Petrobras
anunciou, na última semana, mudanças contábeis que tendem a elevar seu
lucro e a distribuição de dividendos. As ações preferenciais (PETR4) e
ordinárias (PETR3) reagiram positivamente no pregão posterior ao
anúncio. Mas o ponto que interessa é: o valor da companhia se alterou
por causa da mudança? Como a análise fundamentalista vê a questão?
Como a Petrobras também possui receita em dólar, a administração resolveu alterar a contabilização da variação cambial. Esta parcela da receita funciona como uma espécie de proteção, um “hedge” econômico. Enquanto a dívida aumenta devido à apreciação da moeda americana, o faturamento em moeda estrangeira também se eleva. Segundo a reportagem, 20% das exportações previstas para os próximos sete anos servem para proteger a variação cambial de 70% da dívida líquida em dólar. Com isso, a atualização da dívida, a partir de agora, passará a ser lançada no patrimônio líquido e não imediatamente na demonstração de resultados. O impacto da variação cambial da dívida só irá a resultado quando as exportações que a suportam também forem contabilizadas. Dessa forma, a variação cambial do faturamento da exportação tende a compensar a da dívida.
Como a despesa de variação cambial do último trimestre não será levada a resultado, o lucro da companhia aumentará. De acordo com analistas consultados pela reportagem, as perdas financeiras de R$ 10 bilhões devem se reduzir para R$ 3 bilhões. As ações, tanto preferenciais quanto ordinárias, reagiram bem ao anúncio, subindo 3,88% e 7,25%, respectivamente, no pregão da última quinta.
Mas o valor intrínseco da companhia se alterou por causa da mudança da prática contábil? A resposta é não. Como dito anteriormente, essas remarcações da dívida possuem apenas efeito contábil, logo sem reflexo no caixa. Assim, um analista que utiliza o fluxo de caixa descontado para avaliar o valor da companhia não deveria alterar sua percepção sobre a mesma.
É verdade que o aumento dos dividendos no curto prazo pode animar o investidor de acordo com a teoria do ‘pássaro na mão’. Segundo essa corrente, os acionistas são céticos em relação ao bom uso do dinheiro pelos gestores das empresas, logo preferem receber os recursos excedentes a deixá-los ao poder discricionário da administração. Mas isso justifica uma apreciação de mais de 7% das ações ON em apenas um dia? E mais, há uma preocupação sobre a capacidade financeira da companhia de suportar os pesados investimentos nos próximos anos. Alguns analistas não descartam uma oferta de ações no médio prazo, o que diluiria os atuais acionistas. Logo, um aumento dos dividendos sem geração de caixa adicional deve ser considerado negativo — e não positivo.
O maior beneficiado com essa distribuição maior de dividendos são os acionistas votantes, entre eles a União, o acionista controlador, pois tais ações não possuem a garantia dos dividendos mínimos como ocorre com as preferenciais. Expliquei em detalhes como funciona o cálculo do dividendo mínimo da Petrobras no post “Dividendos da Petrobras: corte poderia ter sido pior”, de 19/02/2013. Para parte do mercado, esta alteração teve como principal propósito aumentar o superávit fiscal do governo.
Como o argumento para a valorização das ações da Petrobras era tão consistente como uma manteiga ao sol, os papéis entregaram parte dos ganhos no pregão da última sexta. As ações votantes caíram 1,68% e as preferenciais, 2,34%.
Embora haja incertezas (como a necessidade ou não de uma
nova capitalização), as ações da Petrobras estão atrativas levando em
conta a análise por múltiplos. Além disso, a aceleração da produção do
pré-sal deve gerar um impacto positivo sobre o resultado com aumento
relevante do retorno sobre o patrimônio líquido. Contudo, isso não
significa que o investidor deva se entusiasmar por análises
superficiais, com foco no curto prazo. A aposta em Petrobras deve ter em
vista um horizonte mais largo. Vai uma dica para separar notícias
relevantes de quimeras como esta da Petrobras: sempre se pergunte se a
nova informação irá alterar o valor da companhia.
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