segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Retrato vergonhoso da Copa reflete o aumento da prostituição infantil no Brasil

 

Jornalista britânico relata que meninas estão se prostituindo com trabalhadores do Itaquerão

Jornal do BrasilCláudia Freitas
A poucos meses da Copa do Mundo, um alerta acionado pelo tabloide britânico Daily Mirror, em novembro de 2013, ecoou no país anfitrião do evento esportivo mais popular do mundo, chamando a atenção das autoridades para um dos maiores problemas do Brasil: a prostituição infantil. O correspondente do tabloide no Brasil, Matt Roper, entrevistou meninas de 12 a 16 anos que estão se prostituindo no entorno do palco de abertura da Copa, a Arena Corinthians, em São Paulo. Os clientes são os trabalhadores que chegaram de todas as partes do país para a construção do estádio. Autoridades temem que o turismo sexual ganhe grandes proporções nas cidades sede da Copa, como sempre acontece durante a realização dos mega eventos, e já articulam medidas para evitar que indústria do sexo seja o legado amargo do torneio mundial.

O psicólogo e membro do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, Saulo Oliveira, avalia que, atualmente, o tema prostituição infantil ganhou relevância com a proximidade da Copa do Mundo, mais um motivo para o governo investir em estruturas que garantam a integridade dessa população vitimada. Para ele, deve haver uma maior adequação da rede de proteção à criança no combate de crimes dessa natureza. Ele citou a resolução 113, de 19 de abril de 2006, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que define os parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do sistema de garantia dos direitos do menor, atribuindo funções e deveres aos órgãos sociais e autoridades que atuam neste setor. "As políticas públicas existem, apontando os eixos para a promoção e controle dos direitos dos menores, mas os atores envolvidos nesse processo não têm uma pratica organizada e, consequentemente, não cumprem bem os seus papeis e além disso interferem na atuação de outras entidades. Ou seja, há necessidade de uma articulação entre as instituições de proteção, para evitar crimes como este denunciado pelo Mirror. O governo precisa intervir e cobrar uma postura adequada dos órgãos e que eles cumpram as suas funções", esclareceu Saulo.
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O mecanismo citado por Saulo inclui o trabalho dos Conselhos Tutelares, das delegacias especializadas, dos Conselhos de Saúde e até da própria família, além de outras instituições que atuam nessa área. Ele diz que a comunicação entre esses órgãos deve ser harmônica para que o direito da criança seja garantido. "Em primeiro lugar, podemos observar uma precarização de um órgão que é responsável pela fiscalização, que é o Conselho Tutelar. Os dados e denúncias que chegam nos conselhos tinham que ser investigados a partir de um procedimento padrão estabelecido, numa comunicação perfeita. Mas isso ainda não acontece e as falhas são constantes", contou Saulo.  

No aspecto clínico, Saulo analisa que as meninas submetidas à prostituição precocemente, sofrem sérias consequências psicológicas. Elas ainda estão em fase de desenvolvimento e as experiências sexuais podem trazer uma visão deturpada sobre o seu próprio corpo. "É uma dupla violência, a física e a social, pela omissão das políticas públicas constituídas, mas não praticadas. E nem as famílias têm condições de ajudar nesse processo, porque os pais dessas meninas também foram vítimas, a vida toda, dessa omissão social. Forma-se um ciclo vicioso", avalia o psicólogo.

A deputada Liliam Sá (PROS/RJ) chegou às meninas do Itaquerão através da CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescente, trabalho em que ela é relatora e atende a diversos estados nacionais. Segundo a deputada, a comissão fez uma diligência em São Paulo para apurar as denúncias e se reuniu com o prefeito Fernando Haddad (PT), com o Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, José Gaspar Gonzaga Franceschini, e com a Secretária de Estado da Justiça e de Defesa da Cidadania, Eloísa de Sousa Arruda, para pedir providências e o aumento do policiamento e fiscalização nas proximidades do estádio. "Foi proposta, pelo Haddad, a criação de uma força tarefa de vários órgãos e entidades para intensificar a fiscalização e reprimir a exploração de menores em todas as regiões da cidade, inclusive no Itaquerão", contou Liliam Sá.

No ano passado, a CPI organizou um Seminário com as cidades sedes da Copa do Mundo, para a assinatura do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, um compromisso público que orienta as 12 cidades sedes da Copa do Mundo, no desenvolvimento de ações e políticas públicas para prevenção e enfrentamento à exploração sexual de crianças e adolescentes no contexto dos grandes eventos. A deputada afirma que apenas os estados de Belo Horizonte, Salvador, Curitiba, Distrito Federal e Porto Alegre enviaram seus representantes ao Seminário. De acordo com Liliam Sá, o tráfico internacional de pessoas foi outro tema debatido durante a diligência na capital paulista,  principalmente de mulheres do Congo e da Somália, com voos que chegam no Aeroporto Internacional de Guarulhos, numa redes de exploração sexual.

"Enquanto não tivermos leis mais duras para os pedófilos e clientes que alimentam redes de exploração sexual infanto-juvenil, continuaremos vendo a impunidade e a inércia das policias e dos governos. A CPI tem discutido a legislação atual e estamos estudando um modo de endurecer as penas para esses crimes. Não podemos aceitar que lá fora o Brasil seja conhecido como o país que facilita sexo com crianças, oferecendo-as em pacotes para predadores de sexo e infância.  Temos que dar um basta nessa vergonha internacional", destacou a deputada.


O olhar de Matt Roper sobre o Brasil 


Matt Roper não é brasileiro, mas conhece a realidade nua e crua do Brasil. Ele chegou ao país à trabalho, há 15 anos, gostou tanto do clima e do povo que resolveu não mais voltar para sua terra natal. Casou com uma brasileira e fundou a Ong Meninadança, sediada num amplo sítio na pequena cidade de Juatuba, região metropolitana de Belo Horizonte. A entidade trata de meninas que se envolvem com prostituição e consumo de drogas.

Matt contou ao Jornal do Brasil a sua experiência ao entrevistar as meninas no entorno da Arena Corinthians. Ele disse que há meninas "mergulhadas" nas drogas, principalmente no crack, e as pessoas que vão "paga-las" não têm noção do crime que estão cometendo. "Eu não tenho certeza do que pode acontecer durante a Copa do Mundo. Não sei se a prostituição infantil vai explodir nos estados onde os jogos serão disputados, mas estou apostando num aumento sim. Nas outras Copas aconteceu o mesmo em outros países", disse o jornalista.

O cenário no entorno do Itaquerão, na opinião de Matt, já serve como alerta para as autoridades brasileiras. Outro fato grave divulgado na reportagem de Matt diz respeito a atuação de quadrilhas internacionais, que estão se organizando para agir durante a Copa, em diversos pontos do país. "Através da minha atuação como ativista, tive acesso a relatórios de agências, informando que alguns clãs mafiosos internacionais estão planejando uma onda de prostituição infantil organizada em torno dos estádios", contou ele. 

Ao conversar com as meninas que residem em favelas próximas ao Itaquerão e seus familiares, Matt observou que os grupos criminosas estão agindo nestes locais, estimulando o consumo de drogas e a prostituição. Algumas famílias chegam a vender as suas crianças para os "clientes". Ele descreve também, na sua reportagem, o ambiente destas favelas - "são locais sem eletricidade, sem água e com esgoto à céu aberto". Depois ele conta como acontece o contato com os homens que vão à procura de sexo - "as crianças são direcionadas por eles a motéis ou quartos perto do estádio gigante". E ainda faz uma observação importante: "o negócio ilegal ocorre aos olhos da polícia, guardas de segurança e os moradores da capital financeira do Brasil".

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