Patrícia Araújo
Do UOL, em Roma
Do UOL, em Roma
Uma das regiões mais importantes da Itália, a zona de Chianti, no sul
da Toscana, virou palco nos últimos meses de uma imensa polêmica em
torno de um dos símbolos mais tradicionais da cultura italiana: o vinho.
Em meio à crise que assola o continente europeu e, em particular, a
Itália, um dos vinhedos responsáveis pela produção do Chianti Clássico
passou para as mãos dos chineses.
Numa negociação cujos valores e o nome do comprador ainda não foram
divulgados, a fazenda Casanova-La Ripintura passou a ser propriedade de
um empresário da indústria farmacêutica de Hong Kong. O vinhedo é um dos
600 que compõem o Consórcio Chianti Clássico Gallo Nero, que, ao lado
do Consórcio Vino Chianti, é o mais importante no controle da produção
desse tipo de vinho.
Como esta é a primeira vez que a fabricação da bebida na região passa a
ser administrada por um empresário do país oriental, a negociação se
transformou em tema controverso entre empresários, economistas e
instituições ligadas ao setor.
"Certamente, por um lado, [a venda] dá prazer porque significa que o
nome Chianti é apreciado em todo o mundo. De outro lado, porém, causa um
pouco de preocupação porque existe um risco de início de invasão de
aquisições. É verdade que a história do Chianti é ligada a produtores
também estrangeiros, sobretudo norte-europeus e americanos, mas digamos
que ficamos um pouco pasmados com o interesse por parte da China",
afirma o presidente da Coldiretti (Confederação Nacional dos
Empreendedores Agrícolas, em português) na Toscana, Tulio Marcelli, ele
também proprietário de um vinhedo em Chianti.
Venda em Chianti foi chamada de metáfora da Itália
Em seu blog sobre vinhos, Luciano Ferraro, editor-chefe do "Corriere
della Sera" (um dos principais jornais da Itália), chegou a classificar a
venda em Chianti como uma "metáfora da Itália", afirmando que os donos
de vinhedos vêm sendo prejudicados pelo descaso e impostos excessivos e,
empobrecidos, se vêem obrigados a entregar plantios tradicionais a quem
fizer a maior oferta.
De acordo com Ferraro, a venda pode ser o primeiro passo para que
ocorra na Itália o que aconteceu em Bordeaux, na França, onde cerca de
50 vinhedos já passaram para o "lado asiático".
Delimitada ao norte pela cidade de Florença, a leste pelas montanhas de
Chianti, ao sul por Siena e a oeste pelos vales de Pesa e Elsa, a
região do Chianti Clássico é a "zona de origem" produtora de vinho mais
antiga da Itália, delimitada por um decreto ministerial em 1932.
Atualmente a produção do vinho é de 35 milhões de garrafas ao ano (80%
destinados à exportação), movimentando cerca de 250 milhões de euros.
Para o diretor do Consórcio Gallo Nero, Giuseppe Liberatori, não há
motivo para tanta polêmica. "Não vejo [a venda] como um problema.
Significa que nosso território tem um apelo muito particular. Também não
é a primeira vez que um estrangeiro compra um vinhedo aqui. São todas
pequenas propriedades. Não há nada para se espantar".
De acordo com o economista Alberto Matiacci, professor da Universidade
Sapienza, em Roma, a venda do vinhedo naquela zona causa tanto "impacto
no imaginário coletivo" por causa da importância que a produção geral de
vinho tem na economia do país.
"É um setor que, hoje, tem um papel muito grande na balança de
pagamento italiana. Acredito que, dentro do segmento agroalimentar, está
entre os primeiros com saldo positivo. É um setor que tem um impacto
complexo sobre a economia porque não podemos esquecer que uma produção
de vinho forte significa também um turismo atraente", afirma Matiacci.
Ele diz não acreditar, contudo, que a negociação ocorrida em Chianti
seja o início de uma "invasão chinesa". "É claro que a leitura
superficial pode ser: 'Oh, Deus! Os chineses estão chegando e comprarão
todo o vinho italiano!' Mas está é uma leitura emotiva. Eu não creio
nisso. Eles têm outras coisas a fazer, ao pensar em Itália, do que
comprar todas as cantinas de vinho [...] Segundo meu parecer, não há
fundamento concreto para alarme."
A avaliação é diversa daquela feita pelo também professor Claudio
Riponi, coordenador do curso de graduação em Viticultura e Enologia da
Universidade de Bolonha. Embora não fale em invasão, Riponi afirma que
os chineses estão se "avizinhando" cada vez mais ao mundo do vinho.
Prova disso, segundo ele, é que boa parte de seus estudantes hoje são
chineses. "Evidentemente o mercado chinês está começando a se orientar
para esse setor [vinícola], que tem uma grande importância mundial. Eles
começam a ter dinheiro e, evidentemente, passam a se interessar em
comprar vinhedos na Itália e na França, antigos produtores."
China já está entre os maiores consumidores mundiais de vinho
A China é hoje considerada o quinto maior consumidor de vinho do mundo,
segundo levantamento feito pela The International Wine Research (IWSR).
De acordo com a instituição, a previsão é de que, em 2015, serão
consumidas no país oriental cerca de 2,6 bilhões de garrafas da bebida,
uma média de consumo de dois litros por habitante.
Outra pesquisa, essa divulgada pela organização internacional Vigne et
du Vin, mostra que o consumo de vinho na China aumentou 9% em 2012,
atingindo a cifra de 1,8 bilhões de litros. Na Itália, terceira
consumidor mundial atrás da França e Estados Unidos, a cifra é de 2,2
bilhões de litros. Vale ressaltar que o aumento na China não se deve
somente às importações, mas também a um crescimento da produção de vinho
chinês.
A reportagem do UOL tentou entrar em contato com o
atual responsável pelo vinhedo Casanova para comentar a compra, mas não
recebeu resposta até a publicação desta notícia.
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