Apesar de a dívida pública líquida estar em queda, a bruta voltou a subir, indicando que o País não pode se abster da austeridade fiscal
21 de julho de 2013 | 2h 16
ALEXA SALOMÃO - O Estado de S.Paulo
Há dois anos, a dívida pública era tratada como
um problema do passado. Agora, bancos e consultorias têm se dedicado à
produção de textos para a sua análise. Não há a menor chance de o Brasil
dar o calote neste momento, mas, para muitos economistas, a dívida
entrou numa trajetória desconfortável e a sua gestão precisa ser
aperfeiçoada o mais rápido possível.
No Brasil, tornou-se praxe acompanhar o desempenho da dívida líquida
(não financeira), que mostra os débitos e os créditos do setor público.
A dívida líquida do País caiu cerca de 0,7 ponto porcentual, para 34,8%
do PIB, em maio. Em dezembro de 2012, estava em 35,2%. Quando se olha
para ela, o Brasil está no melhor dos momentos.
O mesmo não pode ser dito sobre a dívida bruta do governo geral, que
soma o endividamento (em títulos e bancário), interno e externo, dos
governos federal, estaduais e municipais. Depois de cair ao longo da
década passada, embicou e aumentou 6,2 pontos porcentuais de 2010 para
cá. Em maio, subiu 0,2 ponto porcentual e atingiu o patamar de 59,6% do
PIB.
As trajetórias opostas das dívidas criam o efeito conhecido como
"boca de jacaré" e contrariam a lógica. O esperado é que as dívidas
líquida e bruta sigam a mesma trajetória. Para quem acompanha as
finanças públicas, a distorção ocorre porque a dívida bruta registra
efeitos colaterais de medidas do governo consideradas polêmicas.
Pouco mais de 16 pontos porcentuais da dívida bruta correspondem à
aquisição de reservas internacionais. A primeira vista, esse parece um
custo razoável, já que mais reservas fortalecem o caixa do governo para
enfrentar momentos de crise e de alta do dólar, como o que ocorre agora.
"O problema é que boa parte dos dólares não foi adquirida porque o
governo queria elevar as reservas, mas para controlar a taxa de câmbio",
diz o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria. "O Brasil
tinha reservas suficientes e, se não houvesse a obsessão por depreciar o
câmbio, a dívida não estaria em alta."
O questionamento tem uma razão financeira. A compra de dólares para
formar reservas resulta numa operação onerosa e só vale a pena se for
mesmo por uma causa importante. O processo funciona assim: o Banco
Central compra os dólares usando reais. Mais reais no mercado, porém,
alimentam a inflação. Para tirar esses reais de circulação, o BC troca a
moeda por títulos públicos, com o compromisso de desfazer a troca no
futuro. No jargão do mercado, esse processo se chama operação
compromissada. Os dólares retirados do mercado são usados para comprar
títulos públicos do governo americano, por exemplo, que pagam juros
baixos e formam as reservas. Os títulos brasileiros vão pagar juros bem
maiores. O diferencial das taxas de juros pesa nas contas públicas.
"Temos a acumulação de ativos que rendem pouco (as reservas) e passivos
que custam muito caro (operações compromissadas)", diz Salto.
A dívida bruta também foi impulsionada por outra prática do governo
muito criticada: as operações de financiamento do Tesouro a bancos
públicos, em especial para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
Social (BNDES). Hoje, quase 9 pontos porcentuais da dívida bruta são
fruto desses repasses. Em 2007, esse item tinha impacto zero sobre a
dívida.
Desconfiança.
O atípico comportamento da dívida pública acabou por atrair a desconfiança dos investidores e analistas em relação à gestão das contas públicas e à solvência do Brasil no médio prazo. O comportamento da dívida contribuiu para que a agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P)colocasse em observação, com tendência de baixa, a nota do País, que hoje é grau de investimento (nota que indica que o risco de investir no Brasil é relativamente pequeno).
O atípico comportamento da dívida pública acabou por atrair a desconfiança dos investidores e analistas em relação à gestão das contas públicas e à solvência do Brasil no médio prazo. O comportamento da dívida contribuiu para que a agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P)colocasse em observação, com tendência de baixa, a nota do País, que hoje é grau de investimento (nota que indica que o risco de investir no Brasil é relativamente pequeno).
"Não esperamos que o Brasil tenha problemas com a dívida no curto
espaço de tempo, caso contrário, o País não teria a nota que tem", diz
Sebastián Briozzo, diretor e analista da S&P responsável pelos
relatórios sobre o Brasil. "Mas a perspectiva negativa da nota do Brasil
pode ser interpretada como um sinal amarelo para a dívida pública do
País."
Segundo Briozzo, o primeiro problema é que a dívida ainda é alta,
principalmente quando comparada a outros países emergentes. Para se
comparar a dívida bruta entre países, o melhor critério é o do Fundo
Monetário Internacional (FMI).
Pelos parâmetros do fundo, em dezembro a dívida bruta do Brasil
estava em 68,5% do PIB. Era a terceira maior entre os países emergentes
analisados (atrás apenas de Egito, Jordânia e Hungria). Entre os países
do Bric, superou a da Índia, de 66,8%, e se tornou a maior do bloco.
Para o FMI, a dívida bruta de um país emergente deve ficar na casa dos
40% do PIB.
Custo alto.
A outra questão que chama a atenção é o fato de a dívida ser cara, porque o Brasil tem uma taxa de juro ainda alta. O pagamento de juros da dívida consome cerca de 12% do orçamento anual do governo, quando em outros países essa participação oscila em 7% e nunca passa de 10% do orçamento. "A prudência fiscal ao longo de 15 anos é uma credencial importante para o Brasil e precisa ser preservada", diz Briozzo.
A outra questão que chama a atenção é o fato de a dívida ser cara, porque o Brasil tem uma taxa de juro ainda alta. O pagamento de juros da dívida consome cerca de 12% do orçamento anual do governo, quando em outros países essa participação oscila em 7% e nunca passa de 10% do orçamento. "A prudência fiscal ao longo de 15 anos é uma credencial importante para o Brasil e precisa ser preservada", diz Briozzo.
Ter o grau de investimento rebaixado ou perder o grau de investimento
no atual momento da economia internacional só agravaria o cenário no
Brasil, ao menos no curto prazo. Grandes fundos de pensão, que só podem
colocar dinheiro em países com grau de investimento, teriam de deixar o
País. Os investidores, que já estão migrando para os Estados Unidos de
olho na sua recuperação, teriam um motivo a mais para buscar outros
mercados. E a falta de investimento estrangeiro é maléfica para o
Brasil. "O Brasil tem uma poupança interna muito baixa e o seu
crescimento depende de capital externo", diz Salto. "Se tiver
dificuldade para atrair recursos internacionais, vai crescer menos, o
que vai piorar o perfil da dívida."
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