Será que cafés e restaurantes têm mesmo de pagar direitos de autor pelo uso de rádio e TV? Alfredo José de Sousa acha que não.
O provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, pôs em causa a cobrança
de direitos de autor aos proprietários de cafés, restaurantes e hotéis
que se socorrem de rádios e televisores para animar os seus
estabelecimentos.
O provedor recomendou ao secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto
Xavier, que, perante as dúvidas legais que têm feito diferentes
tribunais adoptar decisões contraditórias sobre a matéria nos últimos
anos, altere o Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos no
sentido de clarificar as disposições legais em vigor. Objectivo:
"Estabelecer uma cláusula de razoabilidade de não-exigência nem de
autorização dos autores nem de qualquer contrapartida patrimonial pela
mera recepção das emissões de radiodifusão e televisão nos normais
receptores".
A falta de pagamento dos direitos de autor é considerada crime, razão
pela qual vários estabelecimentos de pequena dimensão têm sido alvo de
intervenções da GNR e da PSP mais ou menos aparatosas na sequência das
quais viram ser-lhes apreendidos rádios e televisores caseiros. Noutros
casos foram as discotecas e os hotéis a sofrer o mesmo tipo de
tratamento.
Divulgada ontem, a posição de Alfredo José de Sousa indigna os
defensores dos direitos de autor, que acusam o provedor de ignorar a
jurisprudência europeia. "Se aceitar esta recomendação, que é no mínimo
leviana, Portugal deixa de cumprir as directivas europeias sobre a
matéria", assegura Miguel Carretas, dirigente de uma associação, a
Passmúsica, que representa os interesses de artistas musicais e
produtores, cobrando o licenciamento da utilização das suas obras. "O
Estado português já foi sistematicamente condenado pela violação dos
direitos de autor", acrescenta.
Este responsável explica que do seu ponto de vista o assunto está
pacificado, uma vez que a Passmúsica estabeleceu um acordo com as
principais associações de hotelaria e restauração para pagamento dos
direitos de autor em que estão também previstas situações de isenção de
cobrança. Já no entender dos juristas da Provedoria de Justiça o facto
de televisões e rádios já pagarem direitos de autor devia inibir a sua
cobrança no acto de difusão pública. Miguel Carretas até percebe que,
numa situação de crise do sector da restauração, seja intenção de
Alfredo José de Sousa proteger os pequenos comerciantes. "Mas isso não
pode ser feito à custa do pequeno artista nacional, porque a indústria
musical nacional está de rastos", alerta.
Assessor da administração da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA),
também Lucas Serra se diz estupefacto perante a recomendação do
provedor: "Ele devia de facto ter solicitado a clarificação da lei, mas
no sentido da sua uniformização com a legislação comunitária". Lucas
Serra desvaloriza, no entanto, o impacto da posição de Alfredo José de
Sousa: "O seu papel é meramente opinativo, uma vez que não tem funções
executivas. E como já está de saída do cargo..."
Alegando que altifalantes ou mesmo meros amplificadores de sinal, como
acontece obrigatoriamente com a TV por cabo, constituem formas de
difusão pública da arte alheia, a SPA apenas "fecha os olhos" à cobrança
quando estão em causa pequenos rádios, ou então quando os televisores
não emitem para além dos quatro canais. O argumento de que cafés e
restaurantes recorrem à imagem e ao som para criarem um ambiente
favorável ao negócio não convence o provedor, que alega que, apesar de
poder aumentar a clientela, o estratagema "não é determinante para o
lucro dos estabelecimentos de restauração e bebidas".
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