paulo, na análise do pedido de recuperação
judicial do Grupo Velox, prestador de serviços de consultoria em
recursos humanos. A decisão é do dia 20 de junho.
O plano de
recuperação foi apresentado à Justiça no início de 2012. Edital
publicado com a relação de credores informou, em abril deste ano, que a
empresa tem um passivo de R$ 43 milhões, entre dívidas trabalhistas e
com fornecedores. A dívida fiscal é de R$ 25,2 milhões — ou seja, quase
60% do passivo total da empresa são tributos. A empresa é defendida pelo
advogado Sergio Emerenciano, do escritório Emerenciano e Baggio
Associados.
Segundo a decisão de junho, o plano foi aprovado por
82% dos credores, que representam 63% dos créditos, em assembleia-geral
de credores. Na assembleia, estiveram presentes todos os credores
trabalhistas, todos os credores com garantia real, em sua maioria
bancos, e 85% dos credores quirografários — aqueles que entram na fila
do regime especial descrito pela Lei de Recuperações e Falências (Lei
11.101/2005).
De acordo com o juiz Marcelo Sacramone, o artigo 57
da Lei de Recuperações e Falências é claro quando diz que a empresa deve
apresentar certidão negativa de débitos tributários junto ao plano de
recuperação aprovado pela assembleia de credores. No entanto, ele
pondera que “na grande maioria dos casos (senão em todos os casos), a
empresa em crise econômica acumula também passivo fiscal”.
Sobre
esse ponto, Sacramone cita o artigo 68 da lei. O dispositivo diz que as
Fazendas Públicas e o INSS podem deferir planos de parcelamento de seus
créditos, “nos termos da lei específica”. Só que, de acordo com o juiz,
essa lei específica nunca foi editada, o que deixa as empresas em
dificuldade em condição ainda mais complicada com seus credores,
principalmente com a Fazenda, já que, ao contrário das dívidas privadas
não trabalhistas, as execuções fiscais não são interrompidas pela
aprovação do plano de recuperação judicial.
“Tem-se, assim, que a
inexistência da possibilidade legal do parcelamento da dívida fiscal
representaria, na prática, vedação à aplicação do instituto da
recuperação judicial de empresas. Por essa razão, diante da relevante
finalidade social da lei de preservação da empresa, dos empregos e da
atividade econômica, deve-se dispensar a apresentação de certidões
negativas de débitos fiscais enquanto não for editada legislação
tributária que preveja a possibilidade de parcelamento de débitos
fiscais especial para empresas em recuperação judicial”, registrou
Sacramone na decisão.
O juiz Marcelo Sacramone citou diversos precedentes das Câmaras
Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Todos analisam que o artigo 57 da Lei de Recuperações e Falências pode
se tornar um obstáculo para que a empresa pague suas dívidas e volte a
funcionar.
A análise foi mantida pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Decisão relatada
pelo ministro Luis Felipe Salomão afirma que a interpretação literal do
artigo 57 da lei afronta a intenção da lei, que é reerguer empresas em
dificuldades financeiras, e não a “amesquinhada visão de que o instituto
visa a proteger os interesses do empresário”.
Salomão argumentou
que levar ao pé da letra os artigos 57 da Lei de Recuperações e 191-A do
Código Tributário Nacional (que exige a quitação integral do débito
para concessão da recuperação), “inviabiliza toda e qualquer recuperação
judicial, e conduz ao sepultamento por completo do novo instituto”.
“O
valor primordial a ser protegido é a ordem econômica”, afirmou o
ministro. “Em alguns casos, é exatamente o interesse individual do
empresário que é sacrificado, em deferência à preservação da empresa
como unidade econômica de inegável utilidade social”, completou.
Salomão
também afirmou que, por mais que o artigo 68 da Lei de Recuperações,
que fala no parcelamento de dívidas fiscais e previdenciárias, ainda não
tenha sido regulamentada, o fatiamento é direito do contribuinte e
suspende a execução fiscal. “Em regra, com a forte carga de tributos que
caracteriza o modelo econômico brasileiro, é de se presumir que a
empresa em crise possua elevado passivo tributário.”
Recuperação Judicial 0003676-30.2012.8.26.0100
Clique aqui para ler a decisão.
Clique aqui para ler a decisão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário