segunda-feira, 29 de julho de 2013

Energia elétrica no Brasil está numa encruzilhada

Energia elétrica no Brasil está numa encruzilhada

Brasil Econômico   Nicola Pamplona e Fernanda Nunes (redacao@brasileconomico.com.br)
29/07/13 09:20



Maurício Tolmasquim trabalha com o desafio de equacionar o impasse entre crescimento do consumo e suas consequências socioambientais.

Arquiteto do sistema elétrico, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, trabalha com o desafio de equacionar o impasse entre crescimento do consumo e suas consequências socioambientais.
"O que é um ganho do ponto de vista energético, para quem olha a questão socioambiental é um desastre", afirma.
Desenvolvimentista em linha com a presidente Dilma Rousseff - foi um dos formuladores do programa de energia do PT - sentencia: "eficiência energética não é suficiente para eliminar as grandes obras".

Atualmente, consumimos uma energia cara e poluente. É uma tendência ou fruto de um erro cometido no passado, no planejamento?

O Brasil possui  a  matriz energética  mais  limpa do mundo.   Entre 80% e 90% da geração elétrica vem de fontes renováveis. Quando chove menos, é preciso usar mais as térmicas. É claro que o ideal é estar sempre com as renováveis.               Mas uma característica de um sistema que tem fontes variáveis é que, em algum momento, é preciso usar fontes despacháveis, como as térmicas.

Mas há a perspectiva de entrada de mais térmicas, inclusive a carvão, nos próximos leilões.

Em termos absolutos, as térmicas estão crescendo bem menos do que as renováveis. A grande modificação é que havia, no passado distante, hidrelétricas com grandes reservatórios. Agora, há uma grande dificuldade em conseguir licenciamento, até mesmo para hidrelétricas sem reservatórios.   Hoje, é mais difícil construir - por um lado, devido à questão socioambiental; por outro, tem a ver com a topologia da região Norte, onde está o grande potencial a ser explorado. É uma região muito plana. A construção de reservatórios implicaria num grande alagamento. E tem um problema a mais.      Essas usinas do Norte têm variabilidade hidrológica muito grande. Belo Monte, por exemplo,  em alguns períodos vai gerar 11 mil megawatts-hora e, em outros, 1 mil megawatts-hora. Isso também é um complicador no sistema.      Então, será necessário operar mais as termelétricas para poder fazer face a esse sistema. É claro, vai aumentar um pouco a proporção de térmicas. Mas nada que faça o Brasil deixar de ser o país com a maior participação de renováveis.

Ainda existe espaço para a construção de hidrelétricas com reservatórios?

Há alguns lugares, mas não são muitos. O rio Xingu é um exemplo. Poderia fazer a montante (rio acima). Belo Monte passaria a ter água o ano todo. Mas, pela decisão tomada pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) não serão construídas usinas a montante no Xingu. Tem outras áreas que poderiam ter reservatórios. Mas são poucas. Do ponto de vista do setor elétrico, não tenho nenhuma dúvida de que reservatório é importante, é a poupança do combustível, a água. Uma usina hidrelétrica sem reservatório é quase uma eólica. Não chega a ser igual, é um pouco melhor, porque é possível controlar mais do que a eólica. Mas a hídrica sem reservatório, se tem menos água, gera menos. Uma usina com reservatório é muito parecida com uma térmica. A diferença é que o combustível é renovável e é praticamente de graça. Por outro lado, há outra questão. O reservatório tem mais impacto. Então, o que é um ganho do ponto de vista energético, para quem olha a questão socioambiental é um desastre.

É uma decisão de governo não construir reservatório?


Não há nenhuma decisão nesse sentido. Hoje, tem se evidenciado uma impossibilidade de construir de fato. Não temos conseguido licença, mesmo para as usinas sem reservatório. Tem São Manoel, por exemplo, que estamos lutando para conseguir licença. Não tem reservatório, não impacta indígenas ou unidades de conservação, mesmo assim, está muito difícil conseguir as licenças. O ótimo seria ter reservatório. Mas mesmo sem reservatório, está difícil.

Lutar por reservatório é preciosismo?

Não. É importante apontar a perda que significa do ponto de vista energético, ambiental e econômico. Não ter a água acumulada significa ter que despachar mais térmicas, que geram emissões e custo. Só substitui o impacto. Diminui o impacto local sobre a população onde seria construída a hidrelétrica, mas cria outro onde é instalada a térmica e há ainda a questão de mudanças climáticas. Ambas (hidrelétricas e térmicas) têm impacto. É só não ter ilusão. A grande falha é não raciocinar em termos de alternativas. Geralmente, a pessoa é contra. Contra hidrelétrica, contra térmica. Mas é a favor do quê? Dizem ser a favor de eólica e solar. Mas existe algum país abastecido apenas com solar e eólica?

A proximidade das eleições atrapalha o licenciamento de hidrelétricas?

Qualquer questão polêmica em um ano eleitoral fica potencialmente mais controversa, mais difícil. Debate, de qualquer jeito, vai haver. Se esse debate vem junto com a politização, fica ainda mais sensível.

A ponto de atrapalhar o licenciamento?

Espero que não. O Brasil precisa dessas hidrelétricas. É claro que não vamos poder usar todo nosso potencial. Algumas usinas têm impacto muito grande. Mas, abrir mão dessa riqueza não é razoável. A consequência é a queima de mais combustível fóssil, custoso do ponto de vista econômico e ambiental. Acho que a gente tem ainda hidrelétricas que trazem benefícios regionais. Temos que tentar fazer de uma maneira que tenha a menor antropização (influência do homem sobre o ambiente) possível, como é o caso de Tapajós e Jatobá.

As comunidades indígenas estão mais organizadas. Como lidar com isso?

A questão indígena passa por outras variáveis, por outro tipo de diálogo, diferente do que estamos acostumados a ter. Com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis) melhorou enormemente o relacionamento. Grande parte dos conflitos e impedimentos está na questão indígena. Tem desde a questão legítima de lidar com visões diferentes de mundo, até questões menos legítimas, como a questão de garimpo, de mineração, de interesses econômicos. Tem que saber lidar com as duas.

Há soluções internacionais, como a canadense (que transforma a população local em sócia do projeto). É possível replicar no Brasil?

Não exatamente o modelo canadense. Eu tinha feito uma proposta na reunião do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), depois levada à presidenta, que se inspira no modelo canadense. A proposta era trazer um benefício direto para a comunidade afetada. Os índios poderiam tomar a decisão de uso do recurso. Algo tripartite, envolvendo a Funai, o setor elétrico e a comunidade indígena. Acabou não evoluindo.

Mas quando você propõe alternativa de compensação aos índios é como se dissesse que o modelo atual não é o melhor ...

O modelo atual analisa e discute com os índios. Claro, isso vai continuar, mas ali você vai ter um patamar definido para os índios. É algo a mais que poderia ser feito. Acho que não invalida tudo o que é feito hoje, mas é um algo a mais.

O que Belo Monte traz de experiência para Tapajós?

Belo Monte e Tapajós são projetos diferentes. No primeiro, a meta era trazer desenvolvimento regional. Em Tapajós, é preservar. Não que em Belo Monte a meta seja desenvolver sem preservar. O projeto nos ensinou como conversar com a população. Acho que hoje, quem é contra a hidreletricidade é contra em qualquer situação. É ideológico.

O modelo proposto para o pré-sal parece privilegiar a produção escalonada. Há alguma orientação para evitar a exaustão das reservas rapidamente?

A discussão maior é sobre o ritmo para a exploração do petróleo no Brasil. Primeiro, tem a questão do esgotamento do recurso no mundo. Se você acredita que o recurso vai se esgotar, o melhor é não usar tudo rapidamente e guardar, porque depois vai valer mais. Se acredita que tem muito petróleo, que tem fontes alternativas que vão postergar o seu fim, deve tentar monetizar logo, porque depois pode não valer nada. Mas no que diz respeito ao petróleo, o principal é saber usar a renda desse produto. Países produtores de petróleo não são necessariamente países desenvolvidos. Na verdade, é até o contrário, são grandes os exemplos de falta de desenvolvimento. Já tivemos experiências de como esse modelo primário exportador é complicado: o ciclo do ouro, o ciclo da borracha, o ciclo do café... Acho, inclusive, que o Brasil deu sorte ao descobrir o petróleo agora. Temos uma base industrial, temos universidade, temos centro de pesquisa, temos um sistema político estabelecido que respeita contratos, que é democrático, que tem a vigilância popular. Isso garante um uso melhor dos recursos. O petróleo é um recurso finito. Então, há uma questão de justiça intergeracional. Se a nossa geração vai usar esse petróleo, temos que deixar algo para as gerações futuras. Se usarmos apenas em consumo, não deixamos nada. Por isso, acho que é importante essa discussão sobre o que fazer com os recursos.

Isso é uma defesa da destinação dos recursos dos royalties para a educação?

Eu sou totalmente favorável.

Com a destinação de 100% dos recursos?

Sim, 100%. Mas o importante é como o modelo foi concebido. O dinheiro tanto da partilha como dos royalties da União vai para um fundo que investe em atividades produtivas, seja no exterior, seja no Brasil, com um conselho que analisa a rentabilidade. Com o lucro dessas atividades, tem o fundo social. O recurso do fundo social é que vai para a educação.

Mas não foi o que passou no Senado, que quer destinar toda a receita da União...

É. Eu acho complicado isso. É a questão da galinha dos ovos de ouro. Estão comendo a galinha. Do jeito que propusemos, usa o rendimento para o investimento em educação. Agora, se pega o principal, vai acabar com o fundo em algum momento e não necessariamente da forma mais eficaz. Ao botar o principal e mais o fundo social, despeja-se uma montanha enorme de dinheiro de uma vez na educação. Talvez, isso não seja bem aplicado. Sou a favor de 100% do rendimento do fundo para a educação, mas não do principal.

O Brasil, com o etanol, estava na vanguarda no uso de combustíveis renováveis. Mas, nos últimos anos, houve uma reviravolta, o consumo de etanol hoje é marginal e passamos a importar gasolina. O que deu errado?

São vários fatores. Primeiro, o etanol sofreu impacto muito grande com a crise econômica,     que pegou os usineiros endividados. Eles deixaram de fazer investimentos em modernização dos canaviais, a produtividade despencou. Além disso, tivemos três anos seguidos de problemas climáticos.        E teve ainda um processo acelerado de mecanização, sem que as plantações tivessem sido preparadas para isso.  Por outro lado, teve a questão do boom de compra de automóveis.                 Claro que teve incentivos para isso, mas um fator fundamental foi o aumento da renda e o baixo nível de desemprego.   Aumentou enormemente o número de automóveis e teve um impacto na produção de etanol.

O buraco teve que ser coberto pela gasolina, que passou a ser importada. Outro argumento é a questão do preço da gasolina, que reduziria a competitividade do etanol. Em parte é verdadeiro, em parte, falso. Claro, se o preço da gasolina fosse mais alto, daria mais competitividade ao etanol. Mas todas as projeções indicam que o preço do petróleo deve cair. Então acho que se o etanol, para ser competitivo, precisa ter um petróleo a mais de US$ 100, não vai ser sustentável, porque esse preço não vai durar. O etanol precisa se sustentar com um petróleo mais baixo. Acho que é necessária uma certa revolução para melhorar a produtividade e a competitividade do etanol. O governo tomou algumas medidas com relação a estoques, financiamento para inovação, mecanização. Agora, vamos ver se há uma reação.

Vocês acreditam em reversão desse quadro?

A gente aposta no etanol. É fundamental para o Brasil. Acho que nenhum governo vai deixar o etanol. É um segmento importante, uma conquista do país.

O sr. prevê queda da participação da Eletrobras nos leilões, por conta da redução da receita?

Na transmissão já caiu um pouco. Não posso falar pelo grupo, mas acho que, na geração, a Eletrobras vai continuar a investir em hidrelétricas. Nas outras fontes, vejo uma participação, ainda que menor, em eólica. Mas não acredito que investirá em térmica nem em biomassa.

Acha que a empresa terá fôlego para investir?

Sim, ela precisa de investimento para aumentar seu caixa (que teve uma redução de R$ 9 bilhões após a renovação das concessões). É uma necessidade, tem que recompor seu portfólio em termos de receita.

Há espaço para nova queda nas tarifas de energia, ou chegamos ao limite?

Acho que está perto do limite. A única coisa que poderia fazer os preços caírem seria o ICMS. É o único elemento que não foi mexida e é um componente grande. Mas é difícil imaginar os estados abrindo mão de ICMS. Já perderam receita com a queda da base de arrecadação. O que pode acontecer é, quando novas concessões vencerem, haver uma pequena queda. Mas é marginal. O principal já foi.

O que aconteceu com os dois lotes que não foram arrematados no último leilão de linhas de transmissão?

No caso da linha do Acre, é problema ambiental e o pessoal achou muito arriscado. No Maranhão, não sei exatamente o que foi. Eu acho que tem algumas coisas que têm que ser precificadas. Por exemplo, áreas em que é difícil passar com a linha devido a questões fundiárias. A questão de meio ambiente tem que ser precificada; no final das contas, é preço. O investidor acha que é muito arriscado, precifica aquilo e diz: "Com esse preço, eu não vou".

Pode ter um movimento de revisão de preços, como está acontecendo com outras concessões?

Há linhas importantes para o país que não foram arrematadas em leilões, em alguns casos por problemas fundiários, porque os proprietários pedem valores astronômicos para passar. Mas é tão importante que é preciso pensar em condições mais favoráveis para o investidor.

Qual a alternativa? Rever os preços?

Eventualmente, sim.

Nesse ponto, a Eletrobras faz diferença, porque pegaria a obra independentemente do risco...

É, mas isso cria distorções. Ao jogar na empresa estatal todos os custos, cria-se outro tipo de problema. Prefiro que a Eletrobras vá buscar o seu lucro, concorra com o capital privado em pé de igualdade. E que se reavalie o preço da concessão. Que seja adequado àquele projeto, que seja atrativo.

Você planeja o consumo de energia da sua casa?
Não... (risos)

Sabe quanto paga de luz?

Tenho uma ideia... Toda vez que saio na rua ou quando tem algum problema de energia, o pessoal diz: "Fala com o Maurício". Mas eu não trabalho na Light, nem na Ampla... (risos)
A eficiência energética não deveria ser mais incentivada?

A eficiência é importante e acho que podemos fazer mais. Mas não devemos superestimar. Pode-se fazer mais, mas teremos que continuar ampliando a oferta. Sou contra aquele discurso de que, se tivesse mais eficiência, poderíamos abrir mão de Belo Monte. Não é verdade. É necessário, a gente pode fazer mais, mas não existe milagre.

Mas deveria haver mais incentivo à geração descentralizada ou à redução do uso do chuveiro elétrico, por exemplo?

O chuveiro elétrico é o grande terror do setor elétrico. Todo mundo chega a mesma hora em casa, acende a luz e vai tomar um banho. A alternativa imediata é o gás, mas poucas cidades têm canalização. Solar é mais difícil. É claro que é interessante, mas quais são os prédios que têm condição de colocar? A gente fez uma coisa importante, que foi colocar coletor solar em todas as casas do Minha Casa Minha Vida. Minha proposta era para o Sudeste, porque no Nordeste as pessoas não usam água quente. Mas levei uma bronca, porque tem a questão social. Hoje todas as casas do Minha Casa Minha Vida têm coletor solar.

É possível incentivar a eficiência na indústria ou ela já está em um patamar elevado?

A indústria eletrointensiva tem equipes para fazer isso, porque energia pesa muito nos custos. O problema são pequenas e médias empresas. E as residências. Nossa classe média desperdiça muito. Mas não podemos generalizar, porque a média do consumo per capita é muito baixa, o que significa que tem uma grande parte da população que consome muito pouco. E que vai naturalmente aumentar o seu consumo. O fato de termos espaço para melhorar a eficiência na classe média não significa que não vai precisar ampliar a oferta. Tem mais gente querendo consumir e isso é legítimo. Não é verdade que, se tiver eficiência e botar eólica e solar, não precisa mais construir hidrelétrica ou termelétrica. E não é só no Brasil, é no mundo inteiro. Nesse sentido, entra a questão da hidreletricidade. Entre botar térmica e hidrelétrica, prefiro uma hidrelétrica. Agora, se não dá para botar, tem que complementar com térmica. Não pode é deixar sem fornecimento.
 

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