quarta-feira, 31 de julho de 2013

Propriedade intelectual: o que seu cliente precisa saber



A clientela, geralmente, tem noção, em graus diferentes, do que fazer para proteger ativos contra "ataques externos". Mas há quem sequer pense no assunto. Falta consciência do risco por não buscar assessoria jurídica para defender suas marcas, patentes, direitos autorais, desenhos industriais e segredos comerciais.
Na verdade, não se espera que o cliente acorde de manhã pensando em ligar para o advogado, porque está preocupado com suas propriedades intelectuais. Mais provavelmente o assunto pode ser levantado vez ou outra na empresa, e isso é tudo. Por isso, o advogado precisa tentar ajudar o cliente a entender o que está em jogo nesse campo, de forma simples e didática.

É o que faz o guia abaixo. Ele tem por objetivo despertar a atenção do cliente para o que é importante nessa área. Ou, ao menos, dar uma boa noção sobre o que se deve saber, principalmente nos estágios iniciais de desenvolvimento de um produto ou serviço novo e, quem sabe, único. Segue explicação para clientes, extraída de textos de advogados americanos e ingleses, com comentários de advogados brasileiros:

Marca comercial – o que seu cliente deve saber

Marcas existem para que produtos e serviços sejam distinguidos pelos consumidores dos concorrentes e dos genéricos. Com o tempo, algumas se consagram e são facilmente reconhecidas em todo o mercado. Muitas vezes, levam os consumidores a tomar partido e a discussões sobre qual é a melhor (Brahma ou Antarctica, BMW ou Mercedes?).

Algumas se sedimentam de tal maneira que passam a representar toda uma linha de produtos (Bombril, para qualquer palha de aço). "Isso já não é bom para a marca", diz o advogado Luiz Fernando Plastino Andrade, especialista em propriedade intelectual do Trigueiro Fontes Advogados. "Caracteriza o fenômeno da diluição da marca, que passa a significar um gênero de produtos. Isso cria o risco de perda da marca pelo cliente", opina.

Marcas se tornam valiosas. Algumas, de tão reconhecidas, possibilitam a criação franquias (7-Eleven), que o consumidor procura porque sabe exatamente o que vai encontrar. E são altamente lucrativas. Muitas marcas são mais valiosas do que todo o restante do ativo de uma empresa. Por exemplo, as dez marcas mundiais mais proeminentes valem, juntas, mais de US$ 400 bilhões, de acordo com estudo da Interbrand.
Marcas existem ainda para serem respeitadas por concorrentes, assim como por aventureiros que tentam registrá-las para "extorquir" dinheiro de empresas descuidadas. Por isso, quem cria uma organização, um produto ou um serviço novo e único no mercado, deve registrar a sua marca, antes que outrem o faça, seja com boa ou má intenção.

Marcas registradas também protegem o consumidor, que não quer comprar gato por lebre. Com o tempo, marcas ganham credibilidade e confiabilidade, embora possam ser falsificadas. Mas, se respeitadas e protegidas, tornam-se uma referência de qualidade e ganham a fidelidade do consumidor. É difícil trocar o certo pelo duvidoso.

Normalmente, a marca a ser protegida pelo registro é um nome ou expressão (Microsoft). Porém, muitas vezes é também necessário registrar logotipos (o símbolo único que identifica uma empresa ou um produto) e formatos (como o desenho inconfundível de uma garrafa de bebida).

"Em determinados contextos, alguns países vêm aceitando a proteção de cores e até mesmo sons (como os acordes da IBM). Esse não é o caso do Brasil", diz Plastino Andrade. O advogado Helder Galvão concorda: "No Brasil, é vedado o registro isolado de cores, sons (marcas sonoras) ou olfativas. Nos próprios EUA, é uma exceção, como no conjunto das cores do complexo de vitamina Centrum (rótulo) ou no rugido do Leão da MGM", ele informa.

Registro possível/necessário? Essa é uma questão para levar a seu advogado. Diz a sabedoria popular que é preciso fazer a fama, para se deitar na cama. A fama é uma característica da marca bem trabalhada. Sem registro, a segunda parte da sentença ("para se deitar na cama") pode não se concretizar. A perda ou ameaça de perda da marca pode ter um custo muito alto para o cliente. É sempre melhor defendê-la preventivamente com o registro.

"Em todo caso, nem todos os nomes, expressões e logotipos podem ser registrados como marcas, de modo que é sempre interessante que um advogado especializado seja consultado para avaliar a possibilidade de um registro, até mesmo antes de a marca ser definida e começar a ser usada pela empresa", explica Plastino Andrade.

Observações: Todo advogado que atua com "marcas" sabe que é indispensável fazer uma busca sobre registros anteriores nos sistemas governamentais dos países onde serão usadas. Muitas vezes, empresas fecham as portas, mas suas marcas continuam vivas, pelo menos por mais alguns anos. Essa pesquisa evita surpresas desagradáveis, como reclamações e processos por uso indevido de marca e, sobretudo, os custos de mudar a marca forçosamente, mais tarde, depois de investimentos consideráveis.

Tempo de validade da marca: Em muitos países, como no Brasil, a marca tem validade por dez anos. Porém podem, normalmente, ser renovadas por mais dez anos e, assim, sucessivamente, durando tanto tempo quanto necessário. Em tempos de globalização, o registro da marca em outros países pode se tornar conveniente — ou necessário. O registro da marca em um país só é válido em seu território.

Patentes – o que seu cliente deve saber

A patente é a maior proteção para o inventor, bem como para organizações que investem em pesquisa e desenvolvimento de produtos e serviços. Enfim, ela protege os investimentos intelectuais e financeiros que resultam em descobertas que interessam aos consumidores. Ela dá ao proprietário da patente a segurança de comercializar sua invenção com exclusividade e obter lucros por prazo determinado, sob a proteção da lei.

Uma patente pode cobrir mais do que a invenção de uma máquina ou de qualquer outro produto. Pode proteger processos de fabricação, de elaboração, de testes etc. Mas, dizer o que pode ou não pode ser patenteado é um risco muito alto, porque essa área é extremamente complexa. É uma tarefa que tem de ser deixada para especialistas analisarem caso a caso.

Há normas gerais para orientar a concessão de patentes. O objeto da patente tem de ser uma invenção, uma novidade no mercado (isto é, não é do conhecimento público), é fruto de um processo inventivo que vai melhorar seu uso ou processo de fabricação e deve ter aplicação industrial. Mas, vez ou outra, surgem controvérsias e disputas acabam na Justiça.

Por isso, o que o cliente deve saber, seja ele o detentor da patente ou um concorrente ameaçado por ela, é que até mesmo os órgãos encarregados da concessão de patentes erram. Por exemplo, o órgão correspondente ao INPI nos EUA concedeu patentes ao laboratório Myriad Genetics, pela descoberta de dois genes humanos.

Entretanto, o que a Myriad realmente descobriu foi uma forma de isolar em laboratório os genes BRCA1 e BRCA2, que indicam o risco hereditário de a mulher contrair câncer de mama ou de ovário, quando sofrem mutações. A Myriad criou um teste para identificar a existência desses genes em mutação no corpo da mulher e, com a patente, se isolou do resto do mundo na exploração comercial desses dois genes.
Cientistas, médicos, pacientes de câncer e entidades entraram na Justiça, alegando que o laboratório não descobriu gene algum, porque eles sempre existiram na natureza. Aliás, já eram conhecidos. O processo tramitou por todas as instâncias do Judiciário e, em junho deste ano, a Suprema Corte dos EUA anulou a patente. Possivelmente, a Myriad poderia ter patenteado o equipamento de teste e seu formato. Mas não os genes.

Plastino Andrade chama a atenção para o fato de que esse é um exemplo americano, que não se aplica necessariamente ao Brasil, pois os sistemas jurídicos são bastante diferentes.

Registro possível/necessário? O registro da patente é necessário para a empresa garantir a exploração exclusiva de seu produto ou serviço em determinado país, a não ser que o inventor queira compartilhar sua invenção com o mundo, sem se preocupar com a garantia de exclusividade de comercialização ou baseie seu negócio em outro modo de obter retorno financeiro.

Observações: Em muitos países, a simples divulgação de informações sobre a invenção pode destruir a sua "patentabilidade" — isto é, a invenção deixa de ter sua característica de novidade. Por isso, é essencial estabelecer, no papel, "condições de confidencialidade", antes de discutir a invenção com financiadores ou empresas que possam viabilizar a comercialização da invenção. Esse acordo de "confidencialidade" ou de "não divulgação", deve ser preparado por um advogado especializado, obviamente.
Outra opção é requerer a concessão da patente, primeiro, e negociá-la com parceiros empresariais ou financeiros, depois.

Tempo de validade da patente: Em muitos países, incluindo o Brasil, a patente é válida por 20 anos.

Direito autoral (copyright) – o que seu cliente deve saber

Cuidar de direitos autorais é cuidar da renda de uma obra intelectual. É também uma forma de garantir algum controle sobre a obra, que diz muito sobre o seu criador. Esse é um assunto bastante complexo que, muitas vezes, exige conhecimentos jurídicos especializados. Muitas vezes, essa orientação especializada, mais do que para os autores, é necessária para usuários de obras intelectuais alheias, que querem obedecer a lei e evitar os custos, em tempo e em dinheiro, de um processo judicial.

"No Brasil, não temos exatamente copyrights. Nosso direito autoral tem uma característica muito mais ligada à pessoa do autor", explica Plastino Andrade.

De uma maneira geral, direitos autorais cobrem os direitos dos autores sobre suas obras intelectuais originais. Normalmente, eles protegem o trabalho de escritores, cientistas, músicos e outros artistas, editores, órgão da mídia ou de quem quer que crie uma obra de valor. Podem ser vistos também uma proteção à "expressão de ideias" e, dessa forma, toda obra original já nasce com proteção e pode ser defendida, sempre que necessário, até mesmo por vias judiciais.

Exemplos comuns de obras protegidas por direitos autorais são livros, músicas, letras de música, fotografias, pinturas e outras obras de arte, layout e conteúdo de publicações ou sites na Internet, softwares de computação, desenhos técnicos, entre outras.

Muitas publicações não se importam com a reprodução de seus artigos, desde que a fonte seja mencionada. Outras avisam que é preciso autorização para reproduzir seu conteúdo. Outras cobram pela reprodução.
A melhor proteção para os usuários é preventiva: usá-las corretamente. Consultar um especialista acaba por sair mais em conta.

Registro possível/necessário? A proteção ao direito autoral de uma obra original é automática, prevista em lei, na maioria dos países, incluindo o Brasil. Em alguns países — e esse também é o caso do Brasil — o registro é opcional. O registro pode garantir e aumentar o valor da obra, porque facilita a prova de anterioridade, quando há necessidade de se fazer a defesa contra alegações de plágio.

Observações: Em alguns países, o direito autoral criado por um empregado, no exercício de suas funções, pertence ao empregador. Mas se o cliente contrata um profissional para produzir uma obra intelectual, como um website, o direito autoral pertencerá ao autor. No entanto, um acordo com o autor pode transferir o direito para o cliente.

"No Brasil, não há essa diferenciação e os direitos são sempre do autor, salvo menção expressa no contrato", explica Plastino Andrade.

Tempo de validade do direito autoral: Os prazos de proteção do direito autoral são longos, muitas vezes sendo válido em vida e em morte. Para a maioria das criações, o direito autoral dura a vida toda do autor e, mesmo depois de sua morte. Seu direito autoral pode continuar em vigor por mais 50, 70 anos, dependendo do tipo de obra e do país (a contagem normalmente começa no fim do ano calendário da morte do autor. Mas há exceções). Alguns tipos de obra específicos, por outro lado, têm um prazo de proteção mais limitado, começando a correr desde sua criação.

Desenhos industriais – o que seu cliente deve saber

Um desenho industrial é uma obra que define o aspecto estético de um produto comercial. Pode ser uma obra plástica, que envolve formas, cores e traços de um produto, ou sua textura ou seus elementos ornamentais. Geralmente, é uma novidade visual. Pode envolver disputas judiciais milionárias, como nos casos em que se discute os cantos arredondados de smartphones em diversos países do mundo.

Registro possível/necessário? Um desenho industrial pode ser registrado, o que confere a seu criador um título de exclusividade temporário. O registro possibilita ao cliente impedir que concorrentes reproduzam sua obra e que fabriquem, comercializem, importem ou exportem produtos copiados sem seu consentimento. A Justiça pode mandar retirar do mercado um produto copiado.
Em alguns países, existe alguma espécie de proteção mais limitada a desenhos que não são registrados. "No Brasil, essa proteção é muito fraca, de modo que o registro, se for cabível, é quase sempre recomendado", comenta Plastino Andrade.

Observações: Um desenho (ou design) deve ser uma criação inteiramente nova e claramente distintiva de outros produtos. Não pode ser parecido com designs anteriores. Em regra, não pode ser divulgado ou apresentado a grupos de pessoas antes do registro. Mas, em alguns países, há exceções. Por exemplo, o produto pode ser exibido em exposições, antes do registro de seu design. E, então, há um prazo de carência de 12 meses, a contar da exposição, para seu registro. Isso não vale para o Brasil, adverte o advogado.

Muita gente deixa para registrar seus desenhos industriais depois que o produto se torna popular. Pode ser tarde demais. Também é recomendável fazer uma busca prévia de designs semelhantes no Brasil e nos países onde o produto poderá ser comercializado.

Tempo de validade do registro do desenho industrial: Via de regra, 25 anos no total. O período mínimo em muitos países, incluindo o Brasil, é de dez anos, ao qual podem ser somadas mais três prorrogações sucessivas, de cinco anos cada.

Segredo comercial – o que seu cliente deve saber

É o fermento do pão que as empresas ganham com o suor de seu trabalho cotidiano. Mas não podem ser registrados em lugar algum, como forma de proteção — até porque um segredo registrado é um segredo contado. Como se vai registrar uma fórmula secreta? Porém, segredos podem ser salvos — ou protegidos — por bons contratos entre a empresa e as pessoas que têm acesso ao segredo comercial. Para manter a imagem, um bom contrato é a embalagem que impede que o fermento se estrague. É necessário preservar seu valor econômico.

Registro possível/necessário? Pela própria natureza dos segredos, não é possível registrá-los. Ainda assim, os segredos comerciais têm proteção jurídica, sendo que a espionagem industrial e a "venda de segredos" a um concorrente é proibida por lei e pode, até mesmo, ser considerada um crime.

Observações: A melhor forma de proteger segredos comerciais da empresa é mantê-los trancafiados em cofres ou emaranhá-los em criptografia, restringir o acesso a pessoal seleto e adotar contratos de confidencialidade, conforme o caso. É sempre importante consultar um advogado especializado que, junto com a administração da empresa, poderá traçar o plano de proteção mais apropriado para os segredos comerciais, conforme suas características específicas.

João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 29 de julho de 2013

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