segunda-feira, 22 de julho de 2013

Apesar de a dívida pública líquida estar em queda, a bruta voltou a subir, indicando que o País não pode se abster da austeridade fiscal

21 de julho de 2013 | 2h 16


ALEXA SALOMÃO - O Estado de S.Paulo
Há dois anos, a dívida pública era tratada como um problema do passado. Agora, bancos e consultorias têm se dedicado à produção de textos para a sua análise. Não há a menor chance de o Brasil dar o calote neste momento, mas, para muitos economistas, a dívida entrou numa trajetória desconfortável e a sua gestão precisa ser aperfeiçoada o mais rápido possível. 

No Brasil, tornou-se praxe acompanhar o desempenho da dívida líquida (não financeira), que mostra os débitos e os créditos do setor público. A dívida líquida do País caiu cerca de 0,7 ponto porcentual, para 34,8% do PIB, em maio. Em dezembro de 2012, estava em 35,2%. Quando se olha para ela, o Brasil está no melhor dos momentos. 

O mesmo não pode ser dito sobre a dívida bruta do governo geral, que soma o endividamento (em títulos e bancário), interno e externo, dos governos federal, estaduais e municipais. Depois de cair ao longo da década passada, embicou e aumentou 6,2 pontos porcentuais de 2010 para cá. Em maio, subiu 0,2 ponto porcentual e atingiu o patamar de 59,6% do PIB.

As trajetórias opostas das dívidas criam o efeito conhecido como "boca de jacaré" e contrariam a lógica. O esperado é que as dívidas líquida e bruta sigam a mesma trajetória. Para quem acompanha as finanças públicas, a distorção ocorre porque a dívida bruta registra efeitos colaterais de medidas do governo consideradas polêmicas.

Pouco mais de 16 pontos porcentuais da dívida bruta correspondem à aquisição de reservas internacionais. A primeira vista, esse parece um custo razoável, já que mais reservas fortalecem o caixa do governo para enfrentar momentos de crise e de alta do dólar, como o que ocorre agora. "O problema é que boa parte dos dólares não foi adquirida porque o governo queria elevar as reservas, mas para controlar a taxa de câmbio", diz o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria. "O Brasil tinha reservas suficientes e, se não houvesse a obsessão por depreciar o câmbio, a dívida não estaria em alta." 

O questionamento tem uma razão financeira. A compra de dólares para formar reservas resulta numa operação onerosa e só vale a pena se for mesmo por uma causa importante. O processo funciona assim: o Banco Central compra os dólares usando reais. Mais reais no mercado, porém, alimentam a inflação. Para tirar esses reais de circulação, o BC troca a moeda por títulos públicos, com o compromisso de desfazer a troca no futuro. No jargão do mercado, esse processo se chama operação compromissada. Os dólares retirados do mercado são usados para comprar títulos públicos do governo americano, por exemplo, que pagam juros baixos e formam as reservas. Os títulos brasileiros vão pagar juros bem maiores. O diferencial das taxas de juros pesa nas contas públicas. "Temos a acumulação de ativos que rendem pouco (as reservas) e passivos que custam muito caro (operações compromissadas)", diz Salto. 

A dívida bruta também foi impulsionada por outra prática do governo muito criticada: as operações de financiamento do Tesouro a bancos públicos, em especial para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES). Hoje, quase 9 pontos porcentuais da dívida bruta são fruto desses repasses. Em 2007, esse item tinha impacto zero sobre a dívida.

Desconfiança.

O atípico comportamento da dívida pública acabou por atrair a desconfiança dos investidores e analistas em relação à gestão das contas públicas e à solvência do Brasil no médio prazo. O comportamento da dívida contribuiu para que a agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P)colocasse em observação, com tendência de baixa, a nota do País, que hoje é grau de investimento (nota que indica que o risco de investir no Brasil é relativamente pequeno). 

"Não esperamos que o Brasil tenha problemas com a dívida no curto espaço de tempo, caso contrário, o País não teria a nota que tem", diz Sebastián Briozzo, diretor e analista da S&P responsável pelos relatórios sobre o Brasil. "Mas a perspectiva negativa da nota do Brasil pode ser interpretada como um sinal amarelo para a dívida pública do País." 

Segundo Briozzo, o primeiro problema é que a dívida ainda é alta, principalmente quando comparada a outros países emergentes. Para se comparar a dívida bruta entre países, o melhor critério é o do Fundo Monetário Internacional (FMI). 

Pelos parâmetros do fundo, em dezembro a dívida bruta do Brasil estava em 68,5% do PIB. Era a terceira maior entre os países emergentes analisados (atrás apenas de Egito, Jordânia e Hungria). Entre os países do Bric, superou a da Índia, de 66,8%, e se tornou a maior do bloco. Para o FMI, a dívida bruta de um país emergente deve ficar na casa dos 40% do PIB.

Custo alto.

A outra questão que chama a atenção é o fato de a dívida ser cara, porque o Brasil tem uma taxa de juro ainda alta. O pagamento de juros da dívida consome cerca de 12% do orçamento anual do governo, quando em outros países essa participação oscila em 7% e nunca passa de 10% do orçamento. "A prudência fiscal ao longo de 15 anos é uma credencial importante para o Brasil e precisa ser preservada", diz Briozzo. 

Ter o grau de investimento rebaixado ou perder o grau de investimento no atual momento da economia internacional só agravaria o cenário no Brasil, ao menos no curto prazo. Grandes fundos de pensão, que só podem colocar dinheiro em países com grau de investimento, teriam de deixar o País. Os investidores, que já estão migrando para os Estados Unidos de olho na sua recuperação, teriam um motivo a mais para buscar outros mercados. E a falta de investimento estrangeiro é maléfica para o Brasil. "O Brasil tem uma poupança interna muito baixa e o seu crescimento depende de capital externo", diz Salto. "Se tiver dificuldade para atrair recursos internacionais, vai crescer menos, o que vai piorar o perfil da dívida."

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