Tiririca estava errado. No Brasil, sempre dá para
piorar, como têm provado com notável diligência a impropriamente chamada
classe política e o governo da presidente Dilma Rousseff. Qual a
distância, hoje, entre otimismo e pessimismo nas previsões econômicas? A
economia brasileira crescerá em média 3,2% ao ano entre 2014 e 2018,
segundo a nova bola de cristal operada em parceria pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV) e pela instituição de pesquisas The Gonference Board, o
indicador antecedente composto. No discurso oficial, um crescimento
inferior a 4% ou 5% ao ano jamais foi admitido, até há pouco tempo, como
padrão normal para o Brasil. Poderia ocorrer como consequência de
choques externos ou em fases de ajuste muito forte, mas sempre como
situação excepcional. Hoje, até uma expansão pouco superior a 3% por
vários anos pode parecer improvável, quando se considera a crise de
produtividade da economia nacional.
Não há cálculo seguro do potencial de crescimento do país, mas os
números estimados vêm caindo nos últimos anos – da faixa de 3,5% a 4%
até há pouco tempo para algo entre 2,5% e 3% nas últimas avaliações. O
número de 2,5% foi indicado esta semana pela economista Alessandra
Ribeiro, da consultoria Tendências, segundo o jornal “Valor”.
Calcular o produto potencial pode ser muito complicado, mas, apesar
disso, economistas e formuladores de políticas têm excelentes motivos
para levar em conta esse conceito. A existência de limites tem sido
mostrada amplamente pela experiência. Pode-se ultrapassá-los de vez em
quando, mas insistir na aventura acaba normalmente em desastre. Inflação
e desequilíbrio externo são consequências bem conhecidas e muito
frequentes na História do Brasil.
Inflação e desajuste crescente no balanço de pagamentos já estão
presentes no cenário brasileiro, apesar do crescimento pífio dos últimos
dois anos e meio. Ninguém deveria iludir-se com o recuo de alguns
índices desde o mês passado. A redução dos preços dos alimentos tem
efeito passageiro na formação dos indicadores, assim como a redução das
tarifas de transporte coletivo. Grandes fatores inflacionários, como o
desarranjo fiscal, a expansão do crédito e os aumentos salariais acima
dos ganhos de produtividade, foram apontados, mais uma vez, na ata da
última reunião do Comitê de política monetária (Copom), divulgada na
quinta-feira. A ata destoou claramente do discurso presidencial do dia
anterior.
Os autores do texto, no entanto, apontaram a possibilidade de um
arrefecimento da demanda se nada for feito para reverter a tempo a crise
de confiança do setor empresarial e das famílias. Por enquanto, “a
demanda doméstica tende a se apresentar relativamente robusta,
especialmente o consumo das famílias”, segundo a ata. Mas os sinais de
alerta já estão acesos. O texto contém o suficiente para indicar o risco
de uma estagnação mais ampla, mas seus autores poderiam ter ido mais
longe. Se o consumo cair, o investimento continuar insuficiente e a
indústria continuar em marcha lenta, como ficarão as já estropiadas
finanças públicas?
A peculiaridade brasileira é outra: programas são secundários e o fundamento das alianças é a partilha dos benefícios do poder.
Não há resposta para o problema do crescimento, no Brasil, sem a ação
do governo, mas o governo está atolado na própria incompetência
gerencial, na indigência de ideias de seus formuladores de políticas e
num esquema pegajoso e sufocante de alianças políticas.
No Brasil, dizem especialistas, nenhum presidente pode governar sem
acordos, às vezes com parceiros da pior espécie. Pode ser. Em muitos
países coalizões são indispensáveis à operação do governo. Alianças, no
entanto, são em geral precedidas de algum entendimento a respeito de
objetivos e métodos. É o caso, em países da Europa, da formação de
gabinetes para enfrentar a crise fiscal e financeira.
A peculiaridade brasileira é outra: programas são secundários e o
fundamento das alianças é a partilha dos benefícios do poder. Não se
divide o governo como responsabilidade, mas como butim. Esse padrão se
fortaleceu com a disposição petista de aparelhar e lotear a máquina
federal. Nada mais natural, quando um partido chega ao Palácio do
Planalto com um projeto de poder e nenhum projeto real de governo.
Sem alianças em torno de um programa, o governo é forçado a negociar
com a base a votação de cada projeto, como se nenhuma ideia geral desse
um sentido comum às várias propostas. Não se pode sequer confiar na
aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, condicionada pelos
companheiros à adoção de um impropriamente chamado orçamento impositivo –
na prática, uma simples manobra para tornar obrigatória a liberação de
verbas para emendas.
A um governo com essas condições de funcionamento – e comandado por
uma presidente cada vez mais isolada – cabe a missão de promover a
mudanças necessárias para destravar a economia, aumentar seu potencial
de crescimento e impor ao País um ritmo de expansão mais parecido com o
dos emergentes mais dinâmicos.
Nenhuma tarefa importante será cumprida se a presidente Dilma
Rousseff e sua equipe forem incapazes de começar a arrumação das
próprias contas. Para isso será necessário desfazer a confusão de
incentivos temporários e permanentes, trocar as ações pontuais pelas
chamadas políticas horizontais e cortar o vínculo incestuoso entre o
Tesouro e os bancos controlados pela União.
Tudo isso deverá ser apenas o começo de uma lista enorme de mudanças.
Elevar a eficiência na elaboração e na condução de projetos de
infraestrutura será outro desafio tão duro quanto urgente. Sem isso, até
como exportador de matérias-primas o País será cada vez menos
competitivo.
Que dirão dessa agenda os marqueteiros eleitorais da presidente?
Sem o governo nenhum problema se resolverá, mas o próprio governo é o primeiro problema.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 20/07/2013
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