Jornalista britânico relata que meninas estão se prostituindo com trabalhadores do Itaquerão
A poucos meses da
Copa do Mundo, um alerta acionado pelo tabloide britânico Daily Mirror,
em novembro de 2013, ecoou no país anfitrião do evento esportivo mais
popular do mundo, chamando a atenção das autoridades para um dos maiores
problemas do Brasil: a prostituição infantil. O correspondente do
tabloide no Brasil, Matt Roper, entrevistou meninas de 12 a 16 anos que
estão se prostituindo no entorno do palco de abertura da Copa, a Arena
Corinthians, em São Paulo. Os clientes são os trabalhadores que chegaram
de todas as partes do país para a construção do estádio. Autoridades
temem que o turismo sexual ganhe grandes proporções nas cidades sede da
Copa, como sempre acontece durante a realização dos mega eventos, e já
articulam medidas para evitar que indústria do sexo seja o legado amargo
do torneio mundial.
O psicólogo e membro do Conselho Regional de
Psicologia do Rio de Janeiro, Saulo Oliveira, avalia que, atualmente, o
tema prostituição infantil ganhou relevância com a proximidade da Copa
do Mundo, mais um motivo para o governo investir em estruturas que
garantam a integridade dessa população vitimada. Para ele, deve haver
uma maior adequação da rede de proteção à criança no combate de crimes
dessa natureza. Ele citou a resolução 113, de 19 de abril de 2006, do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda),
que define os parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do
sistema de garantia dos direitos do menor, atribuindo funções e deveres
aos órgãos sociais e autoridades que atuam neste setor. "As políticas
públicas existem, apontando os eixos para a promoção e controle dos
direitos dos menores, mas os atores envolvidos nesse processo não têm
uma pratica organizada e, consequentemente, não cumprem bem os seus
papeis e além disso interferem na atuação de outras entidades. Ou seja,
há necessidade de uma articulação entre as instituições de proteção,
para evitar crimes como este denunciado pelo Mirror. O governo precisa
intervir e cobrar uma postura adequada dos órgãos e que eles cumpram as
suas funções", esclareceu Saulo.
O
mecanismo citado por Saulo inclui o trabalho dos Conselhos Tutelares,
das delegacias especializadas, dos Conselhos de Saúde e até da própria
família, além de outras instituições que atuam nessa área. Ele diz que a
comunicação entre esses órgãos deve ser harmônica para que o direito da
criança seja garantido. "Em primeiro lugar, podemos observar uma
precarização de um órgão que é responsável pela fiscalização, que é o
Conselho Tutelar. Os dados e denúncias que chegam nos conselhos tinham
que ser investigados a partir de um procedimento padrão estabelecido,
numa comunicação perfeita. Mas isso ainda não acontece e as falhas são
constantes", contou Saulo.
No aspecto clínico, Saulo analisa que
as meninas submetidas à prostituição precocemente, sofrem sérias
consequências psicológicas. Elas ainda estão em fase de desenvolvimento e
as experiências sexuais podem trazer uma visão deturpada sobre o seu
próprio corpo. "É uma dupla violência, a física e a social, pela omissão
das políticas públicas constituídas, mas não praticadas. E nem as
famílias têm condições de ajudar nesse processo, porque os pais dessas
meninas também foram vítimas, a vida toda, dessa omissão social.
Forma-se um ciclo vicioso", avalia o psicólogo.
A deputada Liliam
Sá (PROS/RJ) chegou às meninas do Itaquerão através da CPI da Exploração
Sexual de Crianças e Adolescente, trabalho em que ela é relatora e
atende a diversos estados nacionais. Segundo a deputada, a comissão fez
uma diligência em São Paulo para apurar as denúncias e se reuniu com o
prefeito Fernando Haddad (PT), com o Vice-Presidente do Tribunal de
Justiça do Estado, José Gaspar Gonzaga Franceschini, e com a Secretária
de Estado da Justiça e de Defesa da Cidadania, Eloísa de Sousa Arruda,
para pedir providências e o aumento do policiamento e fiscalização nas
proximidades do estádio. "Foi proposta, pelo Haddad, a criação de uma
força tarefa de vários órgãos e entidades para intensificar a
fiscalização e reprimir a exploração de menores em todas as regiões da
cidade, inclusive no Itaquerão", contou Liliam Sá.
No ano passado,
a CPI organizou um Seminário com as cidades sedes da Copa do Mundo,
para a assinatura do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Exploração
Sexual de Crianças e Adolescentes, um compromisso público que orienta as
12 cidades sedes da Copa do Mundo, no desenvolvimento de ações e
políticas públicas para prevenção e enfrentamento à exploração sexual de
crianças e adolescentes no contexto dos grandes eventos. A deputada
afirma que apenas os estados de Belo Horizonte, Salvador, Curitiba,
Distrito Federal e Porto Alegre enviaram seus representantes ao
Seminário. De acordo com Liliam Sá, o tráfico internacional de pessoas
foi outro tema debatido durante a diligência na capital paulista,
principalmente de mulheres do Congo e da Somália, com voos que chegam
no Aeroporto Internacional de Guarulhos, numa redes de exploração
sexual.
"Enquanto não tivermos leis mais duras para os pedófilos e
clientes que alimentam redes de exploração sexual infanto-juvenil,
continuaremos vendo a impunidade e a inércia das policias e dos
governos. A CPI tem discutido a legislação atual e estamos estudando um
modo de endurecer as penas para esses crimes. Não podemos aceitar que lá
fora o Brasil seja conhecido como o país que facilita sexo com
crianças, oferecendo-as em pacotes para predadores de sexo e infância.
Temos que dar um basta nessa vergonha internacional", destacou a
deputada.
O olhar de Matt Roper sobre o Brasil
Matt
Roper não é brasileiro, mas conhece a realidade nua e crua do Brasil.
Ele chegou ao país à trabalho, há 15 anos, gostou tanto do clima e do
povo que resolveu não mais voltar para sua terra natal. Casou com uma
brasileira e fundou a Ong Meninadança, sediada num amplo sítio na
pequena cidade de Juatuba, região metropolitana de Belo Horizonte. A
entidade trata de meninas que se envolvem com prostituição e consumo de
drogas.
Matt contou ao Jornal do Brasil a sua
experiência ao entrevistar as meninas no entorno da Arena Corinthians.
Ele disse que há meninas "mergulhadas" nas drogas, principalmente no
crack, e as pessoas que vão "paga-las" não têm noção do crime que estão
cometendo. "Eu não tenho certeza do que pode acontecer durante a Copa do
Mundo. Não sei se a prostituição infantil vai explodir nos estados onde
os jogos serão disputados, mas estou apostando num aumento sim. Nas
outras Copas aconteceu o mesmo em outros países", disse o jornalista.
O
cenário no entorno do Itaquerão, na opinião de Matt, já serve como
alerta para as autoridades brasileiras. Outro fato grave divulgado na
reportagem de Matt diz respeito a atuação de quadrilhas internacionais,
que estão se organizando para agir durante a Copa, em diversos pontos do
país. "Através da minha atuação como ativista, tive acesso a relatórios
de agências, informando que alguns clãs mafiosos internacionais estão
planejando uma onda de prostituição infantil organizada em torno dos
estádios", contou ele.
Ao conversar com as meninas que residem em
favelas próximas ao Itaquerão e seus familiares, Matt observou que os
grupos criminosas estão agindo nestes locais, estimulando o consumo de
drogas e a prostituição. Algumas famílias chegam a vender as suas
crianças para os "clientes". Ele descreve também, na sua reportagem, o
ambiente destas favelas - "são locais sem eletricidade, sem água e com
esgoto à céu aberto". Depois ele conta como acontece o contato com os
homens que vão à procura de sexo - "as crianças são direcionadas por
eles a motéis ou quartos perto do estádio gigante". E ainda faz uma
observação importante: "o negócio ilegal ocorre aos olhos da polícia,
guardas de segurança e os moradores da capital financeira do Brasil".
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